segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Uma crise inédita do capitalismo, tanto em suas características quanto em sua gravidade: análise e perspectivas


As declarações e políticas dos governantes dos 20 principais países capitalistas do planeta

Philippe Zarifian
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HÁ ALGO de estarrecedor nas declarações e nas medidas já tomadas e anunciadas pelos principais países capitalistas do mundo. Limitar-me-ei a uma constatação que todos podem fazer: esses governantes, os grandes Estados capitalistas (dentre os quais a China e o Brasil encontram-se bem colocados) e as grandes instituições financeiras internacionais sempre estiveram alguns vagões atrasados no desenrolar da crise.
Falaram de uma simples crise interna nos mercados financeiros destacando sua transparência e sua regulação e deram a entender que a questão central era: pôr ordem nesses mercados. Contudo, estritamente nenhuma medida foi tomada até o momento nesse sentido, embora, em princípio, fosse o que havia de mais fácil a fazer. Nada! Durante esse curto período, a crise bancária se preparava. Quando a crise bancária tornou-se evidente, todos a notaram e precisaram, para evitar um desmoronamento do "castelo de cartas" do sistema bancário, anunciar o levantamento de montantes astronômicos de dinheiro (700 bilhões de dólares aos Estados Unidos, jamais se viu!) para garantir a situação dos bancos e intervir diretamente para apoiá-las (as participações diretas dos Estados no capital, como no caso do Reino Unido, não constituem uma real nacionalização: é uma situação, transitória, para reinjetar os fundos próprios e "moralizar" o comportamento dos dirigentes daqueles bancos). Nenhuma transformação maior pode ter esse resultado e absolutamente nada indica que o governo inglês, o primeiro a agir dessa forma, seguido agora pelos Estados Unidos, imagina fazer algo diferente de uma ação de puro salvamento em curto prazo.
E, antes mesmo de a crise bancária ser acobertada, eis que os governantes fazem uma grande descoberta: trata-se de uma crise econômica!!! Nós vivemos o momento dessa grande descoberta e estamos no limite de uma situação burlesca.
Pois de que crise econômica se trata? Quais são suas causas? Como enfrentá-la de maneira eficaz? Sobre essas questões: silêncio! Vivemos o começo de uma crise econômica grave, cuja causa nenhum governo ou especialista internacional consegue explicar. Constatamos, já com bastante atraso, a existência de uma crise econômica (e não simplesmente financeira), mas ninguém, dentre os grandes dirigentes e especialistas, forneceu alguma explicação para caracterizá-la. Tiraram do chapéu uma solução miraculosa: um plano de estímulo!
Sim, mas estímulo de quê? Baseando-se em que tipo de análise provamos que isso traria no mínimo um começo de solução para a crise? Nós só copiamos receitas de outras épocas, a época dos estímulos ao estilo keynesiano. Além disso, nem mesmo é certo, já que a flutuação é grande, que se trata do estímulo que Keynes chamava de demanda efetiva. É bem possível que não sigamos a política preconizada por Keynes e que esse estímulo se pareça com a operação efetuada pelos grandes bancos, e não seja mais do que:
um socorro de curto prazo direcionado às grandes firmas para evitar sua falência e obrigá-las a reduzir fortemente seus custos, o que terá, em curto prazo, um efeito recessivo, como é o caso do setor automobilístico!
e estímulo da atividade pela construção de infraestruturas financiadas pelo Estado, que apenas atingirão uma pequena parcela das empresas e não terão efeito algum sobre a demanda efetiva dos cidadãos.
