O Egito a caminho da revolução. O que fazer?
Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa
região, deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade,
são as principais responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços
dos alimentos e repressão política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os
homens bomba. No caso do Egito dois terços da população são jovens abaixo de 30 anos, dos
quais 90% estão desempregados.
Reginaldo Nasser (*)
As mobilizações populares na Tunísia, Egito, Iêmen e em outros lugares são um alerta para o
chamado mundo desenvolvido e seria uma grande avanço para a democracia se esta região que
permanece imersa na violência, em fraudes eleitorais e miséria crescente da população recebesse o
devido apoio internacional nesse momento.
O porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, disse que os EUA poderão revisar a ajuda ao Egito. O
presidente Obama solicitou às autoridades egípcias que evitem o uso de qualquer tipo de violência
contra manifestantes pacíficos, alertando que " aqueles que protestam nas ruas têm uma
responsabilidade de expressar-se pacificamente. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que a
“estabilidade do país é muito importante, mas não a qualquer preço”. O secretário-geral da ONU,
Ban Ki-moon, pediu que "os líderes do Egito escutem as preocupações legítimas e os desejos de
seus cidadãos”. O primeiro ministro britânico David Cameron declarou: “Eu acho que precisamos de
reformas. Quero dizer que nós apoiamos o progresso e o reforço da democracia”.
Como avaliar a atitude desses líderes mundiais? Patética, cínica, hipócrita, irresponsável? Talvez
devêssemos recorrer a um grande pensador liberal do século XIX, Aléxis de Tocqueville, e ouví-lo a
respeito dos períodos revolucionários na França. Tocqueville alertava para o fato de líderes, que
adquiriram experiência em lidar com a política em ambiente de ausência de liberdade, quando se
encontraram diante de uma revolução que chegou “inesperadamente”, se assemelhavam aos
remadores de rio que, de repente, se vêem instados a navegar no meio do oceano. Os
conhecimentos adquiridos em suas viagens por águas calmas vão proporcionar mais problemas do
que ajuda nessa aventura, e na maioria das vezes exibem mais confusão e incerteza do que os
próprios passageiros que supostamente deveriam conduzir.
Já havia sinais reveladores dessas turbulências, mas o Ocidente preferia se preocupar com burcas,
minaretes e terrorismo. Um relatório do Banco Mundial, publicado em 2009, informava que os países
árabes importavam cerca de 60% dos alimentos que consomem e já são os maiores importadores
de cereais no mundo, dependendo de outros países para a sua segurança alimentar. A elevação dos
preços nos mercados mundiais, desde 2008, já causou ondas de protestos em dezenas de países e
milhões de desempregados e pobres nos países árabes, como foram os casos da Argélia , em 1988,
e da Jordânia em 1989. Um exemplo mais recente, além da região árabe, é o Quirguistão onde um
aumento da eletricidade e tarifas de celulares causaram manifestações com dezenas de mortos e
milhares de feridos. “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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Aqueles que temem o crescimento do “islamismo radical” como fator de instabilidade nessa região,
deveriam estar mais atentos em relação às “ditaduras amistosas” que, na verdade, são as principais
responsáveis pela insegurança no mundo. Desemprego em massa, preços dos alimentos e repressão
política é uma combinação explosiva mais perigosa do que os homens bomba.
A demografia no mundo árabe é também um grande problema. A população cresceu cinco vezes
durante o século XX, e o crescimento continua a uma média anual de 2,3%. A população do Egito
está em torno de 80 milhões. Em 2050 (de acordo com projeções da ONU) deverá ter 121 milhões.
A população da Argélia irá crescer de 33 milhões em 2007 para 49 milhões em 2050; a do Iêmen de
22 a 58 milhões. Isso significa que mais empregos precisam ser criados - e mais alimentos
importados, ou aumentar a capacidade para produzir mais. No caso do Egito dois terços da
população são jovens abaixo de 30 anos, dos quais 90% estão desempregados.
Baseada no turismo, na agricultura e na exportação de petróleo e algodão, a economia é incapaz de
sustentar a taxa de crescimento demográfico. 40% da população vive com menos de US$ 2 (R$
3,30) por dia, o país está na 101ª posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano)
De certa forma a auto-imolação do jovem tunisiano, Mohamad Bouazizi, que deflagrou a onda de
protestos na Tunisia revela, no nível individual, aquilo que está acontecendo nas sociedades daquela
região como um todo. Ele não se rebelou, apenas porque não encontrou trabalho que refletisse suas
ambições profissionais, mas sim quando um oficial da polícia confiscou as frutas e legumes que
estava vendendo sem autorização. Quando foi fazer uma reclamação para buscar justiça, sua
demanda foi rejeitada.
Provavelmente foi este sentimento de injustiça que levou Mohamed Bouazizi e milhares de pessoas
às ruas, empenhados em quebrar o ciclo da miséria e opressão.
Talvez seja mais confortável para a chamada comunidade internacional lidar com um mundo árabe
dividido entre nacionalistas, relativamente seculares, de um lado e islamismo radical, de outro, do
que um mundo mais complexo, com problemas econômicos, sociais e políticos que conta com sua
cumplicidade.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP
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