domingo, 10 de junho de 2012

A Alemanha está chantageando o resto da Europa"


Segundo a maioria dos meios de comunicação europeus, uma vitória da Syriza significaria a saída da Grécia do euro e a mais séria ameaça à sobrevivência da moeda única europeia desde seu lançamento no final dos anos 90. Em entrevista à Carta Maior, Errikos Finalis, membro do Secretariado Executivo da Syriza, fala sobre a situação política no país e critica a política do governo de Angela Merkel. "A Alemanha está chantageando o resto da Europa. Não tem nenhum direito de decidir se a Grécia segue ou não no euro".

Londres - O atoleiro da eurozona é a segunda fase de uma crise que começou com o estouro financeiro de 2008 e mantém apreensiva a ordem mundial surgida com a queda do muro de Berlim. Uma das faces mais inesperadas deste conflito entre o velho e o novo que luta para nascer é a coalizão de esquerda grega Syriza. Partido marginal antes da crise financeira, Syriza deu um grande salto com o desgaste dos dois partidos tradicionais gregos (a social democracia do Pasok e a direita conservadora da Nova Democracia) ante os drásticos programas de ajuste exigidos pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e a União Europeia) em troca de um resgate para evitar que o país entrasse em moratória. Nas eleições de 6 de maio, esta coalizão de comunistas de várias colorações – maoístas, trotskistas e independentes – e verdes obteve 17% dos votos, quatro vezes mais do que tinha conseguido nas eleições anteriores.

Às vésperas das eleições de 17 de junho contam com aproximadamente 28% das intenções de voto e estão disputando cabeça-a-cabeça a liderança com os conservadores, a melhor carta que tem hoje a Troika para impor o ajuste. Segundo a maioria dos meios de comunicação europeus, uma vitória da Syriza significaria a saída da Grécia do euro e a mais séria ameaça à sobrevivência da moeda única europeia desde seu lançamento no final dos anos 90. Carta Maior manteve um longo diálogo telefônico com Errikos Finalis, membro do Secretariado Executivo da Syriza, que se manifestou comovido pelo apoio que tem chegado do Brasil, da Argentina e do resto da América Latina.

Como você define a Syriza?

A Syryza está em um processo de transformação. Somos uma coalizão de esquerda, mas estamos formando uma ampla frente popular para incorporar o apoio de novos setores sociais desde as eleições de maio. 

Camponeses, operários, pequenos empresários, classe média empobrecida, jovens, muitos deles desempregados, formam hoje parte desta nova base da Syriza. Na Grécia foi rompido o contrato social. Nós queremos restaurá-lo sobre uma nova base. Nas últimas semanas realizamos mais de 300 assembleias populares para escutar o que as pessoas dizem e elaborar juntos uma solução para seus problemas.

Qual é sua plataforma econômica?

Nossa primeira medida será romper o memorando que o governo firmou com a Troika para receber o segundo resgate. A Grécia sofreu anos de recessão com estes programas de austeridade que só serviram para destruir nossa economia e nosso tecido social. Vamos congelar de imediato os cortes de salários e de pensões. Vamos frear as privatizações e reverter algumas que já foram feitas.

Os bancos que receberam ajuda estatal de aproximadamente 200 bilhões de euros e que, portanto, pertencem ao Estado, ficarão sob controle público. Precisamos reformar o sistema tributário que permitiu que as grandes fortunas gregas não paguem impostos. Quanto á dívida, suspenderemos de imediato o pagamento de juros. Queremos que haja um período de três anos de moratória para poder dialogar com todos os bancos e instituições e ver que parte da dívida já foi paga duas ou três vezes e que parte realmente é dívida. Queremos uma auditoria independente, um pouco ao estilo da de Rafael Correa no Equador, para decidir que dívida é legítima e qual não.

Essa agenda requer tempo e a Grécia parece não tê-lo. A Alemanha advertiu que o memorando não é negociável. A mensagem é que se a Grécia não reconhecê-lo estará fora do euro. Levando em conta que a Grécia importa quase todo o petróleo e os medicamentos, além de cerca de 40% de seus alimentos, o país não se exporá a um descalabro total se sair do euro?

Em primeiro lugar temos elementos muito importantes para negociar e evitar uma saída do euro que nós não desejamos. Em segundo, a política aplicada desde o ingresso da Grécia na Eurozona desmantelou o aparato produtivo grego, Nós éramos autossuficientes em nível alimentar. Não somos mais. Tínhamos uma indústria manufatureira débil, mas existente, que também foi duramente golpeada. Este modelo econômico fracassou. 

