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sexta-feira, 2 de março de 2012

Memória viva





Leitor assíduo dos escritos do jornalista Ronald Mansur na página de Opinião de A GAZETA, aceitei o recomendado em seu artigo do dia 30/08-2010, motivado por nossa origem árabe, e entrei em contato com ele para obter o texto sobre Pedro José Aboudib. Fui duplamente contemplado: primeiro pelo prazer de conhecer Ronald pessoalmente. Conversa agradável, é memória viva da emigração no Brasil (não só dos libaneses). Segundo, o texto é excelente e fala da vida de um libanês, como muitos outros, emigrante importante na história de nosso Estado. Li com muita atenção, passei a ter mais orgulho de meu avô, Basílio Keijok, e adotei a frase que demonstra o orgulho de Ronald Mansur por sua (nossa) ascendência: "Líbano - minha alma veio de lá".
Aldo José Barroca, Goiabeiras - Vitória.

obrigado Aldo. ronald mansur

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O QUE DEVO AO LÍBANO?



Se pudesse enumerar tudo que recebi da terra de meu avô paterno, Francisco Marolino Mansur, Chico Turco,teria uma listagem  imensa que este espaço não comportaria. Digo mais, já se vão 80 anos que ele morreu, em Muniz Freire, 1932, e 129 anos que chegou ao Brasil vindo do Líbano, 1883, todos os dias me chegam novas informações e novas energias, que tenho plena certeza, elas vêm da montanha libanesa, da sua aldeia de nascimento, Zgharta/Aalma. Tenho sido mais destinatário do que remetente.

 Ao Líbano, seu povo e sua História, sou um poço imenso e sem fundo de gratidão. Um devedor eterno, que a cada dia vê a coluna do débito crescer, crescer e virar a esquina até desaparecer na linha de um horizonte que não tem fim. É assim que me sinto todos os dias. Um devedor que não tem vergonha para dizer a todos ouvidos de boa vontade: devo e não nego, mas eu não tenho como pagar todo o montante, sou réu confesso.

Uma distancia tão grande em número de anos ainda pode manter acesa a chama da ligação familiar e étnica? Está é uma pergunta óbvia e natural que aparece quando coloco o meu ponto de vista com relação ao Líbano.  Mas é lógico que a medida em termos de tempo é relativa do ponto de vista de cada um. Luto diariamente para não esquecer o passado, com a finalidade de perpetuá-lo em mim e nos que me permitem fazer não uma pregação, mas uma conversa amistosa. Do passado faço um trampolim para o futuro. Do passado não faço um ancoradouro para atracar meu pequeno barco

Um grande incêndio pode começar de uma pequena faísca. Manter a chama acesa para ela ilumine os caminhos para receber os passos é uma rotina. É preciso a cada dia renovar e exercitar a curiosidade, a conversa e ter os ouvidos e os olhos sempre ligados. São fatos passados, mas que não se esgotam nunca. A cada dia é um renovar.

Como a maior caminhada que um homem é capaz de realizar tem sempre como base o primeiro passo e a decisão de fazê-la. Como o mascate, meu avô, Francisco Marolino Mansur e meu pai, Manuel Mansur, que bateram pernas pelo interior do Espírito Santo, com animais de carga e suas malas de novidades em busca de um possível comprador e compradora. Esta jornada é uma lembrança deixada não somente por vovô e papai, mas por milhares de brimos.

Sair em defesa da integridade do Líbano é uma ação que já de há muito deveria ser sido tomada. A colônia muitas vezes foi omissa. Calou-se diante dos confrontos entre irmãos. Calou-se diante da agressão militar externa. Mas não adianta lamentar o que deveria ter feito não foi realizado. Melhor é tomarmos uma atitude. O capital que o Líbano nos concedeu é o lastro que erguemos nossas vidas, bens materiais e espirituais. Chegou o momento de decidir o que podemos fazer pelo Líbano. Ou agimos ou teremos no futuro apenas a lembrança do que foi a terra dos nossos antepassados. O Líbano poderá existir apenas na nossa cabeça e nos livros de História.   

