Não é novidade que as toxinas entram e saem de nosso corpo no dia a dia por meio da água, ar, terra, aparelhos eletrônicos, automóveis, cigarro ou remédios. Contudo, as toxinas preocupam quando estão em excesso nos alimentos, na forma de defensivos agrícolas. Alguns querem o banimento mas outros defendem o aumento do uso desses defensivos. Diante do impasse, o Estado deve atuar em uma questão-chave: como garantir quantidade e segurança dos alimentos e a saúde dos trabalhadores que lidam com agrotóxicos?
O tema tem agitado a academia, organizações não governamentais, governos e parlamentares. O Brasil é um dos maiores mercados de pesticidas, herbicidas e fungicidas, consumindo cerca de US$ 8,5 bilhões em 2011, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Há a expectativa de que esse mercado vai crescer ainda mais, pois o consumo por área plantada no país, de cerca de 7 quilogramas por hectare (kg/ha), segundo a Embrapa, tendo por base os produtos comerciais, é inferior, ao dos EUA, França, Suíça e Japão, por exemplo, países onde se consome entre 11 kg/ha e 15 kg/ha. A agricultura brasileira paga mais caro pelos agrotóxicos do que esses países, sugerindo que, se os preços se equilibrarem, a tendência é o consumo aumentar.
É preciso aperfeiçoar as medidas de controle, que não têm sido suficientes para garantir consumidor
Apesar de existirem alternativas ao uso de defensivos, elas se limitam apenas a nichos de mercado como a agricultura orgânica e a integração lavoura, pecuária e floresta.
Se a civilização passou milhares de anos sem os agroquímicos, esse quadro mudou radicalmente nos últimos 50 anos. Hoje, para manter o volume produzido e os níveis de produtividade desejados, é necessário o uso de produtos químicos. Isso vale, principalmente, para os vinte principais cultivos do país, entre os quais a soja, milho, algodão, cana-de-açúcar e arroz absorvem mais de 75% dos agrotóxicos consumidos.
Mudar tudo exige, nas condições atuais, mais qualificação profissional, inovações tecnológicas e maior disposição de correr o risco da baixa rentabilidade da agricultura intensiva em mão de obra. Porém, tais questões, que implicariam mudança de paradigmas, continuam fora da pauta central do debate.
Por outro lado, há de se reconhecer que os agroquímicos garantem a quantidade e os padrões exigidos por indústrias e consumidores, os quais se sentem confortáveis com os baixos preços pagos ao agricultor. Por isso, a escolha econômica de adequação do uso não pode ser atribuída somente aos agricultores ou aos fabricantes que atuam no mercado em regime de concorrência. Se o consumidor age com racionalidade econômica, pauta-se pela quantidade, qualidade e preços dos alimentos, do mesmo modo o agricultor, também um agente racional, opta por insumos de produção que maximizem seus lucros. Infelizmente, também no campo, o curto prazo e as contas a pagar determinam atitudes.
Medidas de controle como a obrigatoriedade da receita agronômica na compra de agrotóxicos, bem como a exigência de devolução de embalagens ou as rigorosas regras de registro destes produtos não têm sido suficientes para garantir o bom uso, segundo estudos recentes. Por isso, pode ser oportuno retirar o foco das medidas de mero controle ou punitivas e apostar mais em incentivos. Premiar o bom uso pode vir, por exemplo, com a distribuição subsidiada e até gratuita, mas criteriosa, de agrotóxicos.
É bom deixar claro que essa sugestão não substitui medidas de proteção à saúde humana e ao meio ambiente. Ações como o incentivo ao uso do equipamento de proteção individual (EPI) ou a revisão de licenças de agrotóxicos para reduzir os riscos à saúde, como fazem outros países, são medidas necessárias. Além disso, não se podem ignorar agravantes como: a aplicação de agrotóxico maior do que o recomendado; o uso sem receituário agronômico; os danos ambientais em caso de mau uso; e a existência de produtos ilegais.
A distribuição subsidiada se aplicaria, inicialmente, aos produtos hortifrútis, a um baixo custo relativo para o Estado. E deve ser aliada a um conjunto de medidas que promova o uso correto, o bom monitoramento e uma eficiente compensação de novas práticas.
Somando o incentivo ao controle, o governo pode ainda combinar instrumentos da política agrícola, como o aumento da ajuda (subvenção) ao prêmio do seguro agrícola de produtos como maçã e uva, nos casos de uso correto e confirmado de agrotóxicos. Seria mais garantia de produção com saúde pública e maior renda ao produtor.
Para estar apto a receber a subvenção ao agroquímico, o agricultor precisaria provar conformidade no uso do produto específico para cada cultivo e passar em testes dos produtos em entrepostos de distribuição. Para isso, cadastros já existem, órgãos gestores e técnicas também. Nada disso é, tecnologicamente, estranho ao mercado. São necessários, porém, autorização e acreditação de laboratórios, estruturação descentralizada da análise e disponibilização periódica de informações com divulgação das métricas de monitoramento.
Por fim, o governo, de posse dos dados e resultados, poderia adotar medidas como concessão de vantagem fiscal, redução de taxas de financiamentos à produção e aplicação de preço-prêmio nos casos de não uso ou de uso correto de agrotóxicos, sempre que garantida a qualidade do alimento. Tais ações não implicam incentivo à expansão dos agrotóxicos ou, por outro lado, seu banimento. São alternativas operacionais para o atendimento às leis vigentes, em prol da saúde coletiva e da garantia da lucratividade dos agricultores até que a sociedade decida que caminhos seguir.
Gesmar Rosa dos Santos é técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea.
Ana Cláudia Sant'Anna é pesquisadora bolsista do Ipea. As opiniões emitidas neste artigo são de exclusiva responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Ipea.
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