Mas não foi obra da natureza. Fracassou por razões humanas que tem a ver com o modelo imposto pela União Europeia para nos transformar em um país de serviços que importa tudo. É necessário começar a recriar um modelo viável. Esta é a principal tarefa. A Alemanha está chantageando o resto da Europa. Não tem nenhum direito de decidir se a Grécia segue ou não no euro. Se usar um mecanismo ilegal para retirar-nos do euro, será um problema para o resto da Eurozona e não me refiro unicamente aos países do sul: a França também está muito exposta. A solução não pode ser unilateral, não pode ser o extermínio dos gregos. Para nós o dilema não é o euro ou o dracma. É sobreviver ou não.

O discurso dominante em muitas capitais europeias é que a Grécia tem que pagar por sua própria incompetência e corrupção. A diretora geral do FMI, Christine Lagarde, disse isso em uma recente entrevista ao The Guardian. Não parece haver muita margem para a negociação.

Estão usando a Grécia como cobaia de um experimento que, se funcionar, será aplicado no resto da Europa. Os argumentos que usam se sustentam graças a um bombardeio midiático que não hesita em difundir mentiras. A ideia de que os gregos trabalham muito menos que os alemães ou de que os aposentados alemães estão pagando pela aposentadoria antecipada dos gregos é um dos tantos mitos difundidos pelos meios de comunicação. 

Segundo as estatísticas da Eurostat, a agência de estatísticas da Europa, os gregos são os segundos em horas de trabalho de toda a União Europeia. O mesmo ocorre com a aposentadoria. Na Grécia, a idade oficial de aposentadoria para os homens é de 67 anos e para as mulheres, 65 anos. É um regime mais estrito do que aquele existe em outros países da Europa e as aposentadorias que se cobram depois de 30 ou 40 anos de trabalho são muito piores. Mas, além disso, há um segundo fator que deveria liquidar esses mitos midiáticos de uma vez por todas. Os empréstimos da Troika apenas passam pela Grécia. Ficam literalmente dois dias antes que esse dinheiro vá para os bancos e para o FMI. O que a Troika está fazendo é salvar os bancos, não os gregos, muito menos os aposentados que sofreram um corte brutal em suas pensões.

Um dos perigos de uma situação difícil é a violência. A Grécia teve no século XX uma guerra civil e um golpe de Estado. E, nas eleições de maio, os neonazistas tiveram um considerável apoio que lhes permitiu ter representação parlamentar.

Os neonazistas aproveitaram a desorientação e o medo de um setor da população, mas não têm uma base social real. Com o passar dos dias, seu impacto eleitoral diminuiu, algo que será notado nas próximas eleições. Não resta dúvida que há aventureiros de todo tipo que querem desestabilizar para influir no resultado das eleições, mas os gregos não querem lutar entre eles. Querem uma solução para seus problemas. O que acontece é que as campanhas existem e fazem circular rumores como a ideia de um golpe de Estado. Não tem nenhum fundamento. O exército não vai repetir os erros do passado.

Vocês têm, então, confiança na vitória?

Não. Estamos trabalhando para ganhar as eleições, mas as forças internacionais que temos que enfrentar são muito poderosas e estão tentando aterrorizar o povo grego. Se conseguirem impor sua agenda, isso será só de modo temporário. Com esta política não poderão se manter no governo mais que alguns meses.

Muitas coisas que você relata lembram a situação que ocorreu na Argentina em 2001. Vocês também percebem esse paralelo.

Sim. Nós o temos muito presente. Neste momento, a Grécia se encontra em uma situação muito similar a que viveu a Argentina nos meses prévios à moratória com programas de austeridade com o selo do FMI que geravam desemprego e recessão. Sabemos o que ocorreu entre dezembro de 2001 e os primeiros meses de 2002. Queremos evitar uma moratória que é sempre traumática. Mas o que ocorreu na Argentina é uma inspiração também porque mostra que é possível sair dessa situação se se abandonar a política de austeridade. Muita gente da Argentina, do Brasil e de outros países da América Latina tem nos enviado mensagens de solidariedade. Eu quero agradecê-los. É muito alentador saber que, tão longe, muita gente se dá conta de que somos parte da mesma luta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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