sábado, 4 de janeiro de 2014

Quem é Rafael Braga Vieira – em busca da resposta. por Ana Aranha

A visita era a advogada Raphaela Lopes, do instituto Defensores de Direitos Humanos, que assumiu a sua defesa e vai recorrer. Rafael estava cabisbaixo, amedrontado e ficou perplexo com a condenação. Depois do encontro, a advogada reforçou sua tese: a polícia e a justiça ignoraram direitos e princípios básicos pelo fato de Rafael ser morador de rua, pobre e negro – uma pessoa sem defesa ou rede de apoio.
Rafael Braga Vieira no momento de sua prisão
O exemplo mais gritante é a imagem de sua prisão: Rafael foi algemado pelos pés, uma prática de humilhação que deveria estar banida das penitenciárias do país. “Até o uso de algemas no braço hoje é condenado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o policial só pode algemar se o preso oferecer risco. Imagina nos pés? É desumano, prática do século retrasado, o que se fazia com os escravos”, argumenta Raphaela. A foto foi publicada pelo site Rio na Rua, que faz cobertura independente dos protestos.
Para tentar responder a pergunta do post passado "Quem é Rafael Braga Vieira?"e entender o que essa condenação pode representar para o Brasil, o blog entrevista a advogada e única pessoa a visitá-lo até agora.
Como será a defesa de Rafael?
Ele foi condenado por porte de material explosivo, mas foi flagrado com duas garrafas plásticas. O coquetel molotov necessariamente precisa de garrafa de vidro, é assim que a fagulha se espalha. O juiz diz ainda que uma das garrafas tinha quantidade mínima de álcool e o condena por uma suposta intenção de incendiar. Essa é uma a arbitrariedade sem base jurídica. Assumir que a pessoa tem a intenção de incendiar só porque ela está andando com uma garrafa que contém álcool?
O que ele tem a dizer sobre os protestos?
Nada. Ele não estava na manifestação. Ele não tem nenhum tipo de ligação com as manifestações. Foi a pessoa errada na hora errada.
Poderia falar um pouco sobre quem é Rafael Braga Vieira?
Ele é negro, tem 25 anos, cursou até a 5a série, tem 6 irmãos, a mãe dele mora na Penha e ele trabalha em brechós na Praça XV de Novembro. É complicado descrever alguém que se conheceu na cadeia, a pessoa está com medo, o tempo todo recebendo ordens, ele mal olhava nos nossos olhos.
Como ele reagiu à notícia da condenação?
Ele ficou surpreso com a rigidez e por ser em regime fechado. Nos pediu para contatar a sua mãe, que ainda não está sabendo da prisão.
Qual sua avaliação desse caso?
O juiz tira dele direitos básicos, como o benefício da dúvida. No direito penal, há a presunção da inocência. Ou seja, se há alguma dúvida, é preciso dar ao réu o benefício da dúvida. O Rafael teve esse benefício negado, como se certos princípios não se aplicassem a ele. Na minha avaliação, ele não foi condenado por um crime, ele foi condenado por ser morador de rua, pobre, negro. Isso fala muito sobre o atual cenário que vivemos no Rio de Janeiro, onde cresce um modelo de cidade excludente, para poucos, elitista. Pessoas como o Rafael não são desejadas nesse cenário. Esse discurso pode soar radical, mas é a forma como as coisas acontecem, como a argumentação contra ele é construída na sentença.
O que esse caso diz sobre o modo como o estado e a justiça lidam com os protestos?
Existe uma pressão para que pessoas sejam responsabilizadas pelo quebra-quebra e vandalismo. As pessoas detidas servem como bode expiatório. O que me intriga é a resposta do estado aos protestos: não há diálogo, abertura para entender o motivo da insatisfação. O estado só responde com mais repressão e criminalização. Que democracia é essa? As pessoas estão protestando dentro de um contexto político, mesmo aquelas que estão quebrando as coisas. O Rio tem um contexto violento de cerceamento e exclusão das populações pobres. A forma como a cidade está sendo preparada para os megaeventos é uma pauta política, mas não há disponibilidade do estado em dialogar.
A condenação de Rafael pode servir como um recado para assustar futuras manifestações?
Sem dúvida. Principalmente pela pena tão alta. Mais uma vez, a reação do estado é a criminalização.
Tem mais alguma coisa a acrescentar sobre Rafael?
Nós fizemos exatamente essa pergunta a ele “tem alguma coisa que você queira falar pras pessoas lá fora?”. Ele não disse nada. Só frisou a vontade de que sua mãe ficasse sabendo.

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