– 24 DE JULHO DE 2012
Documentário revela: rede “é a nova rua das quebradas”; jovens leem mais; divulgam seu trabalho e eventos culturais; aprendem sobre empreendedorismo e educação financeira
Por Vagner de Alencar, no Porvir
(Título original: “A internet é a nova rua da periferia”)
Uma estudante universitária frequenta a lan house para fazer os trabalhos da faculdade. Enquanto um adolescente, em sua casa, garante que, se não fosse a conexão de banda larga, certamente ele estaria ocupando o tempo livre na rua. Já para uma manicure, a internet tem feito sua vida girar mais dentro da rede virtual do que fora dela.
Esses são alguns dos depoimentos do A Vida do Lado de Cá, documentário que fala sobre a percepção das comunidades sobre as marcas e também a atuação das empresas nesses locais. O estudo documental, realizado com 18 pessoas consideradas formadores de opinião da periferia, mostra o papel da internet na comunidade, como jovens estão se tornando empreendedores e a percepção de seus hábitos e consumo na chamada nova classe médial
Em entrevista ao Porvir, Tatiana Ivanovici, 33, que é jornalista, idealizadora do documentário e diretora da rede Do Lado de Cá – que presta consultoria para ações de marketing nas periferias –, fala sobre os processos de aprendizagem dos jovens na periferia e como eles têm utilizado a internet como ferramenta de emponderamento. Segundo ela, a inovação está em derrubar as muralhas. “O educador não pode se posicionar num patamar acima. É preciso sempre ter a ideia da cocriação.”
Quais são as inovações no processo de aprendizagem na periferia e como os jovens estão usando a internet para se comunicar?
Sem dúvidas, o grande veículo para comunicação periférica tem sido o meio digital, tanto para divulgação de seus produtos e iniciativas, quanto para o comércio e para aprendizagem. A principal inovação tem sido as pessoas utilizarem a internet tanto para se comunicar quanto para empreender e aprender. A galera lança todos os seus livros de literatura periférica na internet. Enquanto outros jovens divulgam os eventos que estão organizando. As lan houses, por exemplo, precisam ser vistas como centros digitais e também de convivência, não de mero acesso à internet. Há muitos jovens que estão fazendo faculdade e usando esses espaços para fazer os trabalhos, por exemplo. Concordo com o Sérgio Vaz [poeta da periferia e criador da Cooperifa] quando ele diz no documentário que ‘a internet é nova rua da periferia’. Ele fala que nunca se leu e escreveu tanto quanto hoje. O exemplo que ele dá é que o jovem ao falar sobre seu dia a dia no Facebook ou no Orkut, está escrevendo uma carta, se comunicando com outras pessoas. E se está certo ou errado gramaticalmente, isso já é outra questão.
A Do Lado de Cá presta consultoria para empresas para ações de marketing nas periferias e emprega profissionais locais. Como é essa relação entre eles?
A rede utiliza uma metodologia que busca capacitar pessoas da periferia para trabalhar com a gente. Nosso núcleo tem profissionais da área de comunicação que atuam junto com a galera da periferia, justamente para a ‘derrubada de muralha’. O que procuramos é sempre levar os jovens das comunidades para dentro da equipe. É o aprender fazendo. Aprender na prática. Dentro da nossa equipe de produção, por exemplo, tem um menino da periferia que está aprendendo na prática como trabalhar com o audiovisual criando conteúdos para a emissora BusTV, que atua dentro dos ônibus em várias cidades do Brasil. Um case do núcleo é o site Do lado de cá, que criamos há dois anos, e é considerado o ‘Uol da periferia’ e que aborda assuntos sobre o cotidiano e o universo do entretenimento popular. Além disso, algo muito bacana que tem acontecido é que muitos professores me contatam para dizer que estão o usando o site em sala de aulas, para trabalhar literatura ou música com os alunos.
Como você avalia os espaços educativos criados na periferia?
Muitos espaços e cursos criados na periferia não passam pela aprovação dos jovens. Simplesmente são criados métodos de ensino, de forma unilateral, e que são implementados sem ouvir o que eles tem a dizer. Assim, a escola não dá certo. Quando alguém vai fazer uma ação na comunidade é preciso entender seus códigos e valores. Se isso não acontece, é como olhar para um terceiro e dizer o que serve para ele. Não é apenas ir à periferia e implementar algo que não se vivenciou, com outros valores e tradições. Acredito que a inovação é a derrubada de muralhas. O educador não pode se posicionar num patamar acima. É preciso sempre ter a ideia da cocriação. Não tem sentido ser algo unilateral, que impõe métodos.
Você acha que as escolas na periferia estão preparadas para auxiliar os jovens quanto ao uso da internet?
Em muitas escolas da periferia sequer há professores, como é o caso, por exemplo, do Capão Redondo. Em casa, muitas vezes os pais não têm suporte para auxiliar os filhos quanto ao uso da internet. Infelizmente, muitos jovens ainda usam a internet de forma reduzida. É preciso educá-los. A vantagem é que os jovens da periferia são intuitivos. É uma galera que está muito acelerada. Eles só precisam de oportunidade.
Como os jovens estão se apropriando da cultura geral?
Na maioria das vezes, esses jovens não se sentem bem no MAM [Museu de Arte Moderna de São Paulo], no MIS [Museu da Imagem e do Som de São Paulo], em qualquer museu. Muitos, até mesmo, nem são bem recebidos nesses lugares. Há muitos jovens criando blogs ou páginas no Facebook para compartilhar a cultura local, seja através de músicas, textos. Por isso, a gente tem que valorizar e incentivar o que é feito dentro da comunidade. A questão não é achar que quando falta cultura na periferia a solução é, por exemplo, montar uma tenda com ar condicionado ou estender um tapete vermelho no meio da favela. É preciso escutar que tipo de cultura eles realmente querem, porque, muitas vezes, tudo é feito de fora para dentro, quando, na verdade, precisa ser o inverso.
Vocês estão criando um game de educação financeira. Como vai ser?
Sim. Estamos criando jogo dirigido aos pré-adolescentes e jovens. Ainda em fase de prospecção. No jogo, eles vão criar um empreendimento em que seu desempenho como jogador vai estar relacionado ao seu papel como empreendedor. O bacana é que os jovens nem vão saber que se trata de um jogo de educação financeira, eles vão aprender como gerir seu dinheiro, sem pensar ‘Ah, vou ter aulas de educação financeira!’. A ideia é utilizar recursos e discursos atrativos que pertencem ao universo deles, como produzir um evento, ou um clip. A pretensão é levar essa ferramenta para outros parceiros, como a Casa do Zezinho, a Periferia Ativa, e também disponibilizá-la para as escolas para que seja um complemento no ensino. Além disso, a ideia é também, como já fazemos em outros projetos, ter os jovens da periferia trabalhando com a gente na elaboração do jogo, para capacitar e agregar valor à trajetória deles.
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