Por tudo que até aqui registrei a respeito do Líbano, seus filhos e filhas imigrantes, constituem o motivo e a emoção que me levará no dia de abril, Líbano, minha alma veio de lá.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 9 - MEMÓRIA DA IMIGRAÇÃO LIBANESA


Em 1930 transferi-me para o Rio de Janeiro, acompanhado de meu filho estão deputado federal.

Com o advento da Revolução, voltamos a residir em Vitória. Em 1934 senti que a vista me ia faltando consideravelmente e para isso lancei mão de todos os recursos, peregrinando pelos consultórios médicos, inutilmente. A conselho de meu dedicado amigo, Dr. Aldemar Pessoa, filho do saudoso farmacêutico Inácio Pessoa, fui a Campinas consultar o Dr. Penido Burnier, sumidade no assunto. Nesta ocasião fazia eu, com Sinhá, uma estação em Poços de Caldas, onde ela procurava melhoras para uma dermatose. Guardo de Dr. Burnier a melhor recordação, tanto do ponto de vista de probidade profissional como pela bondade que teve para comigo. Examinou-me duas vezes n mesmo dia, durante quatro horas. Das 9 às 11 da manhã e das 3 às 5 da tarde. Às 5 me disse:

-Preciso lhe ser franco para que o senhor não seja vítima de algum ganancioso que lhe proponha tratamento ou operação. O senhor só tem um oitavo da vista. A esclerose atacou a retina e para isso não há remédio. Suas grandes preocupações de espírito influíram para isso, mas vamos tentar sustar-lhe a evolução.

Ao deixar o consultório, senti-me preso da emoção e por momentos julguei-me cego. Desesperado gritei pelo seu nome. Foi então que deu expressão a sua bondade, levando-me o ânimo e fazendo-me conduzir ao hotel no seu automóvel. À noite, fez-me ali uma visita e levou-me a passear de carro pela cidade.

Na manhã seguinte regressei a Poços de Caldas.

Em 1936, nutrindo anda a esperança de recuperar a vista, deixei Sinhá em Guarapari onde estávamos passando uma temporada e, a conselho de amigos, decidi ver o maior oculista do mundo, Dr. Barraquer, em Barcelona. Meu filho não escondia sua preocupação e tentou dissuadir-me de atravessar o Atlântico só e quase cego.

Vendi algumas terras que me restavam, apurando cerca de 20 contos e com isso tomei passagem na agência Cook, ida e volta de Santos a Barcelona. Embarquei em junho de 1936, no Cap. San Antonio direto a Barcelona, onde cheguei a 9 de julho. Nesse mesmo dia fui ao consulado brasileiro para o qual levava uma carta; e o cônsul, muito distinto, marcou-me hora com o Dr.Barraquer. Ao fim de nove dias de tratamento, disse-me o Dr:
- O senhor nunca mais pode ler. Seu caso é irremediavelmente perdido. A esclerose atacou a retina devido às grandes preocupaççoes de espírito que o senhor teve.

Desiludido, tive ainda a coragem de lhe relatar o que dois anos antes me dissera o Dr. Burnier. Pensei que no velho mundo as celebridades tivessem mis valor que as do Brasil. Vejo agora que se igualam.   

Levava eu uma carta para o Dr. Barraquer e outra para irmã diretora do Instituto Barraquer e isso me valeu de ambos, amável tratamento. A irmã sobretudo, foi delicadíssima, e quando lhe falei em minha irmã Germaine, religiosa também de São Vicente de Paulo em Beirute, ficou contente. Ao despedir-me, indagando se ainda me demoraria em Barcelona, respondi-lhe:

- Sim, por mais alguns dias.

Disse-me:

-Acho que não deva demorar-se.

Essas palavras me impressionaram e ao descer do elevador com o cônsul do Brasil, repeti-lhe o que me dissera a irmã, informou-me então dos boatos que corriam de próxima revolução e por esse motivo, cancelando o passeio a Madrid, que haviam combinado, tomei o trem no dia seguinte com destino ao Líbano, via Marselha.

No mesmo dia à noite, já em Marselha, soube que havia rebentado a revolução espanhola. De Marselha viajei de trem até Triste, parando em Gênova, Milão, Veneza.

