segunda-feira, 24 de março de 2014

O melhor investimento na atividade leiteira: Comida de qualidade!


Por AgriMilk - postado em 20/03/2014

*Por João Ricardo Alves Pereira

Estava terminando meu artigo para o Blog AgriMilk, sobre forrageiras de inverno, quando li o artigo “Mais que Dólar!”, escrito pelo Doutor Paulo Martins aqui no Milkpoint, e mudei meu assunto. Confesso que sou fã do Paulo pela forma simples, objetiva e extremamente técnica com que trata os assuntos relacionados à economia da pecuária leiteira, e nesse artigo fica claro que se o negócio leite não foi tão bom como dizem alguns, foi melhor do que aqueles que “venderam tudo e colocaram na poupança” ou “trocaram as vacas por dólares para não ter mais que acordar cedo”.

Deixando a “tietagem” de lado, vamos ao assunto. Lendo os comentários de nossos leitores, em relação aos maiores desafios para o ano de 2014 (Ler matéria: "Desafios 2014: Novamente, os custos de produção!"), vi que a maioria acredita que serão os custos de produção, o que parece lógico para toda e qualquer atividade econômica. Sendo a alimentação o maior componente desses custos, posso entender que os nossos produtores de leite estão preocupados com quanto vai custar cada quilo de matéria seca que seu rebanho vai consumir durante o ano. Entendido o problema, o que podemos fazer para enfrentá-lo?

Num primeiro momento vamos pensar pelo “lado da vaca”. Na tabela 01 temos a exigência nutricional de uma vaca para diferentes produtividades, sem muitos detalhes ou interações complexas, de forma que o produtor possa entender mais facilmente.

Tabela 1. Exigências nutricionais de vacas leiteiras, expressas em nutrientes digestíveis totais (NDT) e proteína bruta (PB).


Se tomarmos como exemplo uma vaca com produtividade diária de 20 kg de leite, ela precisa ingerir em torno de 11,07 kg de energia (NDT) e cerca de 2,30 kg de proteína (PB), contidos nos 16,7 kg de matéria seca que ela deve consumir. Caso ela não tenha eficiência produtiva (boa genética), ou seja de “aptidão duvidosa” (nem carne, nem leite), parte desses nutrientes serão convertidos em “sebo” e a produtividade será menor, mas deixemos isso de lado.

Para atender essas exigências, o produtor terá que fazer uma combinação entre alimentos volumosos, como pastagens, silagens, fenos, capineiras, etc. e alimentos concentrados, basicamente milho, farelos de soja ou algodão, sorgo e “eventuais substitutos”. Essa combinação tem que respeitar níveis de fibra, minerais, gorduras e proteínas de diferentes degradabilidades, somados a “aditivos especiais”, mas, me perdoem meus amigos nutricionistas, vamos deixá-los de fora.

Qual o cenário que se desenha para os preços dos alimentos concentrados? Nos gráficos 1 e 2, temos o comportamento do preço do milho e do farelo de soja nos últimos três anos e nos três primeiros meses de 2014.

Gráfico 01. Preços Regionais do Milho / Campinas (NRP – Mercado Físico)

Gráfico 02. Evolução do preço do Farelo de Soja – CEPEA/ESALQ / Campinas


Observando os dois gráficos, qual a expectativa de termos menores custos com esses alimentos na forma de rações concentradas nesse ano? Acredito que nenhuma. Para quem acompanha um pouco o mercado futuro, as apostas estão muito favoráveis para um aumento de preços, principalmente do milho. Mediante esse cenário, alguns produtores e mesmo técnicos criam a expectativa de encontrar resíduos ou subprodutos de baixo custo como fontes alternativas. A questão é que o que tem qualidade e oferta já deixou de ser subproduto, e muito menos resíduo, há muitos anos. A polpa cítrica e a casca de soja têm seus preços atrelados ao do milho e são vendidos por contrato (caso da polpa). O caroço de algodão já tem contrato de venda lá na lavoura e seu custo final, posto na propriedade, em muitas regiões, já supera o farelo de soja. Se o preço não for favorável, somente algumas dietas especiais justificam o uso desses produtos. Existem outros tantos produtos no mercado que se tivessem alguma qualidade não seriam chamados de “resíduos”. É que, na verdade, essa denominação cria a falsa ilusão de alguma coisa barata comprada por alguém um pouco mais esperto.

