domingo, 31 de março de 2013

Tenório, Operação Condor e Rosa Maria


Tenório, Operação Condor e Rosa Maria

À Carta Maior, a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha (foto), designada para a Comissão da Verdade pela presidenta Dilma, relata investigação a respeito do sequestro e desaparecimento do pianista Francisco Tenório Cerqueira Jr., que acompanhava Vinícius de Moraes em sua turnê argentina em 1976. Episódio aponta cumplicidade entre marinha argentina e antigos membros do Itamaraty dentro da Operação Condor, que tem outros 10 casos de vítimas brasileiras invetigados pela comissão.

Brasília – O sequestro e desaparecimento do pianista que acompanhava Vinícius de Moraes durante sua turnê argentina nos últimos dias do verão de 1976 reforça a tese de que a Operação Condor falava em português e possivelmente mais do que se suspeita. 

É o que afirmou para Carta Maior a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, designada para a Comissão da Verdade pela presidenta Dilma Rousseff. Ela investigou o capítulo verde-amarelo do terrorismo sul-americano e interrogou longamente o argentino Claudio Vallejos, ex-agente da Marinha argentina que na quinta-feira (28) foi deportado à Argentina custodiado por efetivos da Interpol.

A lei de (auto) anistia vigente, promulgada pelo ditador João Baptista Figueiredo, não permite que o Brasil processe seus próprios "condores" nem Vallejos pela desaparição do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, mas nada impede que o faça a Justiça de Buenos Aires que agora poderá interrogar o repressor argentino.

E talvez comece a reconstruir a desaparição do pianista, um caso repleto de indícios sobre a cumplicidade entre a marinha argentina e antigos membros do Palácio Itamaraty.

"Vallejos depôs durante horas e horas diante da Comissão da Verdade, o escutamos em Brasília e viajamos a Florianópolis, onde estava preso. Queríamos acompanha-lo porque é um personagem que esteve envolvido, isto é o que ele diz, no sequestro do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, no dia 18 de março de 1976. O sequestro é um dos 11 casos de brasileiros vítimas da Operação Condor na Argentina que nós estamos investigado com muito interesse na Comissão”.

“E falou bastante da conexão repressiva entre o Brasil e a Argentina durante os anos da Operação Condor”, conta Cardoso da Cunha à Carta Maior.

O "Gordo" Vallejos fugiu para o Brasil presumivelmente no começo dos anos 80, em 1986 fez uma longa confissão de seu passado marinheiro à revista Senhor, publicada em duas edições, na qual formulou várias afirmações que repetiu no final de 2012 diante da comissão criada pela presidenta e ex-presa política Dilma Rousseff. 

Enganador e estelionatário, Vallejos deu vários golpes em estados do sul do Brasil até que, no começo de 2012, caiu preso acusado de estafa.

Quando a Embaixada argentina tomou conhecimento do caso enviou um diplomata até a prisão de Xanxerê, um modesto presídio para presos comuns de pouca periculosidade, para constatar que se tratava do repressor Vallejos.

Pouco depois de confirmar a identidade do detido, apresentou ao governo brasileiro o pedido de extradição, aprovado pelo Supremo Tribunal Federal e executado na quinta-feira.

– Vallejos participou no assassinato do pianista?

– Ele nos disse que não torturou o prisioneiro e disse claramente que nem sequer assistiu a sua execução, que foi com um tiro depois de ser submetido a várias sessões de tortura.

Claudio Vallejos fez um relato bastante detalhado, embora muitas vezes voltasse atrás e se desdissesse, da noite do dia 18 de março, quando (o pianista) Tenório, depois de uma apresentação com Vinícius, sai do hotel portenho para comprar algo em uma farmácia, a polícia o vê com aspecto estranho, meio de "subversivo", disse Vallejos, por sua barba e aspecto desalinhado e pela pressa.

Vallejos nos contou que neste dia ele estava participando em uma operação da ESMA (Escola de Mecânica da Armada, um centro de reclusão clandestino onde foram assassinados ou desaparecidos cerca de 5.000 militantes contrários à ditadura).