(com a morte do ilustre depoente ficou inconclusa sua interessante autobiografia).   

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 8 - MEMÓRIA DA IMIGRAÇÃO LIBANESA


USINA JABAQUARA

Em julho de 1915 mudei-me com minha família para Vitória, abrindo um escritório de transações comerciais. Em Benevente a firma continuava em franco progresso e adquiria café em grande escala, falilitando-me firmar-me com o produto na praça de Vitória.

Em começos de 1919, veio a Benevente o nosso comprador de aguardente em São João da Barra, Antonio Almeida. Subiu o rio Benevente até Alfredo Chaves e vendeu em Jabaquara, um canavial com alambique a fogo nu, de propriedade de Feliciano Garcia e Agostinho Ginelli. Sugeriu a meu sócio Philadelpho, a idéia de montar ali um alambique moderno e fabricar aguardente e alta escala. Em meu regresso, achando viável a idéia, fui a Campos e telegrafei ao Almeida que ali me fosse encontrar. Visitamos várias usinas, desejando eu comprar um jogo de moendas e um alambique. Encomendamos então um alambique ao Sr. Antonio Martins Júnior (Sr. de bem) para fabrico de 10 pipas de aguardente em 24 horas. Logo em seguida, soube da existência de uma usina parada em Santa Cruz, pertencente ao Dr. Aristides Guaraná, de saudosa memória, a qual estava hipotecada ao Banco do Brasil por cerca de 3000 contos.

Telegrafei então ao Almeida, para que trouxesse técnico competente e viesse com ele a Santa Cruz para opinar sobre a compra.

Como não entendesse do assunto, vali-me da opinião do técnico engenheiro David Findley, que achou a maquinaria em boas condições. Propus negócio ao Banco, mas para efetuá-lo tive de permanecer 6 meses no Rio de Janeiro, afim de conseguir anuência e assinatura do velho Guaraná e seus herdeiros. Tinha começado a minha grande luta. O transporte desta imensa maquinaria em saveiros e rebocadores até Benevente, seria trabalho digno de titãs, se em seguida não o subrepujasse a subida do rio de peças pesadíssimas e imensas, em pranchas a remo. Tive de mandar limpar o rio Benevente num percurso de cerca de 20 quilômetros , tarefa árdua e caríssima, para facilitar a condução desse material.

Em Jabaquara, onde adquiri terras, instalei guindastes para descarregar a maquinaria pesada. Durante a montagem da usina verificou-se a falta de muitas máquinas, sendo necessário modernizar outras. Fiz uma encomenda à casa Jan Maquinismos de Glasgow, Inglaterra, importando a mesma em 12.000 libras, cerda de 500 contos, moeda brasileira, tendo pago 113 no ato da entrega na alfândega e o restante em prestações. Nunca pude cumprir esse trato; e a casa foi tão correta que jamais me incomodou até que, em 1929, com a venda da usina, pude liquidar integralmente meu débito.

Quando me atirei neste empreendimento, jamais poderia imaginar as dificuldades que teria de enfrentar. Faltava-me tudo. Foi preciso prover a lavoura de braços e para isso cheguei a mandar vir, por várias vezes, centenas de trabalhadores de Alagoas, Sergipe e de Campos.

Ali chegavam, mas poucos parceiros permaneciam, acossados pelo impaludismo impiedoso. Era-me forçoso mandar vir novas levas para que, aos canaviais em formação, não faltassem braços. Tratei desde logo do problema sanitário, trazendo técnicos sanitaristas, que determinaram abertura de valas, plantação de eucaliptos e limpeza dos terrenos adjacentes, instalei uma farmácia que fornecia aos trabalhadores medicamentos. Ajudei também os lavradores próximos a fim de que intensificassem a plantação de canaviais, para a venda e consumo de minha usina.

Só o prédio da usina me custou, naquela época, mais de 100 contos. Mais a construção da casa do alambique e cerca de 50 casas de operários. Instalei luz elétrica. Iniciei e levei a termo a construção de 36 quilômetros de estrada de ferro de bitola 60, de Alfredo Chaves a Benevente, passando pela usina Jabaquara. Para isso contei com valioso auxílio do governo do Estado.

