sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A volta por cima de Dilma Rousseff


As chances de ganhar já no primeiro turno aumentaram muito. Se resistir às idiossincrasias do "tripé econômico" reverenciado por Marina Silva.


Maria Inês Nassif
Ramiro Furquim/Sul21
A presidente Dilma Rousseff deu a volta por cima. Para quem apostava nas suas deficiências de virtude e fortuna – as duas qualidades fundamentais para um governante que se pretenda condutor dos destinos de um povo, segundo Maquiavel – suas respostas às manifestações de junho, e os fatos que se sucederam a elas e antecederam ao prazo legal final para filiação partidária dos políticos com pretensões eleitorais, mostram que a presidenta pode não ser uma Pelé da política, mas é capaz de jogar um bolão quando se dispõe a entrar em campo. E que a sorte que, no passado, a fez emergir de um ministério técnico e ser guindada ao principal gabinete do Palácio do Planalto, não a abandonou.

Comprar a briga pelo Programa Mais Médicos foi uma aposta arriscada, pois foi feita no momento em que as bandeiras empunhadas por milhões de manifestantes eram muito dispersas e existia o risco de que se confundisse a reivindicação de Saúde Pública de qualidade com os vetos corporativos das entidades de classe dos médicos. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a jogada do Ministério Público, que conseguiu contrabandear o veto à PEC 37 na lista de reivindicações populares sem que as pessoas que arriscaram a pele indo às ruas soubessem o que isto vinha a ser efetivamente. Desta vez, ao comprar a briga por um programa com razões mais do que justas – levar médicos estrangeiros para os rincões do país onde os brasileiros não queriam ir –, o governo acabou expondo a avareza das razões corporativistas e da oposição ao programa liderada pelas associações médicas. Dilma ganhou porque insistiu (e devia ter insistido em outras questões), e ganhou marginalmente devido à incompetência política dos conselhos de medicina.

Ganhou mais uma vez, quando manteve Alexandre Padilha à frente do Ministério da Saúde, identificou-o com essa briga e depois o liberou para a disputa ao governo do Estado de São Paulo no próximo ano. Nessa luta eleitoral, certamente deve ter aceitado as sugestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desde o ano passado monta cuidadosamente as peças de um jogo destinado  a quebrar a hegemonia tucana no Estado. Desde a primeira vitória eleitoral do partido ao governo do Estado, em 1998, peessedebistas se sucedem no Palácio dos Bandeirantes, e ao longo deste período conseguiram, com êxito, amoldar um eleitorado, na sua origem de centro-esquerda, ao programa neoliberal que era comandado pelo governo central no período FHC. Houve uma intersecção perfeita entre esse eleitorado intelectual que caiu em depressão (ou se aproveitou da onda) após a queda do Muro de Berlim e o abraço da socialdemocracia europeia ao neoliberalismo, e aderiu às teorias liberais como se elas fossem a única garantia possível de liberdade, e uma elite paulista que estava despossuída de partidos e convicções no pós-Collor.

A “cola” que juntou agentes políticos antipetistas de diferentes origens em torno do tucanato paulista, um discurso conservador justificado por um moralismo hipócrita, baseado na máxima de que governos petistas são corruptos, e os tucanos não o são, aproxima de sua data de vencimento, com o estouro do escândalo do “propinoduto” do PSDB, enraizado no setor de transporte de sucessivos governos tucanos, desde o primeiro mandato de Mário Covas (1998-2002). O governador Geraldo Alckmin, candidato à reeleição, é parte inseparável do esquema: foi um vice-governador atuante no primeiro mandato de Covas e assumiu o governo por praticamente todo o segundo mandato, devido ao falecimento do titular do cargo. As investigações sobre o escândalo, que se iniciaram no Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade), embora sejam cuidadosamente publicadas pela grande imprensa – que dificilmente cita governadores ou o PSDB quando relata capítulos dessa novela – dificilmente escaparão da campanha eleitoral, cujo início não está tão longe que apague da memória dos adversários esta mácula.

A aliança montada para eleger como prefeito da capital o prefeito Fernando Haddad, na medida em que Dilma se consolida como a grande favorita da disputa presidencial, tende a ser transferida para Alexandre Padilha, já consagrado como o candidato petista ao governo. Alckmin vai para a campanha eleitoral com alianças frágeis e um candidato presidencial fraco. Nunca antes, desde a primeira eleição ganha para governador de São Paulo, o PSDB tem condições tão desfavoráveis.

Sorte de Dilma. Quanto maiores as chances de o PT fazer o governador de São Paulo, mais ela tem condições de recuperar, com alguma folga, os votos que pode perder em Minas, com a candidatura de Aécio Neves (PSDB) a presidente. Sorte dupla é a de Marina Silva ter refluído de sua candidatura para apoiar Eduardo Campos (PSB). Marina teria maiores chances de subtrair votos de Dilma em São Paulo e no Rio; Eduardo Campos não terá o mesmo apelo para os paulistas insatisfeitos com a polarização reiterada das eleições entre PT e PSDB; e Aécio, um tucano de fora do circuito paulista, chega para disputar esse voto junto com as denúncias trazidas a público pela Siemens – não é exatamente o que um eleitorado cultivado pelo PSDB no discurso moralista acha interessante. No Rio, as chances do PT sobem na proporção direta do desgaste de Sérgio Cabral – sorte do PT por ter encontrado pela frente o senador Lindberg Faria, que não recuou de sua candidatura quando Cabral ainda não era cachorro morto. Agora, dificilmente Cabral pode impor a candidatura de seu vice para o PT.

Em junho, como consequência direta das manifestações, ficou arriscada a aposta numa vitória de Dilma já num primeiro turno. As chances de ganhar já na primeira votação aumentaram muito. Se resistir às idiossincrasias do “tripé econômico” reverenciado por Marina Silva e não girar mais o torniquete, o que acabaria desaquecendo ainda mais a economia. Se mantiver o país em crescimento, mesmo em ritmo lento, ela chegará ao processo eleitoral com adversários muito fracos e oposição com argumentos bastante limitados.

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