Sepultura de um homem de Neandertal reforça a ideia de que essa espécie primitiva
desenvolveu um comportamento simbólico mais sofisticado do que se imaginava: eles
enterravam intencionalmente seus mortos.
Henrique Kugler
Henrique Kugler
Representação artística de um grupo do ‘Homo neanderthalensis’
Se você pensa que o homem de Neandertal era apenas um ogro rude e primitivo, talvez seja hora de reconsiderar seu juízo. Segundo estudo recém-publicado, o Homo neanderthalensis parece ter sido protagonista de um comportamento simbólico deveras complexo – bem mais sofisticado do que se supunha até então.
Sim, eles enterravam seus mortos – algo que já se suspeitava há algum tempo. Também se sabia que, em alguns casos, as sepulturas parecem ter sido adornadas com penas ou conchas, que aparentemente não tinham qualquer função que não fosse meramente decorativa.
“Os novos dados reforçam clamores segundo os quais havia, sim, comportamento simbólico complexo entre os neandertais da Europa ocidental”, lê-se no artigo. Ao longo do último século, foram reportadas mais de 40 estruturas arqueológicas assemelhadas a sepulturas neandertais na Europa e na Ásia. “Algumas delas”, diz o estudo, “refletem práticas funerárias complexas”.
Sepulcro seguro
Os arqueólogos descobriram, ainda, outra evidência que endossa a hipótese que os autores chamam de ‘sepultamento intencional’. Nos arredores das sepulturas, eles notaram que restos mortais de bisões e renas apresentavam diversas avarias ou rachaduras – indicando exposição a intempéries ou mesmo ataques de animais oportunistas que teriam se aproveitado daqueles cadáveres. Esperava-se que danos análogos fossem observados, também, em ossadas neandertais.
Mas não foi o que se verificou. Ao contrário, as ossadas estavam relativamente bem preservadas.
Infere-se, assim, que aqueles hominídeos pretéritos dedicavam cuidados especiais e ofereciam algum nível de proteção aos restos mortais dos que se foram. “É provável que os neandertais tivessem, realmente, capacidade cognitiva para executar esse procedimento funerário”, afirmam os pesquisadores.
Durante a pesquisa, a equipe de arqueólogos acabou encontrando novos remanescentes de duas crianças e de um adulto – ambos da espécie Homo neanderthalensis. Outros fragmentos de ossadas de neandertais, que complementam achados antigos, foram identificados.
O sítio arqueológico de La Chapelle-aux-Saints é uma espécie de Meca dos paleoantropólogos. Foi lá que, em 1808, uma dupla de abades descobriu a primeira sepultura neandertal de que temos notícia.
Desde então, especula-se muito acerca do comportamento funerário desses hominídeos. Teriam eles desenvolvido uma forma particular de cultura? Jamais houve – e ainda não há – consenso a respeito.
Quem foram os neandertais?
O Homo neanderthalensis é o arquetípico ‘homem das cavernas’, define a Enciclopédia Britânica. Viveu entre 300 mil e 35 mil anos atrás – apesar de essas datas ainda serem tópico de disputa. Ao que tudo indica, ocupou territórios na Europa e na Ásia central.
O nome Neandertal é uma referência ao Vale de Neander, próximo a Düsseldorf, na Alemanha – onde, no ano de 1865, o primeiro remanescente dessa antiga espécie fora encontrado. Fisicamente, era muito parecido com o Homo sapiens.
Até a década de 1980, os neandertais eram considerados hominídeos ‘brutais’, mas os dados mostram que eles dedicavam tempo a cuidar de seus mortos
Acredita-se, aliás, que as duas espécies tenham coexistido em algum momento. Mas, por razões que ainda ocupam o terreno da especulação, os neandertais foram extintos – enquanto ao Homo sapiens o destino reservou melhor sorte.
“Há 50 mil anos, os neandertais foram os únicos habitantes da Europa”, conta Beauval àCH On-line. “Até a década de 1980, eles eram considerados hominídeos ‘brutais’; mas estudos recentes mostram que eles usavam pigmentos, colecionavam conchas e, como demonstramos agora, dedicavam tempo a cuidar de seus mortos.” Para Beauval, tudo indica que eles tinham uma capacidade cognitiva complexa. “Esses dados atestam que os neandertais não eram tão diferentes de nós.”
Henrique Kugler
Ciência Hoje On-line
Henrique Kugler
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