Mas apesar de haver época em que se produziam 200 sacos de açúcar diários, os prejuízos eram enormes e isso por insuficiência dos canaviais. A usina permanecia parada dias e dias, por falta de matéria prima; apesar de meus esforços conjugados aos de meus sócios, amigos e interessados, Paulo, Philadelpho e Cinquinho Gonçalves, que não pouparam sacrifícios de toda natureza nestes 10 anos de lutas, fui obrigado a vender a usina ao governo do Estado, 950 contos, os quais ficaram reduzidos a 830, porque descontados 450 contos que eu devia ao Banco do Estado do Espírito Santo, entregou-me o governo do Estado 500 contos em letras ao prazo de 1, 2, 3 anos, as quais entreguei aos meus credores. Como os juros dessas promissórias corriam por minha conta, tive de desembolsar 120 contos, ficando pois reduzida a venda para 830.

Nela eu empregara cerca de 3000 contos. Realizei esta venda ao governo do Estado, sendo presidente o Dr. Aristeu Aguiar, jovem e querido amigo de longa data, que chegou a convidar-me para testemunha de seu casamento.

Essa transação foi orientada pelo então secretário da Fazenda, José Vieira Machado que, como todo secretariado, sabia que eu, anos antes, recebera uma proposta de compra da parte do Dr. Henrique Novaes, representando industriais de São Paulo; proposta esta que, no momento, Philadelpho achou melhor não aceitar. Já havíamos empregado na usina 2200 contos e a proposta era de 2000 contos pagáveis 350 no ato da escritura, 350 seis meses depois e 1300 pagáveis em oito anos.

Meu passivo era nessa época, 1929, 1000 contos: 750 contos ao comércio Vitória – Rio – Glasgow; e 305 contos a amigos, alguns sem documento. Na sua totalidade, meus credores, quer comerciais, quer particulares, achavam que eu deveria fazer uma concordata de 20% de acordo com a lei vigente. Entretanto, com meus sócios, decidimos pagar a todos integralmente. Para isso vendemos todos os bens de minha propriedade, conseguindo salvar apenas o prédio, em Vitória, do Palace Hotel, de cuja renda exclusiva passei a viver muito modestamente. Tinha porém inabalado meu crédito e gozava de prestígio nas rodas políticas e sociais, tanto que permaneci até 1930 no cargo de vereador municipal da Capital, para o qual fui eleito em 1924, no início do governo Avidos. Nessas legislaturas, nunca me deixei levar por interesses subalternos, zelando pelo município, como era meu dever.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 7- MEMÓRIA DA IMIGRAÇÃO LIBANESA


Em Haya, o edifício em que se realizou a conferencia de paz em 1905. Nesta famosa assembléia, se reuniram 44 nações. ‘’Aqui sentou-se o embaixador, Ruy Barbosa. Era o menor na estatura, mas o mais alto no saber. ‘’ Essas palavras levaram ao auge meu entusiasmo. Abracei o guia, declarando-me brasileiro. Passei alguns dias em Londres e, de volta a Paris, tomei passagem no vapor Ortega, regressando ao Brasil. Nas vésperas do Natal estava já em Benevente com minha família.

Em 1911 comprei uma lancha a vela. Reformei-a adaptando-lhe um motor e batizei-a com o nome de Zgharta, minha cidade natal. Comprei dois armazéns com instalações e maquinismo para beneficiar café. Nesta época dei sociedade a meu irmão Paulo, pai de Carlos Aboudib, e a meu sobrinho por afinidade, Philadelpho Fernandes. Fiz o capital de ambos cabendo-lhes nos lucros 33% e a mim 34%. Em 1912, fiz construir em Barra do Itapemirim, o navio que denominei “Moniz Freire”, sendo o governador Marcondes de Souza. A inauguração que constituiu numa passeata na baia “barra de Vitória”, comparecera o representante do Presidente do Estado, jornalistas, o próprio Moniz Freire (então no ostracismo) e, por acaso, estando de passagem no porto, o Senador Lauro Sodré que também participou da festividade a convite de Moniz. Desse encontro nunca esqueceu o ilustre Senador pelo Pará, tratando-me com simpatia sempre que nos víamos.