Nos sobra, então, a possibilidade de reduzir o custo com alimentação, investindo na produção de volumosos de qualidade.

O investimento em pastagens com oferta e qualidade é obrigatório para quem tem nela a base de alimentação do rebanho, lembrando que correção de solo, adubação e água são fundamentais no sistema. Mesmo os sistemas que dispõem de irrigação precisam ter volumosos complementares para os períodos de menor oferta de forragem. É lamentável ler artigos em revistas onde os técnicos, para enfatizar que é “leite a pasto”, fazem questão de dizer que a propriedade “faz silagem eventualmente”, “que a silagem é apenas um lanche” ou “os animais consomem o mínimo possível de ração”. Nutrição de vacas é colocar bioquímica e fisiologia na forma de tabuada. Para a vaca atingir a produtividade esperada, ela tem, obrigatoriamente, que consumir a quantidade de nutrientes exigida. Se a pastagem não for suficiente, deve ser completada com concentrado e/ou volumoso. E não precisa fazer isso escondido.

Por que produzir volumosos de qualidade? No quadro abaixo, temos uma simulação bem simples. Vamos considerar a vaca de 20 kg de leite/dia, consumindo a mesma quantidade de matéria seca (8,4kg) de três diferentes volumosos e estimar a quantidade de concentrado necessário, somente com base na energia (NDT), para corrigir o déficit.

Tabela 2. Consumo de concentrado suplementar necessário com base no perfil energético de diferentes volumosos



É evidente que, quanto maior a qualidade do volumoso, menor será a demanda de concentrado para atender as exigências da vaca e, mesmo que desconsiderado no exemplo, temos a vantagem adicional de que, quanto melhor o volumoso, maior será a ingestão pela vaca, em função de sua maior digestibilidade. O contrário também é verdadeiro e, quanto menor a qualidade do volumoso (mais fibroso), menor será a ingestão.

Em relação aos custos, quanto maior a produtividade da lavoura menor será o custo do volumoso produzido. Sugiro que olhem novamente o artigo sobre silagem de milho safrinha que postei aqui no nosso blog ("Silagem de milho na safrinha - Risco ou oportunidade de se produzir volumoso de qualidade?"). Produzir 40 t/ha de silagem custa quase 30% menos do que produzir 25 t/ha, fora a redução de custos com a menor demanda por concentrado. No caso da cana de açúcar, outro volumoso utilizado na produção de leite, confesso que não consegui encontrar um custo que fosse razoável. Os artigos e projetos de produção de leite falam em produtividades de cana entre 100 a 150 t/ha, enquanto que a média das usinas fica em torno de 88t/ha. Interessante na avaliação é que o custo de adubação das usinas, muitas vezes, é maior que o dos leiteiros. Para não fazer juízo errado, tomemos como referência que, para cada 100 toneladas de colmo colhidos, segundo especialistas, são necessários devolver à terra cerca de 143 kg de N, 44 kg deP2O5 e 210 kg de K2O. Com base nesses valores, acredito que cada produtor tenha uma noção de quanto está produzindo e estimar seu custo.

Se imaginarmos como investimento, fazer uma “poupança” na forma de alimentos conservados na propriedade é sempre rentável. O custo para se produzir, principalmente alimentos energéticos, é menor do que comprar fora e os investimentos em fertilidade do solo, silos, irrigação, equipamentos, etc. podem ser feitos de forma planejada. Com algumas exceções, a valorização do litro de leite está associada à menor oferta do produto que, por sua vez, está diretamente ligada a períodos de estiagem ou valorização de commodities, de modo que os riscos de se perder dinheiro guardando comida na propriedade sejam quase nulos. Vamos investir?


 

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