quinta-feira, 14 de junho de 2012

Primeira radiografia do “resgate” espanhol


  13/06/2012

Poucos dias após “socorro”, surgem cláusulas ocultas. População sofrerá mais cortes de direitos, para manter intactos privilégios da oligarquia financeira
Por Antonio Barbosa Filho, correspondente na Europa | Imagem: Emma Gascó
COPENHAGEN (Dinamarca) – Mariano Rajoy, o primeiro-ministro conservador da Espanha passou cinco meses dizendo que não pediria socorro à União Européia para os bancos em crise, mas teve que sucumbir no dia 9 de junho, quando seus 16 parceiros aprovaram um resgate de até 100 bilhões de euros. Tudo foi feito para diferenciar o caso espanhol dos da Irlanda, Grécia e Portugal por razões políticas, já que o modelo não funcionou naqueles países, a não ser como uma gigantesca transferência de renda das sociedades nacionais para os bancos credores, com imensos sacrifícios da população.
Assim, para Rajoy não houve “resgate”, mas sim um “apoio financeiro”, e para o vice-presidente da Comissão Européia, Joaquín Almunia, “uma recapitalização dos bancos”. É um jogo de palavras para esconder o fato de que: 1) o dinheiro será entregue ao FROB – Fundo de Reestruturação Ordenada Bancária, órgão criado pelo Executivo que, afinal, é seu avalista; 2) haverá condições impostas ao governo, além daquelas que ele já vem cumprindo há mais de dois anos, para controle do déficit público mediante cortes nos gastos sociais e investimentos; 3) a famigerada troika, formada pela União Européia, Banco Central Europeu e FMI (este não destinará recursos, mas participará do monitoramento das contas espanholas), estará presente em todas as etapas do processo de resgate; 4) embora o principal dos 100 bilhões não seja contabilizado como déficit público, o que estouraria todas as metas da Espanha, os juros a ser pagos aumentarão a dívida pública.
Nada menos que 70% dos espanhóis acham que este resgate disfarçado terá consequências negativas para o país e 50% pensam que isso provocará a antecipação de eleições. Ao mesmo tempo em que 63% desaprovam a condução de Rajoy no enfrentamento da crise, cinco vezes mais espanhóis consideram  o governo anterior, do socialista José Rodriguez Zapatero, mais culpado do que o atual pela situação econômica calamitosa.
A confiança em Mariano Rajoy caiu ainda mais nos últimos dias, pela evidente contradição entre o que dizia (que a Espanha não precisaria de ajuda externa e obteria recursos no mercado internacional a juros de 6% ao ano para títulos de dez anos) e o que acabou fazendo. Ainda no mês passado, no encontro da OTAN em Chicago, Estados Unidos, Rajoy reagiu indignado a uma declaração presidente francês, François Hollande, para quem o fundo de resgate europeu deveria ser usado para recapitalizar os bancos espanhóis. “Não acredito que o sr. Hollande disse isso, porque não sabe como estão os bancos espanhóis”, afirmou o chefe de governo espanhol. Porém, em poucas semanas aconteceu exatamente o que o socialista francês propunha. Aliás, pesquisa de poucos dias antes da decisão pelo resgate, feita pelo Onstituto Metroscopia para o jornal El País mostrava que 64% dos cidadãos achavam “muito provável” ou “provável” que a Espanha precisse de socorro da UE, mais cedo ou mais tarde; 31% achavam isso “improvável”.
Depois de uma teleconferência de duas horas de duração, em que os ministros das Finanças do eurogrupo resolveram conceder este resgate aos bancos espanhóis, Rajoy tenta converter o fracasso do que pregava antes em uma vitória política. Além de não empregar a palavra maldita – resgate – em suas breves comunicações públicas, o político tenta convencer a população de que este era o resultado que buscava há tempos, ainda que em segredo. “Há coisas que só se comunicam quando se tem resultados. As negociações não podem ser televisionadas ou irradiadas”, respondeu numa breve entrevista coletiva para explicar a reversão de sua política oficial. Aos jornalistas, Rajoy também repetiu que não haverá condições adicionais à Espanha e, se as houver, serão focalizadas apenas no setor bancário.
Não é bem assim, como deixam claro os porta-vozes da União Europeia e Banco Central Europeu. Paralelamente ao empréstimo ao FROB, que será vigiado de perto pela troika em suas aplicações, também aumentará o acompanhamento das medidas de ajustes e reformas impostas pelo Pacto de Estabilidade e Austeridade — ainda não aprovado pelo parlamento espanhol, mas já obedecido com rigor pelo governo conservador. Se este for descumprido, o crédito ao FROB será imediatamente suspenso. As condições impostas à Espanha em troca do empréstimo só serão divulgadas na cúpula da UE que ocorrerá nos dias 28 e 29 de junho, em Bruxelas, depois das fundamentais eleições na Grécia, que poderão estremecer toda a Europa unificada.
Mesmo que na Grécia não vença a esquerda anti-troika, qualquer novo governo exigirá que este comitê suavize as exigências que têm sido feitas ao país, especialmente se elas forem mais leves para Espanha. Portugal e Irlanda também estão de olho no tratamento que será dado aos espanhóis, para exigirem, no mínimo, a mesma “solidariedade” apregoada agora pelos condutores da austeridade continental.
A Espanha entra numa fase arriscada, depois da  intervenção mascarada na sua economia interna, com os reflexos políticos que isso acarreta. Apesar do jogo de palavras do governo Rajoy, o que vale são as palavras do comissário europeu, Joaquín Almínia. “É claro que haverá condições. Quem dá dinheiro nunca o dá de graça”, admitiu ele. E o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, completou: “haverá uma troika. Ela se encarregará de controlar com precisão que o programa seja cumprido”. Mais arrocho à vista, portanto.

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