De 1913 a 1914, fiz uma viagem a Bahia para comprar 2 navios de aço de construção holandesa, para pesca e a motor. No momento de passar a escritura por 200 contos, o tabelião fez duas guias para pagamento dos impostos: estadual 7% e federal 5%. Recusei-me, alegando que seria inconstitucional que um objeto pagasse 2 impostos. Consultei o Dr. Sales Guerra que confirmou o veredicto do tabelião, com o qual não me conformei. Pelo cabo submarino, resolvi telegrafar ao Dr. Moniz, conhecedor de leis, nos seguintes termos:

“Dr. Moniz- Barão de Amazonas, 19 – RIO.- Comprei dois navios pt. Pede dois impostos estadual 7% federal 5%. Devo pagar ambos? Qual devo pagar? Responda urgente, Rua Chile3 pt.

Horas depois, recebi a seguinte resposta: Pedro José – Rua Chile, 3- Nenhum pt. Apenas dois mil réis cada conto selo proporciona. Procurei então o advogado que redigira a escritura de venda e mostrei-lhe o telegrama de Moniz Freire. Ao tomar conhecimento do mesmo, admirou-se pois conhecia o valor de Moniz Freire como jurisconsulto e fora seu colega na Faculdade de Direito de São Paulo. Levou o caso ao conhecimento do então Presidente do Estado da Bahia, Dr. Antonio Moniz, o qual lhe sugeriu consultar a Ordem dos Advogados, que, após discutir o assunto, resolveu acatar a opinião de Moniz Freire.

Paguei então 400 mil réis de imposto em lugar dos 30 contos.

OS MONTEIROS

Como ficou dito atrás, em 1906 tive de deixar a minha casa comerial em Guarapari entregue a meu irmão e ao compadre Joaquim Castro, meu empregado. Apesar da confiança que neles depositava, os negócios não iam bem, devido principalmente, á tremenda guerra comercial que os Borges, chefes da política local no governo de Henrique Coutinho me moviam, não me era possível de Benevente ir a Guarapari zelar por meus interesses.

Em 23 de maio de 1908, tomando posse no cargo de presidente o Dr. Jerônimo Monteiro, no mesmo dia recebi um telegrama do saudoso D. Fernando Monteiro, bispo do E. Santo, irmão do presidente, chamando-me a Vitória. D. Fernando que anos antes estivera em Benevente em sua visita pastoral, já me considerava seu amigo, disse-me:

-“Já conversei com o presidente a seu respeito.  O Sr. Vá ao palácio, onde será bem recebido, e esteja certo de que serão tomadas todas as providências que o caso exige.” De fato esse ilustre espírito-santense recebeu-me amistosamente fazendo vir à minha presença o desembargador Carlos Gonçalves, chefe de polícia. Disse-lhe então: Sr. Carlos, quero dar ao Coronel Pedro José todas as garantias para que possa viajar livremente no município de Guarapari. Se for preciso mandar o corpo de Polícia, faça-o.

- Sim senhor, serão cumpridas as suas ordens, mas acho que convém ao Coronel Pedro José afastar-se um pouco da política.

A essa opinião tendenciosa  de um cooestaduano dos Borges, respondi: Sr. Presidente: se as providências que vossa Excia.  esta dando ao chefe de polícia tem alguma condição, agradeço-lhe muito, mas não posso aceitar isso, porque no dia em que houve o rompimento, entre Dr. Moniz e o presidente Coutinho, hipoequei ao Dr. Moniz minha solidariedade irrestrita e cumprirei minha palavra com o risco da própria vida.

- Sr. Carlos, as garantias ao Coronel Pedro José não tem condição. Poderá ele acompanhar o seu amigo e chefe nesse mesmo dia, minha cunhada de 23 anos de serviço, fora demitida pelo presidente Coutinho, foi reintegrada como professora pública.

Saí do palácio satisfeitíssimo.

