quarta-feira, 4 de julho de 2012

Israel: os novos dissidentes


Israel: os novos dissidentes

Multidão no Occupy Israel: rebeldia e resistência no Estado Sionista
Multidão no Occupy Israel: rebeldia e resistência no Estado Sionista
Eles sentem-se traídos porque percebem que seu Estado renega as promessas de origem. E manifestam-se simbolicamente, de maneira não-violenta, contra desigualdades sociais, políticas e raciais
Por Pierre Klochendler, no Envolverde/IPS
Os novos dissidentes Jerusalém, Israel, 2/7/2012 – Um soldado reservista iniciou greve de fome em solidariedade a prisioneiros palestinos, declarando que renunciaria à sua cidadania e viveria em um acampamento de refugiados. Outro ativista foi preso por algum tempo. Um livro eletrônico lança luz sobre estes e outros novos dissidentes israelenses. Simbolicamente, e de maneira não violenta, se colocam contra as desigualdades sociais, políticas e racistas cometidas em seu país contra outros cidadãos (pobres, mulheres, ativistas, minoria de palestinos israelenses), contra “os outros” que estão no meio (imigrantes e refugiados políticos procedentes da África) e contra “os outros outros” (os palestinos).
Lutam contra “o sistema”. E sistematicamente colocam à prova a promessa sionista de sua nação, de estabelecer um Estado judeu independente soberano, democrático, livre e igual para todos na Terra Prometida, tal como consta oficialmente da Declaração de Independência de Israel. “O Estado de Israel (…) estará baseado nos princípios de liberdade, justiça e paz (…); assegurará a completa igualdade de direitos políticos e sociais a todos os seus habitantes sem distinção de credo, raça ou sexo; garantirá liberdade de culto, consciência, idioma, educação e cultura”, afirma esse documento, datado de 1948.
Os novos dissidentes sentem-se traídos porque percebem que há tempos seu Estado renega o compromisso original. Para eles, a promessa real não é a terra, mas a justiça. “Apesar de ter conseguido a independência e a soberania política, estamos escravizados. Escravizados por nossa conquista, pelas injustiças que criamos, pelos trabalhadores estrangeiros que exploramos e oprimimos; pelos refugiados sudaneses que nós – o povo perseguido, o povo refugiado – jogamos na prisão”, protestou Na’ama Carmi, ex-presidente da Associação para os Direitos Civis em Israel, em um profético blog escrito há seis anos.
Quando completaram 40 anos da ocupação da Cisjordânia e Gaza, que já dura 45, Carmi celebrou junho de 1967 como “o momento em que deixamos de ser livres”, concluindo que “o escravizador não pode ser livre”. Agora, 35 desses comentários publicados em blogs estão em um antologia eletrônica intitulada Dissidentes Israelenses: Notas a Partir de um Terreno Escorregadio. Originalmente, foram escritos em hebreu por dez ativistas de mídias alternativas e pelos direitos humanos de organizações não governamentais locais, como Anarquistas Contra o Muro (em alusão ao muro que separa palestinos de suas famílias e suas terras sob o discutível pretexto da segurança) ou Boicote de Dentro (que apoia o boicote palestino, bem como pede sanções).
“Tudo está pronto, apenas esperando que o fósforo acenda o fogo que consumirá a democracia de Israel, e isso, seguramente, ocorrerá”, alerta Noam Rotem. Os profetas da fatalidade que previram que se esfumaçaria o sonho do povo judeu de viver livre nessa terra são desprezados, e frequentemente outros israelenses os chamam de “traidores”. Sua dissidência é patriotismo crítico, afirmam.
“Não odiamos esta terra. Pelo contrário, amamos nossa pátria, suas paisagens, sabores, essências, sons e idiomas, não só para viver aqui apesar das dificuldades e das políticas que nos parecem indignas e indefiníveis, mas também para impulsionar abertamente ideias muito impopulares que consideramos serem cruciais para o futuro bem-estar – e inclusive existência – de um sistema de governo tolerável neste país que amamos”, escreve no prefácio Rechavia Berman, editora da compilação.
São qualificados de judeus antissemitas, que odeiam a si mesmos, e acusados de instigar o terrorismo. “Não nos odiamos. Nossa ira e nossa luta têm por objetivo o apartheid e a ocupação, o abuso e a opressão, aqueles que os apoiam e aqueles que se colocam em nosso caminho na medida em que buscamos combatê-los”, responde Berman. São objetantes de consciência da era da internet, e juraram respeitar o mandamento da memória, de não esquecer, documentando os abusos cometidos por seu país. Um país que nasceu das cinzas do Holocausto cometido durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) pelos nazistas, que exterminaram seis milhões de judeus, destacam.
Sacudindo as correntes, ou talvez verdadeiramente acorrentados àquela tragédia, sonham com e atuam para a criação de uma sociedade exemplar que deveria ser regida pela justiça universal. Sua quixotesca cruzada consiste em salvar Israel de si mesmo. Ao longo da compilação, alertam contra o “processo gradual e acelerado no qual o sistema de governo de Israel está se afastando cada vez mais dos princípios centrais e dos direitos garantidos e inerentes à democracia”.
Alguns blogs mencionam a coação religiosa – especialmente contra mulheres judias – por parte de judeus radicais ultraortodoxos, os quais os autores chamam de “Irmandade Judia”, em referência ao movimento egípcio Irmandade Muçulmana. A maioria admite que a dificuldade de inculcar uma mensagem pacífica tem origem no fato de seu país estar arraigado em uma sociedade compacta. A solidariedade precede a tolerância quando o sentimento – às vezes irracional – que prevalece é o de viver sob o constante temor de ameaças existenciais.
Os sistemas político e religioso se acertaram para manterem uma narrativa poderosamente consensual. Que “não haja um sócio negociador do outro lado” e que o objetivo último dos palestinos é “joguem-nos ao mar” são mantras públicos. Quando acredita-se que a extinção nacional ainda pesa na balança, a ocupação se torna o menor dos dois males. Empregar violência no futuro próximo parece ser a melhor receita para aqueles – que são a maioria – convencidos de que uma enorme espada de Dâmocles pende sobre suas cabeças.
“É impossível discutir esses assuntos com a maioria dos meus amigos. Eles não querem ouvir, não acreditam em mim ou pensam que ‘os árabes’ merecem o que sofrem”, lamenta Lisa Goldman, que se sente “cada vez mais isolada”. A tragédia é que a maioria dos israelenses provavelmente estaria pronta para apoiar uma solução de dois Estados que implicará uma retirada – militar e civil – dos territórios ocupados, ainda que seja para preservar o caráter judeu e democrático de seu país. No entanto, a maioria acredita que o desafio seria árduo, pois na Palestina vivem meio milhão de colonos judeus. E estes não renunciarão facilmente à ocupada Jerusalém oriental.
Assinalando que “as piores decisões podem ser tomadas de um modo perfeitamente democrático” (em clara alusão ao regime nazista, eleito democraticamente na década de 1930), Berman reconhece no prefácio, qual comentário póstumo: “Podemos ser incapazes, ou chegar muito tarde, para influenciar a maioria desastrosamente equivocada, mas me nego a deixar de dizer que não havia outra maneira, ou que não se pode ver o perigo”. Envolverde/IPS (IPS)
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