quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Na Itália, crescem as favelas de refugiados



O prédio abandonado da universidade nos arredores de Roma, coloquialmente conhecido como Palácio Salaam, antes era esparsamente habitado, um abrigo improvisado ocupado pelos recém-chegados da África - fugindo de guerra, perseguição ou turbulência econômica - em busca de refúgio.

Elisabetta Povoledo
Massimo Berruti/IHT
Refugiados limpam mesquita improvisada dentro do Palácio de Salaam
Massimo Berruti/IHT
Um dos cômodos do Palácio de Salaam, abrigo para refugiados africanos em Roma
Massimo Berruti/IHT
Refugiados dormem na área externa do Palácio de Salaam, em Roma
Ao longo dos anos, aos colchonetes espalhados se juntaram paredes de madeira compensada engessadas de modo desleixado, portas tortas e móveis recolhidos nas ruas. Hoje, uma ala irregular de cômodos minúsculos inclui um pequeno restaurante e uma sala comunal. Em uma recente tarde fria, um martelo batia enquanto um banheiro era acrescentado a um apartamento de um quarto, onde a porta do forno foi deixada aberta para aquecê-lo.

Mais de 800 refugiados habitam atualmente o Palácio Salaam, e sua dilapidação e sua aparente permanência se transformaram em um lembrete vívido do que seus moradores e outros dizem ser o fracasso da Itália em prestar assistência e integrar aqueles que se qualificam a receber asilo segundo suas leis.

O Palácio Salaam e a crescente população nas favelas por toda parte são resultado do que as agências de refugiados dizem ser um paradoxo italiano que cerca aqueles que buscam asilo. "A Itália é boa no procedimento de asilo, reconhecendo 40%, até mesmo 50% dos pedidos em alguns anos", disse Laura Boldrini, a porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados na Itália. "O que é crítico é o que ocorre depois."

Ela e outros envolvidos na ajuda aos refugiados dizem que a negligência e a ausência de recursos adicionam dificuldades desnecessárias a vidas já arruinadas e criam um barril de pólvora potencial de inquietação social.

Itália conta com apenas 3.150 vagas em seu sistema de proteção de asilo financiado pelo Estado, no qual os refugiados recebem assistência do governo. As listas de espera são impossivelmente longas, deixando muitos à própria sorte. "Se você não tiver sorte de conseguir uma delas, você tem que se virar por conta própria. Você precisa encontrar uma forma de se sustentar, aprender a língua, conseguir uma moradia e um emprego", disse Boldrini.

Essa certamente tem sido a experiência daqueles que ocupam o Palácio Salaam. Alguns moram no prédio desde o início de 2006, quando ele foi ocupado por um grupo de refugiados com a ajuda de uma associação de posseiros. A maioria fugiu da guerra e de outras dificuldades no Sudão e no Chifre da África. Quase todos têm status de refugiados, ou alguma forma de proteção, mas não conseguem encontrar trabalho estável em Roma. A crise econômica na Itália dificulta ainda mais a situação.

"Nós escapamos de uma guerra para encontrar outro tipo de guerra --800 pessoas espremidas em um palácio", disse Yakub Abdelnabi, um morador do Palácio Salaam que partiu do Sudão em 2005.
Às margens da sociedade
Na metade do ano, Nils Muiznieks, o comissário de direitos humanos do Conselho da Europa, visitou o Palácio Salaam, e segundo um relatório do conselho divulgado em setembro, "testemunhou as condições chocantes em que homens, mulheres e crianças estão vivendo neste prédio, como um chuveiro e um toalete compartilhado por 250 pessoas."

Além dos voluntários, os moradores não contam com orientação para ajudá-los a encontrar emprego, ir à escola ou lidar com os fardos burocráticos, disse o relatório. "Isso relega esses refugiados e outros beneficiários de proteção internacional às margens da sociedade."

As autoridades locais podem exigir documentos para assistência social, documentos que frequentemente são de obtenção impossível para os refugiados. Projetos de ajuda ocasionais, financiados pelo governo, tiveram efeito insignificante, disseram moradores.

Apesar dos imigrantes terem acesso a atendimento médico, muitos temem navegar pelo sistema nacional de saúde labiríntico da Itália, o motivo para, em um ventoso dia de dezembro, estudantes de medicina se apresentarem como voluntários para fornecer vacinas contra gripe para alguns moradores do Palácio Salaam, em uma clínica improvisada em meio a tocos de cigarro e garrafas vazias de cerveja.

"Esta é a pior época do ano, quando o risco de epidemia é alto", disse a dra. Donatella D’Angelo, presidente de uma associação de voluntários que fornece atendimento de saúde semanal no Palácio Salaam.

Nas últimas semanas, ela e sua equipe de voluntários forneceram mais de 100 doses de vacina contra gripe para os moradores. "É uma gota no balde", ela disse. "Veja as condições em que eles vivem e me diga se tem como não transmitirem gripe uns aos outros."

Aqueles com problemas de saúde são encaminhados às clínicas e hospitais públicos, mas os médicos podem fazer pouco a respeito da fragilidade psicológica que afeta tantos. "Depressão, em várias formas, é comum aqui", disse a médica Marta Mazza, uma voluntária.
Fardo
Por causa de sua geografia, a Itália está mais exposta à migração da África, de modo que pediu a outros países da União Europeia para ajudarem com o fardo. Mesmo assim, o país tem deixado a desejar em sua própria resposta, dizem as agências de refugiados.

"Ela nunca investiu em um sistema estrutural", disse Boldrini, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. "Todo ano o assunto é tratado como se fosse uma emergência."

Segundo as regras da União Europeia, aqueles que pedem asilo devem permanecer no país no qual entraram na Europa, e podem ser enviados de volta caso sigam para outros lugares. Muitos moradores do Palácio Salaam dizem que procuraram algo melhor, na França, Reino Unido ou Alemanha, mas foram enviados de volta para Roma.

"Ninguém acredita que podemos viver assim na Itália", disse Bahar Deen Abdal, 28 anos, um sudanês elegantemente vestido que vive no Palácio Salaam há quatro anos. "Este local, é como estar na prisão."

Outros 900 refugiados em Roma vivem em condições igualmente esquálidas, se não piores, segundo um relatório recente, com um grupo ocupando uma favela às margens do rio Tibre.

A assistência aos refugiados não ocupa uma posição alta na lista de prioridades do governo, em um momento em que os italianos estão concentrados em suas próprias dificuldades econômicas. Mas agências de refugiados argumentam que a Itália tem todo o incentivo para dar assistência aos buscadores de asilo.
"É claro que implica em um esforço financeiro, mas vale a pena transformá-los em cidadãos pagadores de impostos, de modo que nós achamos que o investimento vale a pena", disse Christopher Hein, diretor do Conselho Italiano para Refugiados.

Os que habitam o Palácio Salaam tentam se virar. Há uma cantina dirigida pelos moradores, onde necessidades básicas, incluindo injera, o pão etíope e eritreu, assim como molho de tomate e espaguete, podem ser encontradas.

Yohannes Bereket, 35 anos, recebeu status de refugiado há três anos, depois de fugir da Eritreia, onde aprendeu a fazer calçados. Os moradores do Palácio Salaam não podem pagar por sapatos sob medida. Hoje ele ganha a vida reparando roupas e consertando uma sola ocasional.

"Pelo menos eu tenho um local onde dormir", ele disse. "Não é ótimo, mas faço o que posso."
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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