– 31/07/2012
No rastro da mercantilização do esporte, multinacionais e polícia unem-se contra um personagem emblemático dos estádios: vendedor de camisetas alternativas
Por Irlan Simões*
Certas cenas e personagens são marcantes, no imaginário de quem frequenta estádios de futebol no Brasil. O isopor da cerveja, o churrasquinho no espeto, o carro de som tocando o hino do clube e até os cambistas. Neste universo, ocupa lugar de destaque o vendedor de camisas não-licenciadas, trabalhador informal que comercializa produtos não-licenciados — talvez produzidos sem a mesma qualidade dos oficiais, mas ao menos acessíveis ao torcedor comum.
Em 7 de julho, surgiu um sinal de que esta atividade está ameaçada. A Delegacia de Repressão a Crimes contra Propriedade Intelectual (DRCPIM), um órgão que vem ganhando notoriedade nos últimos meses, realizou duas operações que apreenderam materiais esportivos considerados “piratas”. Deteve vendedores ambulantes. E promete ampliar essas medidas.
O tema da propriedade intelectual e dos direitos de comercialização está ganhando peso e força no Brasil. É algo que já se dava a nível internacional e avança, Pega carona nos processos de consolidação do futebol-negócio por aqui, e se alimenta principalmente com a aproximação da Copa do Mundo. No vácuo das “exigências” da FIFA para o torneio, as fornecedoras de material esportivo estão “sugerindo” posturas mais rígidas da Policia Civil na apreensão de artigos alternativos.
Questionar os supostos “direitos” de marca ainda é tabu no Brasil: há muita desinformação sobre o que significa o monopólio de uso de símbolos e desconhecimento acerca os efeitos negativos gerados por esse tipo de lógica. No futebol há, mesmo entre os torcedores, quem defenda, com unhas e dentes, a repressão à venda dos produtos não-oficiais. Seria uma forma de ajudar os clubes, permitindo que usufruam de uma fonte adicional de receitas: a venda de produtos licenciados,
A verdade é outra. Ao ceder a uma fornecedora de material esportivo o direito de produzir seus uniformes, os clubes aceitam uma série de obrigações. Oferecem espaço em suas lojas oficiais para comercialização dos materiais “licenciados” e — acredite — contentam-se com algo em torno de 6% do lucro total das vendas. Os valores variam de clube para clube, de acordo com o que pesquisas de mercado informam a respeito do número de “potenciais consumidores” dos produtos.
Os artigos — meia, calção, camisa de jogo, camisa de treino, bandeira etc — são, em geral, muito caros. Mas das somas desembolsadas pelo torcedor para adquiri-los, uma parte ínfima é revertida ao clube. Dados de uma pesquisa recente peloValor Econômico apontaram que o Flamengo vende, por mês, cerca 100 mil camisas oficiais em todo o Brasil. Deste número só se aproximam Corinthians e Palmeiras: todos os outros clubes passam longe dessa marca. O que ganham nessa rubrica, ao longo do ano, não paga a folha salarial de um mês.
A relação entre as empresas e clubes é bem próxima do sistema de patrocínio. É a forte influencia dos fornecedores de material que leva à produção de “terceiros uniformes”. São quase sempre de gosto duvidoso, descaracterizando os padrões e as cores dos clubes. As empresas, porém, vêem-nos como um item a mais, capaz de gerar lucros. Assim como as chuteiras usadas pelos jogadores, cujos modelos e cores são igualmente escolhidos pelas grandes transnacionais do material esportivo.
Logo, a quem interessa essa “apreensão de produtos ‘falsificados’”? A medida tem vários perdedores e apenas um vencedor.
O público que consome os produtos não-licenciados é composto, em grande parte, de torcedores que não têm condições de pagar pelo produto “oficial”. Se a perseguição aos alternativos for adiante, ficarão impossibilitados duplamente de ter uma camisa do time de que gostam: seja pelo preço do produto original, seja pela inexistência de material alternativo mais barato.
Há agravantes. O valor de cada camisa oficial de um time da Serie A do campeonato brasileiro gira em torno de 190 reais, quase um terço do salário-mínimo, renda de grande parte dos brasileiros — em especial os que vivem o futebol. Mas o pior aspecto da ofensiva é o que se abate sobre quem vende produtos não-licenciados. Estão sujeitos a ser presos milhares de brasileiros desempregados ou mal-empregados, que precisam do mercado informal para sustentar a vida e, em muitos casos, a família. Criminalizado, esse comerciante informal perde uma de suas poucas fontes de renda, num processo que mostra como ganham força, em tantas esferas da vida, a cultura proibicionista e a violência do Estado contra os economicamente empobrecidos.
Aliada a esses aspectos, entra a curiosa intimidade entre os órgãos de segurança do Estado e as grandes empresas fornecedoras. Energia e recursos das forças de segurança pública estão sendo dispendidos para favorecer interesses privados, em ações que nada têm a ver com o combate à violência — e causam prejuízos e transtornos a milhares de brasileiros.
Entretenimento e marcas estão, ambos, relacionados à produção imaterial. A tentativa de envolver o Estado na repressão a camelôs e torcedores, assegurando direitos de exclusividade a um pequeno grupo de grandes empresas, revela, de certa modo, que as lutas sociais estão tomando novos rumos e assumindo aspectos rudes. Quando a FIFA exige do governo federal medidas mais rígidas, não está apenas seguindo seu interesse mesquinho e dos seus parceiros comerciais. Está reforçando uma lógica de lidar com a criação e a criatividade restritiva e anacrônica, que procura reduzir a riqueza da vida social à atividade limitada de consumir e lucrar.
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*Irlan Simões é estudante de Comunicação Social e torcedor do Esporte Clube Vitória. Acha que o futebol deve ser jogado pela ala esquerda.
*Irlan Simões é estudante de Comunicação Social e torcedor do Esporte Clube Vitória. Acha que o futebol deve ser jogado pela ala esquerda.
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