No dia seguinte o jornal oficial estampava uma notícia dizendo que o Sr. Presidente do Estado havia deliberado, de acordo com o Dr.Dioclécio Borges, a volta do Coronel Pedro José para o município de Guarapari. Ao ler essa notícia, fui ao palácio episcopal agradecer ao querido D. Fernando Monteiro, sua intervenção, mas recusando o favor desde que me fosse oferecido por Dioclécio Borges. Compartilhando com meu aborrecimento, garantiu-me D. Fernando que, no dia seguinte, o jornal publicaria uma nota reparadora. Como de fato foi publicada uma nota nestes termos: Sua Excia. o Sr. Presidente do Estado, ao dar garantias ao Coronel Pedro José, não ouviu nenhuma pessoa.

Foi então que, a convite de amigos que levaram sua solidariedade ao ponto de irem buscar-me em Benevente, pude entrar em Guarapari triunfalmente. Mas já radicado em Benevente, para lá transferi todos os meus negócios deficitários em Guarapari.

Dos Monteiro, apesar de estarmos sempre em campo aposto na política, tive sempre provas de consideração e respeito. Sem falar em D. Fernando, cuja memória venero, recebi do Dr. Jerônimo Monteiro e do Dr. Bernardino Monteiro as mais inesquecíveis provas de simpatia devidas ao adversário leal. Da mesma forma travei relações com o Dr. Henrique de Novaes, sobrinho dos Monteiro, de quem fui amigo dedicado, merecendo a honra de ser convidado; muitos anos mais tarde, para padrinho de casamento de sua primeira filha, em 1928.

Por ocasião da solenidade da sagração do bispo espírito-santense D. Helvécio Gomes de Oliveira, no Rio de Janeiro, não mais existia o Dr. Moniz Freire, meu inesquecível e querido amigo. Convidou-me então o Senador Jerônimo Monteiro, seu ferrenho adversário, a ingressar no seu partido, excusei-me, procurando demonstrar que não tinha mais elementos como político. Respondeu-me que fazia questão da minha pessoa. Prometi pensar...

Certa vez, em Vitória, sendo Ministro da Agricultura (no governo Epitácio) o Dr. Simões Lopes, recebi de seu filho, Dr. Álvaro Simões Lopes, um amistoso telegrama podo-se à minha disposição para o que pudesse necessitar. É que, alguns anos antes, adoecendo o Dr. Álvaro de febre palustre, quando em viagem pelo E. Santo, eu procurara cercá-lo de todo conforto e assitência.

No gabinete de Ministro, recebeu-me o Dr. Álvaro  Simões Lopes, apresentando ao seu ilustre pai, ao qual encaminhou o requerimento em que eu solicitava fosse pago pelo Ministério, o frete dos maquinismos da usina de minha propriedade adquiridos em São Paulo. Apesar de estar vetada a lei orçamentária que facultava aos usineiros esse favor; foi deferido o meu pedido, graças a intervenção do Dr. Álvaro que enalteceu ao Ministro a importância de minha indústria no Espírito Santo.

Neste momento, surge à porta do gabinete, o Senador Jerônimo Monteiro. Um momento Senador, estamos tratando de interesses do seu Estado, disse o Dr.Álvaro. E eu subscrevo tudo o que o Coronel Pedro José pedir, respondeu-lhe o Senador Jerônimo Monteiro.

No fim do governo Marcondes fui eleito deputado pela vontade expressa do Dr. Moniz.
     
    -Tenho direito a cinco nomes na chapa estadual. Sabe que você é um desses cinco.

- Não aceito, Dr. Moniz, prefira Radagazio no meu lugar.

-Esta decidido. É você mesmo. Chegou a hora de dar uma demonstração pública de minha gratidão para com você. A sua vida esteve em jogo.

Fui eleito e tive o meu diploma. Mas acontece que, na reforma da Constituição, Deoclécio Borges promoveu a retirada de artigo anterior com a resolução expressa da necessidade de ser brasileiro nato. Na circunstância, o presidente Marcondes, havia posto na chapa Braz Vivacqua, de forma que foram impugnados meu reconhecimento e o do candidato do sul do Estado.