Narrou que se encontrava no centro de Buenos Aires quando recebeu a ordem de recolher um suspeito preso em uma delegacia, não sei se disse a delegacia 39 ou 40, ou outro número. Uma vez na sede da polícia, Vallejos se apresenta como alguém dos serviços secretos e a polícia lhe entrega Tenório, que é trasladado por ele para a ESMA onde chega com vida e sem ser machucado, segundo diz Vallejos.

– O chefe da Marina, comandante Emilio Massera, foi informado?

– Vallejos disse que Massera foi informado de tudo o que ia acontecendo com o pianista Tenório passo a passo até sua morte, que teria acontecido no dia 25 de março de 1976.

– A embaixada brasileira em Buenos Aires soube?

– Segundo o que nos disse Vallejos foi informada mais de uma vez e, continuo me baseando no que disse o argentino, pessoas da embaixada estiveram na ESMA.

– Isto foi quando o pianista Tenório ainda estava com vida?

– Ele disse que sim e que, inclusive, chegaram a entregar aos torturadores uma minuta com perguntas sobre o movimento de músicos contestadores que havia no Rio de Janeiro naquela época, onde estava Chico Buarque e mais gente contrária à ditadura. 

– Acha que houve participação ou omissão de alguns diplomatas?

– Não sei com certeza, para nós será de muita utilidade o que investigue a Justiça argentina para poder chegar à verdade dos fatos. E se a justiça nos pede podemos enviar uma cópia do que Vallejos falou conosco.

– A Comissão da Verdade está informada do CIEX (Centro de Informações no Exterior da Chancelaria)?

– Tivemos conhecimento do CIEX.

A resposta de Rosa Maria Cardoso da Cunha é telegráfica, talvez para evitar tecer comentários precipitados sobre o Centro de Informações no Exterior, uma rede de espionagem internacional a serviço da ditadura, surgida no final dos anos 60 e que se poderia caracterizar como o braço diplomático da Operação Condor brasileira.

Embora os depoimentos do "Gordo" Vallejos devam ser tomados como vindo de quem vem, não é aconselhável subestimá-los totalmente porque podem conter alguma informação verdadeira, e isto é o que parece ter entendido a Comissão da Verdade brasileira ao interrogá-lo duas vezes.

Parte de seu testemunho relativo a cumplicidade ou omissão da Embaixada do Brasil encaixa com informações obtidas por jornalistas sérios e especializados na Operação Condor, como Stella Calloni.

Ela escreveu há 13 anos no diário La Jornada do México que documentos encontrados nos arquivos da polícia política brasileira, o DOPS (Direção de Ordem Política e Social) se referem a uma mensagem dirigida pela ESMA à embaixada brasileira informando sobre o falecimento do pianista Tenório, sequestrado e torturado desde 18 de março.

Há uma semana, a Comissão da Verdade recebeu um pedido para que se esclareçam as verdadeiras causas da morte do ex-presidente João Goulart, no dia 6 de dezembro de 1976, durante seu exílio na Argentina.

A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, admitiu pela primeira vez que o ex-mandatário derrubado pelo golpe de 1964 pode ter sido assassinado e que o tema merece uma investigação.

Há dois anos seu filho, João Vicente Goulart, em uma entrevista com este repórter fez uma declaração que se torna interessante agora, quando recobra atualidade a trama da Operação Condor e a morte do pianista Tenório durante sua turnê com Vinícius e Toquinho.

"Nós, a família Goulart, temos certeza que nosso pai foi vítima de uma conspiração da Operação Condor tramada pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Estados Unidos" afirmou João Vicente Goulart.

E arrematou: "Eu acumulei muita informação, documentos, e sempre suspeitei dos movimentos na Embaixada de Buenos Aires e seu nexo com a Operação Condor. Conto-lhe uma: nos meses prévios à morte de meu pai havia um número inaudito de adidos militares na Embaixada, e a maioria se deslocava utilizando armas. Alguém terá que explicar algum dia essa história e averiguar a que se dedicavam tantos adidos militares nesses anos da Operação Condor".

Tradução Liborio Júnior

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