Em suma: um segundo remendo, também demasiadamente dispendioso. E cada um de nós pode se perguntar: após esses remendos no sistema bancário e, em breve, na situação de grandes empresas globalizadas, quem pagará a grandiosidade desmedida dos valores disponibilizados? Fala-se, por exemplo, de um plano de estímulo acertado dentro da União Europeia de 130 bilhões de euros. Onde os Estados, especialmente os que já estão muito endividados, como é o caso francês, encontrarão dinheiro? Pois, se somarmos plano de salvação dos bancos, e agora plano de estímulo econômico, chegaremos a quantias tão fabulosas que os próprios Estados cairão na tormenta da crise. O Estado americano já está superendividado e gastará um total de quase 1,4 trilhão de dólares (700 bilhões para suporte imediato dos bancos e da indústria automobilística e cerca de 700 bilhões para o plano de estímulo). A próxima etapa dessa desestabilização é a crise financeira dos Estados.
Todo o mundo sabe o que significa superendividamento: uma situação na qual as entradas de dinheiro são amplamente sugadas pelo reembolso das dívidas, a tal ponto que é necessário buscar novos créditos... para continuar reembolsando as dívidas já contraídas! Créditos antigos atraem créditos novos, criando um círculo vicioso infernal. E, no caso dos grandes Estados capitalistas, não há recurso possível. Não existe, como é o caso das famílias na França, comissão de superendividamento capaz de aliviar um pouco o fardo da dívida!
A verdadeira resposta todo o mundo conhece: estamos indo, com esse tipo de medida e em vista da amplitude das somas de dinheiro colocadas em jogo, rumo a uma brutal alta da tributação sobre as pessoas físicas, sobre os "simples cidadãos", agravando ainda mais uma das causas principais da crise. Este resultado é certo. O único fator desconhecido diz respeito à sua magnitude.
Ao mesmo tempo, engendramos novas relações de força em escala mundial, pois quem financia o déficit (os déficits na realidade, pois, no caso da França, ao déficit e à dívida do Estado acrescentamos a deterioração das finanças locais, sem falar do déficit da balança comercial)? A resposta é simples: os grandes banqueiros do mundo atualmente são a China, o Japão, os Estados produtores de petróleo, aos quais é bem possível que se una... a Rússia! Esses estão se tornando as principais potências financeiras do planeta. A saída da crise, se é que há uma saída, apresentará uma imagem geopolítica nova, com um mundo anglo-saxão que foi dominante no primeiro período, durante os últimos decênios, tornando-se uma potência claramente enfraquecida, precipitando uma evolução das relações de força que vimos chegar de longe. E um mundo europeu, no seio da União Europeia, clivado.
De um lado, vê-se claramente, os novos países europeus, em particular os que eram ligados ao império soviético e se integraram ou desejam integrar-se à União Europeia, sofrem muito, a ponto de já estarem lançando apelos urgentes ao FMI. Se a crise durar, o que é mais provável, em que situação vão se encontrar? A Hungria, por exemplo, já está pedindo socorro ao FMI, enquanto a crise está longe de ter mostrado sua real dimensão. A União Europeia pode estourar, ao menos "na realidade", mesmo se as aparências forem mantidas. Não será possível ajudar todos os países. A Comissão Europeia não tem os meios para tanto. Por seu turno, os países do Oeste Europeu, com exceção da Grã-Bretanha, podem resistir melhor, considerando-se o que resta das instituições e dos comportamentos social-democratas.
É a única afirmação que podemos fazer. O caso da França, há muitos anos, é intermediário. A influência das políticas anglo-saxônicas foi tamanha, sobre o plano institucional e ideológico, que a França corre claramente o risco de ser mais prejudicada do que a Alemanha, por exemplo, e do que, certamente, os países nórdicos. E se os banqueiros do mundo estão perdendo o fôlego, em particular a China, pois a crise começa a atingi-los, não estamos imunes a um desmoronamento do valor das moedas, o que é, tecnicamente falando, o estágio mais avançado da crise: podemos passar brutalmente de uma desinflação a uma hiperinflação.