Nessa ocasião fui ao Rio, pois Dr. Muniz estava acamado por fratura, sabendo então por meu filho que ele havia passado para o Marcondes um telegrama um pouco áspero, disposto até o rompimento. Procurei imediatamente o Dr. Muniz pedindo-lhe desistir do meu lugar no Congresso. Respondeu-me a Constituição Federal permite serem os naturalizados até deputados federais, e que, por isso, se dispunha recorrer à ordem de habes-corpus ao Supremo Tribunal Federal. Para dissuadi-lo lancei mão de todo recurso, pedindo intervenção de vários amigos, inclusive Dr. Raul Martins. Dos encontros e intervenções de vários próceres, resultou convite do Jerônimo Monteiro para Ârgeo Monjardim (genro de Moniz) integrar a chapa e prova de não haver má vontade para comigo, ofereceu lugar para meu filho que assim, aos 19 anos, foi eleito Deputado Federal. Tive que aceitar.
Sonho premonitório.
Em princípios de 1918, acompanhei Dr. Moniz ao navio que o levaria ao Rio, adoentado, pés inchado. Na noite de 2 de abril sonhei com Dr. Muniz a meu lado. Acordei impressionado. Não pude mais dormir. Às 6 horas fui à sacada e vi sinal de vapor ao norte. Apressei-me e fui à Agencia do Lloyd comprar a passagem, embarcando às 9 horas para o Rio. Quando cheguei ao Hotel Avenida, disse-me o gerente:
- Coronel Aboudib, o senhor está sendo esperado. Acabam de lhe telefonar.
Encontrei o Dr. Moniz agonizante.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 5 MEMÓRIA DA IMIGRAÇÃO LIBANESA



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Uma carta do então Ministro da Fazenda, Dr. Murtinho, ao presidente Moniz Freire, mudou o rumo dos acontecimentos. Encarecia o Ministro a necessidade de união de vistas dos governos baiano e espírito-santense a fim de concederem a uma única firma a exploração das areias.  Visava essa medida alcançar preços mais altos no mercado estrangeiro. Ficaram pois os Borges fora do negócio, sendo o contrato feito com o referido Sr. Gordon pelo Governo da União e os governos dos Estados da Bahia e Espírito Santo. Por indicação do Presidente Moniz Freire, a firma representante do sr. Gordon encarregou-me dos fornecimentos ao pessoal e armazenagem das mesmas.
Creio que a este fato devi a campanha que, Guarapari, anos mais tarde, desencadearam contra mim, os Borges. Naquela altura não lhes convinha abrir luta, sendo eu a pessoas de maior prestígio no Município e grande amigo do Presidente.

Quando em 1905 o Presidente Henrique Coutinho se afastou politicamente do então chefe do Partido Autonomista Dr. Moniz Freire, resolveu este romper com o situacionista governamental. Tendo eu chegado na véspera a Vitória, surpreendeu-me ler na manhã seguinte no “Estado do Espírito Santo” o corajoso artigo “Judas”, no qual Dr. Moniz manifestava-se contrário à política do presidente Henrique Coutinho. Acompanhado do meu amigo Sizenando de Mattos, então deputado estadual por indicação minha, fui visitar o preclaro chefe. Disse-lhe que, embora lamentasse os acontecimentos, estava com ele incondicionalmente. Secundando o meu gesto, Sizenando de Mattos afirmou-se solidário comigo e, portanto, acompanhava minha atitude.

À tarde do mesmo dia fui abordado pelo Dr. Olympio Lyrio que em nome do presidente Henrique Coutinho veio convidar-me para ir a Palácio. A princípio tentei recusar-me, fazendo ver ao emissário que já me solidarizara com o chefe do partido Autonomista, de quem me considerava incondicional amigo. Mas à insistência do Dr. Olympio Lyrio e também farmacêutico Inácio Pessoa, em cujo estabelecimento me encontrava, atendi ao convite e encaminhei-me para o palácio. Subtraindo-se à responsabilidade do rompimento, que de nenhum modo desejara, pediu-me o presidente Henrique Coutinho que continuasse a prestigiar o seu governo, permanecendo com a direção política de Guarapari, onde exercia por eleição o cargo de presidente da Câmara. Declarou-me francamente, que tendo eu inimigos em Guarapari, ser-lhe-ia muitas vezes difícil obstar as perseguições que este grupo dirigido por Dioclécio Borges poderia me fazer caso se assenhoreasse da política local.

