segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Crise em Gaza gera protagonismo dos países islâmicos


Não é a história de sempre que se repete uma e outra vez como no Dia da Mentira. Não estamos diante da reprodução pela enésima vez da mesma jogada sangrenta entre israelenses e palestinos. A rotina da morte que cobre tudo com seu manto de dor desta vez oculta diversas novidades, apesar do ceticismo de costume com que a opinião pública internacional recebe as notícias que chegam do Oriente.

Lluís Bassets
Se acontecesse a invasão terrestre de Gaza, perfeitamente preparada enquanto se negociava a trégua, não seria uma mera réplica da Operação Chumbo Fundido de 2008, com destruição das infraestruturas militares do Hamas, a liquidação dos quadros da organização e uma rápida retirada depois de coroados todos os objetivos definidos por Netanyahu. Não há guerra boa, mas esta pode ser pior, na realização, nas consequências e no alcance geográfico.
Soldado israelense analisa estragos em casa danificada por foguete disparado por militantes palestinos da Faixa de Gaza. Esta é a segunda rodada de ataques aéreos em dois dias na região
Tudo mudou nos últimos dois anos na região. Já há uma guerra civil muito próxima, na Síria, na qual não se joga somente o futuro do regime de Assad, como se trava uma disputa por procuração entre a frente xiita, formada por Irã, o libanês Hizbollah e o governo iraquiano de Nuri al Maliki e o auxílio implícito de Rússia e China, e a frente sunita, na qual se incluem Turquia, Arábia Saudita e Catar, e que os EUA e os países ocidentais em geral avalizam.
O Líbano se encontra em um equilíbrio instável, devido à contaminação da guerra civil síria. A Jordânia também entrou em zona de turbulência, com um ressurgimento da Primavera Árabe contra seu rei, Abdallah, o único aliado regional de Israel que havia ficado imune à onda antiautoritária.
O Hamas, partido palestino que governa a Faixa de Gaza, tradicionalmente marginalizado pela comunidade internacional, conta com o maior amparo diplomático da história, depois de se distanciar do Irã em consequência da guerra síria. Seu presidente, Khaled Meshal, apoia agora a oposição ao regime Assad, que o havia protegido durante anos, a ponto de ter abandonado Damasco e transferido seu gabinete para Doha (Catar).
A solidariedade com o Hamas provoca rivalidades entre as potências regionais. Gaza recebeu a visita do emir de Catar antes que começassem os bombardeios e, já sob as bombas, as de membros dos governos de Tunísia e Egito. É notório o protagonismo do Irã, que apesar de seu crescente isolamento também participa da competição para ver quem é mais solidário com os palestinos. Iranianos são os mísseis de médio alcance que chegam a Tel Aviv e Jerusalém a partir de Gaza, e inclusive talvez fosse iraniano o primeiro impulso ou provocação contra Israel através de uma das facções terroristas que lançam seus mísseis da Faixa.
Note-se a ausência da UE, que antes foi ator de primeiro plano. Também a mudança de planos de Hillary Clinton, que abandonou precipitadamente o périplo asiático no qual acompanhava o presidente Obama para entrar no carrossel de visitas internacionais a Jerusalém. Enquanto Washington tentava inaugurar o segundo mandato de Obama com uma exibição do giro asiático - que se mostra como uma encenação de um novo ciclo nas relações internacionais que giram agora na área do Pacífico -, a crua realidade obriga os EUA a regressar ao centro conflituoso do qual dependem a estabilidade e a paz mundiais.
Palestinos comemoram o cessar-fogo de Israel na faixa de Gaza. O Hamas confirmou que o fim dos ataques é válido e que acabaram os lançamentos de foguetes sobre território israelense
Mas a novidade mais substancial é a chegada ao poder de Mohamed Morsi no Egito e a de forças islâmicas muito parecidas com a sua em quase todo o mundo árabe. O atual intercâmbio de mísseis e a ameaça de uma guerra terrestre de alcance difícil de avaliar não se explica sem o desaparecimento das ditaduras pró-ocidentais que garantiam a estabilidade e sua substituição por democracias islâmicas pouco dispostas a dobrar-se à pressão de Washington.
O islamismo político, que será o interlocutor de Israel nos próximos anos, se vê submetido em Gaza a seu primeiro confronto direto com Israel através do Hamas. O Egito, peça central do giro islâmico, está submetido a uma dupla tensão, entre a solidariedade islâmica, que o leva a ressuscitar a reivindicação palestina, e sua aliança militar com os EUA, que lhe proporciona US$ 1,3 bilhão por ano e o obriga a manter a paz fria com Israel.
Não são portanto razões conjunturais que desencadearam a crise, embora tenham seu peso na resolução com que Netanyahu prepara a ofensiva terrestre. Todas as eleições israelenses estimulam o ardor guerreiro dos que têm e querem manter o governo. Não há melhor corta-fogo contra a ofensiva diplomática da fragilizada Autoridade Palestina para obter o reconhecimento internacional que outra ofensiva, esta diretamente bélica, destinada a liquidar militarmente o Hamas e a reforçá-lo politicamente, como já aconteceu em 2008.
A direita israelense quer prosseguir sua política de assentamentos na Cisjordânia, evitar a negociação do Estado palestino e, naturalmente, como é obrigação de qualquer força governante, garantir a segurança de sua população. Para os três objetivos é boa uma guerra em Gaza e também é boa uma paz com o Hamas que debilite a Autoridade Palestina.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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