“A Copa é só mais um exemplo de como os investimentos privados capitalistas estão dialogando próximos de nosso estado nacional”, constata Caio Bruno de Oliveira Barbosa
Graziela Wolfart
Graziela Wolfart
Na concepção do jornalista e militante do Comitê Popular da Copa de Cuiabá/MT, Caio Bruno de Oliveira Barbosa, a Copa do Mundo não pode ser considerada como um evento local, que tenha que se discutir apenas no período das semanas em que acontece. “Tanto as pessoas de Mato Grosso quanto as de outros estados deveriam se preocupar com a Copa como um projeto político de governo e ver o que realmente está sendo feito com nosso país. Estamos abrindo mão de nossos direitos humanos, de nossos direitos civis, ambientais, a favor de empresas privadas, como a Fifa, a CBF e as construtoras. Por que o que está acontecendo aqui não aconteceu em outros países, como a Inglaterra e a Alemanha?”. Na entrevista que concedeu por telefone para a IHU On-Line, ele descreve como Cuiabá está vivendo os preparativos para o mundial de futebol no próximo ano e lamenta: “nossa Constituição foi fechada. A Fifa fechou nossa Constituição, enfiou na gaveta e falou que durante a Copa do Mundo quem manda são eles. Podemos aceitar isso? Essa Copa é para quem e para quê?”
Caio Bruno de Oliveira Barbosa é formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Brasília. Atualmente faz graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Mato Grosso e trabalha no Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento – Formad. Também é militante do Sindicato dos Jornalistas e do Comitê Popular da Copa em Cuiabá.
IHU On-Line – Quais têm sido as principais demandas do Comitê da Copa em Cuiabá? Quais os avanços e desafios?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – Aqui em Cuiabá as principais demandas que temos são com relação à falta de informação referente às obras e aos projetos relacionados à Copa e a tudo que vai gerar esse megaevento, tanto os polos turísticos e sociais quanto a mobilidade urbana. A Secretaria Geral da Copa – Secopa não disponibiliza todos os projetos, nem no seu portal de transparência (www.mtnacopa.com.br), nem quando se telefona para a assessoria, tampouco nos espaços públicos e audiências que deveriam estar sendo realizadas – e quando são realizadas são muito restritas. Outro tipo de demanda que temos é com relação ao pagamento das indenizações. Saiu um dado na imprensa local recentemente de que ainda faltam quase 60% das desapropriações a serem feitas. E aquelas que já foram encaminhadas estão passando por um processo burocrático no recebimento do dinheiro.
IHU On-Line – Como está a situação da comunidade que habita o entorno do Córrego do Barbado onde está prevista a avenida Parque do Barbado, local em que vivem cerca de 800 famílias ameaçadas de perder suas casas?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – Nesse caso se sofre o mesmo processo de desinformação que mencionei no início da entrevista. Esse projeto foi iniciado pelo governo e previa a canalização do córrego local e a ampliação de uma avenida. Essa avenida passa nos fundos dos Condomínios Alfaville . Só que do lado esquerdo, próximo ao córrego, é onde fica situada a comunidade mais carente. Essa ampliação da avenida passaria próxima ao bairro “chique” da cidade, perto do shopping, virando uma nova avenida comercial. E assim se removeria a parte mais carente, o que envolveria 800 famílias. Só que houve uma pressão da população, com a ajuda do Fórum de Direitos Humanos e de algumas pessoas do Comitê Popular, em cima do governo, que teve que fazer uma separação desse projeto em etapas. Dividiram-no em três etapas e passavam para a população só as informações referentes às primeiras etapas. Resumindo, esse projeto foi adaptado, foi se transformando, por estratégias políticas ele acabou reduzido. Não temos o número oficial, mas das 800 famílias que seriam inicialmente atingidas fala-se que se reduziram para 150. Mas – como tudo na Copa aqui no estado – não é um dado oficial; tudo é especulação. Assim, não posso garantir esses números.
IHU On-Line – Como tem aparecido no comitê de Cuiabá as ações e discussões empreendidas pelos governos federal, estaduais e municipais e a articulação de organizações da sociedade civil para enfrentar a violência sexual contra meninos e meninas nos preparativos da Copa e durante a competição?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – Essa é uma região que tem um potencial atrativo turístico muito grande e acreditamos que essa Copa é muito mais do que apenas um jogo. Trata-se da oportunidade de colocar Mato Grosso no roteiro oficial dos grandes polos de turismo mundial. Então, há uma preocupação muito grande com esse tema da exploração sexual. No entanto, no atual momento não se percebem discussões específicas nem dentro do Comitê, nem por parte gestores públicos, de como enfrentar esse processo. O que temos debatido bastante aqui e pode estar relacionado a esse tema é a vinda de muitas pessoas para trabalhar nas obras. Essas pessoas vêm de vários estados, como do nordeste, mais especificamente do Maranhão, e estão trabalhando nas obras do estádio. Esses trabalhadores acabam saindo em um determinado período da obra, deixam a construtora e ficam na cidade, à mercê de toda a vulnerabilidade social que existe em Cuiabá. Não somos ainda uma megalópole, ainda não se chegou ao número de um milhão de habitantes. É uma cidade que está totalmente inchada, com uma vulnerabilidade social muito grande. Está havendo um processo de faxina urbana, assim como é o caso de São Paulo, onde se considera necessário “limpar” os corredores por onde irão passar os gringos, os turistas. E esse está sendo um problema já iniciado por aqui.