É necessário, contudo, ressaltar o seguinte: quando estamos diante de uma crise de tal magnitude, já atual e potencial, crise que parece muito mais com um desmoronamento ou uma desestabilização do que com uma crise no sentido habitual, cíclico do termo, não devemos esperar que ela se resolva mecânica e espontaneamente. Nenhuma crise ou desmoronamento do capitalismo permite, por si só, sair disso. Qualquer que seja o preço a pagar, o capitalismo estará sempre apto a sobreviver. Só podemos superá-lo por uma ação e por medidas políticas radicais, não anticapitalistas, mas pós-capitalistas, alternativas. Não há nenhuma solução, nenhuma saída que seja de natureza puramente econômica. Acredito que as palavras "desmoronamento" ou "desestabilização" sejam claramente mais rigorosas que a palavra "crise", mas elas têm o inconveniente de deixar transparecer que a "morte" do capitalismo poderia resultar do simples desmoronamento econômico, ideia perfeitamente falsa, com certeza. Num plano estritamente econômico, o capitalismo é um modo de produção muito adaptativo e flexível: ele pode se reerguer, mesmo em detrimento de danos humanos consideráveis e de um forte recuo da democracia. Como a crise é inédita, parece-me impossível, quando não inútil, especular sobre a forma que ela tomaria.
Em suma: as medidas tomadas atualmente pelos governos e dirigentes das grandes instituições financeiras são dementes, quase irracionais! Podemos explicá-las por sua preocupação de salvar os grandes protagonistas do sistema capitalista. É o papel desses governantes. É a razão principal e é lógica. Mas não podemos excluir a hipótese segundo a qual estes últimos estão totalmente desorientados, quando não em situação de desespero. Eles não compreendem mais nada da crise que ajudaram ferozmente a criar! É sem dúvida por essa razão que eles não compreendem nada! É muito difícil, e mesmo impossível, a essa casta dirigente questionar um quarto de século de orientações e de medidas governamentais que levaram à crise atual. Crises de mercados financeiros, crise do sistema bancário, crise econômica: que descoberta tardia nossos governantes e especialistas ainda farão?
A crise social simplesmente! Ela já esta aí. É certo que ela vai aumentar. Quando é que os governos vão "descobri-la"? E estes últimos terão condições de enfrentá-la? Constatemos desde já, no processo das "descobertas" realizadas pelos governos, que a crise social vem em quarto plano. Será a quarta roda da carroça! Uma crise social sem dúvida acompanhada de uma alta dos impostos e adiantamento de toda natureza, sem contar, logicamente, os efeitos sobre os funcionários públicos e congêneres, as reduções dos efetivos e do "padrão de vida" do Estado: o quadro é negro!
O "social" é a última roda da carroça. Isso logo será sentido! A crise social é e será tanto mais difícil, pois nada foi feito para amortecê-la. O caso da França é emblemático: absolutamente todas as medidas estudadas e já amplamente iniciadas, no programa do candidato Sarkozy, estão totalmente caducas, pois se assentavam sobre a hipótese de um crescimento forte e sustentável. O princípio "trabalhar mais para ganhar mais" não tem mais nenhum sentido, e, além disso, o governo evita tocar no assunto, pois sua única consequência só pode ser: mais desempregados e um aumento do déficit do Estado. Isso vale para todas as medidas de Sarkozy. Consequência: ele navega ao sabor dos ventos e cuida da aparência para não necessitar falar da essência. Não estou com isso afirmando que possa haver algo de maquiavélico em suas atitudes. Ele continua um hábil político, apto a zelar por sua imagem e se valoriza pessoalmente, já que só vai atrás de medidas caducas com as que foram tomadas nos últimos tempos. Mas, apesar de não estar na cabeça dele, estou persuadido de que ele fala e age em completo desespero intelectual. Que ele consiga recriar pseudoempregos com auxílio é uma declaração de total impotência: ele faz o contrário do que havia dito! Mas pouco importa: ninguém mais presta atenção! Quanto à oposição socialista, melhor nem falar!

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