Obtemperei-lhe, então, que apesar do respeito que lhe devia e agradecido à prova de consideração que me dispensava, nada me afastaria de cumprir meus dever junto ao Dr. Moniz Freire, mesmo com o risco da própria vida. Palavras proféticas. Meses depois, ao proceder-se à eleição para a renovação de um terço do Senado e a eleição da Câmara Federal, comecei a trabalhar com redobrado denodo contra o Governo.

Nossos candidatos eram: para senador, Dr. Moniz Freire e para deputados, Dr. José Monjardim, Dr.Graciano Neves e Bernardo Horta de Araújo. À chapa governamental, pertenciam para senador, Dr. Augusto Calmon e outros vultos capixabas.

Durante os dezesseis dias que antecederam o pleito, cruzei a cavalo; só ou acompanhado de amigos, o município de Guarapari em todas as direções.  Contava certa a vitória e tal teria acontecido, se os meus inimigos, em desespero de causa, não tivessem lançado mão do último recurso: a violência. Na véspera da eleição, pelas sete e meia da noite, aproximava-me de Guarapari quando um tiro raspou-me o peito e o animal assustado jogou-me no chão. Auxiliado pelo camarada, consegui pegar a montaria e chegar a casa são e salvo. O fato, porém, foi pressurosamente divulgado pelos situacionitas, aos quais convinha mesmo fazer acreditar que eu estava morto ou gravemente ferido. Isso deu motivos a que muitos dos meus amigos, intimidados, deixassem de comparecer às eleições, nas quais fui derrotado por cerca de trinta votos. Não lhes coube, porém a vitória final, pois apenas com a maioria na capital e em alguns municípios, o Dr. Moniz Freire conseguiu provar a perseguição e a fraude praticas por seus adversários e ser assim reconhecido, bem como os companheiros de chapa para a Câmara Federal. Tal era o prestígio do seu nome, de sua inteligência, de sua palavra nas altas camadas da política nacional.  Tais fatos, devo aqui ressaltar, e ainda outros anteriores para ficar bem patente a necessidade em que me vi de mudar-me de Guarapari.

Vale a pena recordar fato curioso que em terra pequena teve repercussão. Pessoa de nossa amizade, D. Flôr Lima, que me sabia preocupado com os acontecimentos, convidou-me à sua casa e fez em minha presença, uma espécie de adivinhação com uma tesoura e um quibano. De acordo com as oscilações da tesoura às suas perguntas, afirmou-se seriam reconhecidos os meus candidatos. O fato impressionou-me pela sua novidade e, confesso, acreditei de boa vontade no estranho oráculo. Cerda de um mês demorei-me no Rio, aguardando a decisão conjunta do Senado e da Câmara sobre os mandatos, até que dias antes do reconhecimento, sabendo que os resultados nos seria favorável, telegrafei a meu empregado e correligionário, Joaquim Castro nos termos de uma chave telegráfica, previamente combinada. A palavra ABACULA queria dizer: há certeza absoluta do reconhecimento do Moniz e seus deputados. Esse telegrama que deveria ficar secreto, foi entretanto divulgado pelas redondezas e marcou época. Logo em seguida, tomei passagem no vapor “Muquy”, desembarcando em Benevente donde telefonei para casa pedindo condução. Ao meu encontro foi meu cunhado com o fim de aconselhar-me a não voltar a Guarapari, onde minha vida corria perigo. De fato, não vi outra solução senão deixar o meu primeiro torrão brasileiro para o qual transferi meu sentimento de amor à Pátria, pois o ambiente se me tornava intolerável em Guarapari devido a atitude da família Borges, ora em evidencia e que de mim anteriormente recebia grandes favores e até mesmo auxílio pecuniário em grande escala. Certa vez, pessoas da família esteve gravemente enferma na ausência do marido; tomei a iniciativa de chamar médico de Vitória – o ilustre Dr. Graciano Neves, meu grande amigo, que infelizmente mais nada pode fazer.