IHU On-Line – Como está a situação em torno da construção da obra bilionária de transporte em Mato Grosso, em função dos megaeventos que se aproximam?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – Cito aqui a resposta que o presidente da Assembleia Legislativa de Cuiabá deu para a sociedade, José Riva (PSD), um dos principais políticos do estado do Mato Grosso, considerado um dos “coronéis” do estado. Ele afirma que o VLT não é uma obra para a Copa, mas uma obra para a sociedade. Portanto, não tem a obrigação de estar pronta até a Copa do Mundo. Já os gestores por parte da Secopa garantem que estará pronto. Posso afirmar que nas paradas de ônibus e até dentro deles a população cuiabana não está acreditando muito nisso. Nós, do comitê, fazemos uma análise muito crítica com relação a esse transporte. Cuiabá tem um transporte coletivo de massa muito sucateado. É importante destacar que em nosso contexto local está a questão do calor. Vivemos num estado onde faz 44ºC, 45ºC, até 48ºC. E os ônibus não têm acomodações específicas para a população, não têm ar-condicionado ecológico, são poucas linhas, há um monopólio muito grande das três empresas que prestam serviços. O VLT não vem para melhorar ou para tentar suprir a falta da demanda. Ele vem mesmo só para ser um corredor da espinha dorsal do trânsito. Não vai atender a quem deveria. Não passará próximo a creches, hospitais ou centros culturais. Em âmbito federal, é uma das obras mais caras da Copa, só que não responde ao que a população necessita. Será que com todo esse dinheiro não conseguiríamos melhorar a estrutura do tráfego do transporte de massa? Cuiabá não tem metrô, não tem corredores especiais de ônibus. E já vai ter um VLT?
IHU On-Line – Há alguma preocupação com o período pós-Copa, com a educação, a saúde e o turismo?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – O que queremos é saber da Copa em 2015, quais serão seus resultados, o legado que será deixado para a sociedade mato-grossense. Aqui, o grande projeto da Copa seria o projeto turístico. Só que não temos nada nesse sentido. Sei que o governo está preparando comunidades quilombolas e indígenas para receber turistas, bem como está preparando a Chapada dos Guimarães para recebê-los. Sei disso por fontes e informações pessoais. Quando um gestor afirma que o VLT está sendo construído não para a Copa do Mundo, nós nos questionamos: então porque todo esse recurso gerado por dinheiro público está sendo investido em iniciativas privadas, já que não é para a Copa do Mundo? Será que nossa necessidade não era, nesse momento, por exemplo, em investimento nas creches e hospitais? Os hospitais aqui estão começando a ser geridos pelas Organizações Sociais de Saúde, tanto o hospital universitário quanto os pronto-socorros de Várzea Grande e Cuiabá. Agora a prefeitura decretou que haverá segurança privada dentro dos hospitais. Essa semana já começou um círculo privado de segurança para que as pessoas não entrem no pronto-socorro. A saúde pública está um caos em Cuiabá. As pessoas estão indo ao hospital para morrer lá e não para serem salvas. Quais seriam as necessidades que justificassem esse investimento de mais de um bilhão de reais nesse transporte?
IHU On-Line – O que representa projetar um “crescimento de 50 anos em três anos”, para quatro semanas de jogos de futebol?
Caio Bruno de Oliveira Barbosa – Essa é uma frase muito utilizada pelas construtoras e pelo mercado imobiliário de Cuiabá. Afirmam que Cuiabá está crescendo a uma velocidade de 50 anos em três. Então, as pessoas devem aproveitar esse momento para investir, comprar, porque a Copa está chegando e precisamos fazer o que não fizemos em 50 anos. Essa mensagem é passada pelos gestores para a população, tentando convencê-la de que a Copa está vindo para o seu benefício. Hoje não se pode mais fazer o mesmo caminho que se fazia antes de casa para o trabalho, ou de casa para a creche do seu filho. O caminho está sempre mudando. Todos os dias as pessoas caem em buracos diferentes. Viramos realmente o mascote da Copa, o tatuzinho, porque só entramos dentro de buracos. O nome “Fuleco” é horrível, mas o mascote não poderia ser mais apropriado para uma população que vive caindo em buraco.
Reféns da Fifa
Será que esse investimento do VLT, das rodovias que estão sendo ampliadas, dessa estrutura de hotéis, pode ser chamado de desenvolvimento de 50 anos? Que desenvolvimento é esse? Para quê? Para quem? É um desenvolvimento em que não há um envolvimento coletivo, participativo. A Copa não é um evento local, que tenha que se discutir apenas no período das semanas em que acontece. Tanto as pessoas de Mato Grosso quanto as de outros estados deveriam se preocupar com a Copa como um projeto político de governo e ver o que realmente está sendo feito com nosso país. A Copa é só mais um exemplo de como os investimentos privados capitalistas estão dialogando próximos de nosso estado nacional. E aí estamos abrindo mão de nossos direitos humanos, de nossos direitos civis, ambientais, a favor de empresas privadas, como a Fifa, a CBF e as construtoras.
Além de uma partida de futebol, esse evento não pode transformar a sociedade pelo direito de um ou dois. Por que o que está acontecendo aqui não aconteceu em outros países, como a Inglaterra e a Alemanha? Nossa Constituição foi fechada. A Fifa fechou nossa Constituição, enfiou na gaveta e falou que durante a Copa do Mundo quem manda são eles. Podemos aceitar isso? Essa Copa é para quem e para quê?
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