segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O ato de comer


17 de Agosto de 2015
Por Selvino Heck

“A alimentação e o ato de comer compõem parte importante da
cultura de uma sociedade. Estão relacionados à identidade e ao
sentimento de pertencimento social das pessoas e envolvem, ainda,
 aspectos relacionados ao tempo e à atenção dedicados a estas
atividades, ao ambiente onde eles se dão, à partilha das refeições,
 ao conhecimento e informações disponíveis sobre alimentação, aos
 rituais e tradições e às possibilidades de escolha e acesso aos
alimentos.”

O ato de comer diz, conta, expressa o que é uma sociedade. “Nosso
patrimônio alimentar é resultado do diálogo histórico entre culturas
diversas como a dos povos indígenas, dos migrantes forçados da
África e das populações migrantes portuguesa, espanhola, italiana,
 alemã e japonesa, entre outras. Somado a isso, os distintos
biomas que compõem nosso país proporcionam uma valiosa
 sócio biodiversidade, expressa pela variedade de frutas, verduras,
 legumes, sementes oleaginosas, cereais e leguminosas, 
contribuindo não apenas com o nosso patrimônio culinário, mas 
também com uma imensa disponibilidade de variados nutrientes, 
essenciais para uma alimentação saudável”.

Os parágrafos acima fazem parte do Documento de Referência da
5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
a realizar-se em Brasília de 3 a 6 de novembro, sob coordenação
do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional) e da Caisan (Câmara Interministerial de Segurança
Alimentar Nutricional), com o lema COMIDA DE VERDADE NO
CAMPO E NA CIDADE: POR DIREITOS E SOBERANIA ALIMENTAR.

O ato de comer é político. E é democrático. Nestes tempos
difíceis, até bicudos, onde ventos fortes ameaçam a democracia
 tão duramente conquistada na luta e na mobilização social e que
está no centro do debate no Brasil, na América Latina e no mundo,
o valor da democracia precisa ser afirmado em todos os momentos
e espaços.

Sentamos à mesa para comer. Sentamos com a nossa família, a
comunidade. Repartimos o que está sob nossos olhos. Todos
comem o que e quanto querem. Não há diferença, não há
privilégios. Ninguém é mais que ninguém. Ninguém é menos que
ninguém.

O direito à alimentação realiza-se quando há igualdade. Por isso,
 todas e todos, mulheres e homens, jovens, crianças e idosos devem
 ter acesso ao alimento como direito. É proibido alguém passar
fome quando há igualdade econômica e social. Só existe fome
quando a desigualdade existe e impera.

Soberania alimentar é democracia. É decidir sobre como e o que
produzir. É decidir sobre o que e quanto comer. É decidir sobre
nossa vida e liberdade. É não deixar os outros mandarem nos
nossos alimentos, portanto, sobre o nosso quintal ou a nossa
 roça. É não ser pau mandado. “Comida de verdade é, portanto,
uma questão de soberania alimentar, pois se relaciona ao direito
 dos povos de decidir sobre o quê e como produzir e consumir
os alimentos”. Alimentos adequados e saudáveis, sem venenos,
não transgênicos.

Comida de verdade no campo e na sociedade é cultura e vivência
 de valores. A Carta da Amazônia, aprovada no Encontro Temático
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional na Amazônia,
acontecido em Belém de 9 a 11 de junho, diz: “Comida de
verdade na Amazônia é entendida como patrimônio cultural e
expressão de modos de vida tradicionais, onde têm grande
relevância os laços de solidariedade e reciprocidade nas
 comunidades. É oriunda de sistemas alimentares caracterizados
por uma biodiversidade extremamente rica, representada pelo
valioso conhecimento tradicional de seus povos sobre as
plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna
 silvestre e aquática e peixes. A região amazônica é
caracterizada pela riqueza de sua sócio biodiversidade”.

A Carta do Encontro Temático das Mulheres em Porto Alegre,
realizado em Porto Alegre dias 8 e 9 de julho, fala: “Destacamos
 a histórica atuação das mulheres – e, em especial, as
indígenas, quilombolas e as negras – na preservação dos
ecossistemas e das sementes locais e/ou crioulas, pois elas
detêm um conhecimento vasto e tradicional sobre a biodiversidade”.

Comida de verdade no campo e na cidade é democracia pura.
 Mas a democracia do ato de comer deve transbordar para
a vida real de cada comunidade e para o cotidiano da sociedade.
 No diálogo e na participação social e popular, constroem-se
políticas públicas que garantem ‘comida de verdade no
campo e na cidade’. Constrói-se soberania, constroem-se
direitos e igualdade, constrói-se democracia.

Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da 
Presidência da República e membro do Conselho Nacional
 de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)

Nenhum comentário:

Postar um comentário