sábado, 21 de julho de 2012

Alemanha vai bem. É só a China não parar


Alemanha vai bem. É só a China não parar

Há poucos dias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a previsão de crescimento para a economia mundial,...
Há poucos dias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu a previsão de crescimento para a economia mundial, mas revisou para cima a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha para 2012, com uma projeção quase duas vezes maior do que a feita anteriormente. Não por acaso, quando a reportagem do Estado entrou em contato com a Câmara de Comércio da Alemanha solicitando falar com um dos diretores, a assessoria pediu para saber qual seria o tema da entrevista. Ao saber que o tema era a crise, o porta-voz perguntou: "Que crise?".
O Estado visitou na Alemanha economistas, empresários, imigrantes, banqueiros e até padres. A avaliação de todos é de que a Alemanha conseguiu resistir à crise nos últimos dois anos. Enquanto a Espanha registra o maior desemprego de sua história, a Itália não sai da recessão e a Grécia sequer vê a luz no fim do túnel, a economia da Alemanha se expande acima das expectativas. As exportações continuam saudáveis e o consumo doméstico não perdeu força. O desemprego é um dos menores da história e há um boom imobiliário.
Tudo isso seria um cenário ideal, se não fosse pelo reconhecimento de todos de que "nuvens carregadas" e sérios desafios já são visíveis no horizonte. Elas podem se transformar em um temporal no segundo semestre se a China desabar, se a zona do euro entrar em colapso ou se a economia mundial voltar a entrar em recessão. A ordem para todos, portanto, é se preparar.
Segundo as novas projeções do FMI, a Alemanha vai crescer 1% em 2012 e 1,4% em 2013. Para o banqueiro Robert Halver, do Baader Bank, parte da explicação para esse fenômeno está no boom no consumo alemão, ironicamente causado pelo temor de um fracasso do euro.
"As pessoas não sabem qual será o futuro do euro e estão optando por trocar a moeda por ativos fixos, seja uma casa, carro, vinhos ou ouro. Amanhã, não se sabe quanto vai valer uma nota de 100", indicou. Segundo Halver, hoje na Alemanha todos já têm um "plano B" caso o projeto do euro fracasse. "Incluindo o Estado alemão", insistiu.
No setor da construção, empresas confirmam o aumento do consumo privado, em parte compensando a desaceleração nos gastos do setor público. "Há um boom no consumo por conta da insegurança em relação ao euro e investimentos estão sendo feitos em propriedades", confirmou Hans Harting Loewenstein, presidente da poderosa Confederação Alemã da Construção. Segundo ele, o setor cresceu mais de 10% em 2011.
Entre os exportadores, ninguém esconde que a estratégia hoje é a de buscar vantagens nos mercados emergentes. A balança alemã vem surpreendendo analistas. As vendas para fora da Europa já superam as exportações para a zona do euro, que desabaram. Nos últimos cinco anos, as empresas com sede no Estado de Hessen aumentaram as exportações para o Brasil em 70%. Para a Europa, o aumento foi de meros 13%.
Em Bremen, empresa especializada em exportações de peças para máquinas do setor da construção, MPW Baumaschinen, garante não saber o que é crise nos últimos dois anos, justamente por vender para os mercados emergentes. "Tivemos de aumentar o número de funcionários em 25% desde 2009 para atender à demanda", indicou Alina Boleanza, uma das proprietárias da empresa que tem Rússia e Leste Europeu como principais destinos.
A BMW anunciou que o primeiro semestre foi o de maior vendas em sua história. A alta em relação a 2011 foi de 8,0%, mas puxada apenas pelos países de fora da Europa. Para a China, a BMW registrou uma alta nas exportações de 30,7%, contra uma estagnação na Europa.
'Coluna'. Para Jurgen Ratzinger, diretor do departamento internacional da Câmara de Comércio e Indústria da Alemanha, o bom desempenho não ocorre por acaso. "Nossa economia é calcada em uma forte base industrial e no fato de que a coluna vertebral é composta por milhares de pequenas empresas espalhadas pelo interior do país, altamente especializadas, flexíveis, com poucos e eficientes funcionários, exportadoras e que não são subsidiadas pelo governo.".
A cumplicidade entre essas empresas, sindicatos, governos e bancos foi o que permitiu uma reação rápida à crise de 2008 e o estabelecimento de um modelo competitivo ancorado, desde o século 19, na cooperação. Para Ratzinger, porém, esse esforço não veio de graça e o custo social foi significativo.
Depois de anos sendo chamada de a "velha senhora doente da Europa" e ver a demissão de 700 mil trabalhadores apenas no setor da construção, a Alemanha passou por duras reformas sociais e hoje a idade mínima de aposentadoria é quase uma década mais de trabalho que um francês. Gerhard Schroeder, chanceler social-democrata, foi humilhado nas urnas ao tentar se reeleger depois das reformas. Benefícios sociais passaram a ser fortemente controlados.
Os ajustes continuariam na crise de 2008. A estratégia foi também políticas de austeridade em relação a benefícios e salários. "A opção era de que ter empregos era mais importante do que ter salários altos", explicou Halver. "A estratégia funcionou. Quando a recuperação ocorreu, essas empresas haviam mantido seus especialistas e puderam reagir."
Nuvens. Agora, tanto empresários como o FMI- apesar das previsões otimistas - indicam que novos ajustes terão de ser feitos. Segundo a Creditreform, perdas financeiras com insolvência de empresas aumentaram 55% em 2012 em relação a 2011.Fechou a rede de farmácias Schlecker, além da Manroland e a rede de padarias Müller. Iveco e a tevê pública ZDF anunciaram planos de demissões.
Na Alemanha, não resta dúvidas de que um aprofundamento da crise na Europa vai atingir a economia do país. "Não há qualquer garantia hoje de que vamos ter sucesso em dar uma solução para a crise na Europa e, para os exportadores, seria um desastre ver o euro desabar", disse Ratzinger. "A crise na Europa já afeta a economia alemã", garante o Instituto Alemão para Pesquisas Econômicas.
Uma desaceleração da China seria "catastrófica". Hoje, 50% da produção alemã vai para o mercado externo. "Agora, não existe crise. Mas se a China sofrer, todos terão problemas. Estamos no mesmo barco", admitiu Ratzinger. O diretor financeiro da Siemens, Joe Kaeser, vê um segundo semestre "difícil" por conta da desaceleração dos emergentes.

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