terça-feira, 29 de março de 2016

Veja trabalha de graça para manter leitores

by Coleguinhas

Semana que passou, a Abril surpreendeu o mercado ao colocar o aplicativo gratuito da Veja nas para iOS e Android nas lojas respectivas. O papo da Abril foi engolido pelos sites que cobrem o tema sem qualquer questionamento, como em geral acontece. A explicação óbvia, claro, é a de que foi mais uma ofensiva dos Civita, pressionando pressionar para que o processo de impeachment da presidente da República avance o mais rápido possível – um governo amigo no Planalto é fundamental para equilibrar as contas no fim do ano - e, ao mesmo tempo, desfechar novo ataque contra uma possível candidatura de Lula ao cargo em 2018.
Só que houve também uma razão de mercado mais estratégica para o movimento e as tabelas e gráficos abaixo demonstram isso. Comecemos pelo movimento geral dos três tipos de assinatura - no meio revista assinatura é ainda mais importante do que em jornal: impressa, híbrida e digital.

CIRCULAÇÃO GERAL
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Como se observa, o patamar geral de circulação da Veja continua por volta de 1 milhão. Em termos de Brasil, é a maior tiragem disparada, embora, para um mercado do potencial do nosso seja ínfimo (pela PNAD do IBGE, havia, em 2014, 67 milhões de pessoas com 11 ou mais anos de estudos, ou seja pelo menos com o Ensino Médio completo, o público potencial das revistas).
Este patamar, somados os três tipos de assinatura, demonstra estabilidade, no período de dois anos: a variação entre janeiro de 2014 e dezembro de 2015 foi de mais 0,2%. No entanto, a estabilidade esconde uma inflexão significativa - no ano de 2014, houve acréscimo de 3,12% nas assinaturas gerais, enquanto 2015 apresentou uma queda de 2,62%, uma mudança de rumo também sentida nos jornais, como vimos, causada pela inexistência, no que passou, de eventos como a Copa e as eleições presidenciais.
Agora, vamos ver os números mais de perto, separando-os por tipo de assinatura, começando pela edição impressa.
EDIÇÃO IMPRESSA
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Aqui não houve inflexão, mas aceleração de tendência. Observa-se uma redução no período inteiro (janeiro/14 a dezembro/15), de 5,57%, com queda de 0,84% na primeira parte do período (2014), que ganhou velocidade na segunda parte (2015) para – 4,59%. Note-se que o piso psicológico de 1 milhão de exemplares na edição impressa, mantido há décadas pela Veja, foi rompido pela primeira vez em junho de 2015, estabelecendo um novo patamar a partir daí, aprofundando em quedas sucessivas, com exceção de julho.

EDIÇÃO HÍBRIDA
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Já a edição híbrida, que une as edições impressas e digitais, teve comportamento um tanto diferente, como se pode observar nos gráfico e tabela acima. O crescimento, em todo o período, chegou a 43%, com elevação de 34% no período janeiro/dezembro de 2014, mas de apenas 9,1% em 2015, uma forte desaceleração.
O percentual geral é bem respeitável, apesar de, na verdade, não aumentar o número de leitores, apontado apenas o fato de que os mesmos leitores passaram a consumir o mesmo produto, só que por meio digital (diferente dos jornais, as revistas não separam os tipos de aparelho de acesso, nas medições do IVC).

EDIÇÃO DIGITAL
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Aqui voltamos ao início do texto, pois, com a disponiblização de forma gratuita do app de acesso a suas edições digitais, a Abril realiza um movimento algo desesperado para dar mais consistência à circulação exclusivamente por este meio. Como se pode observar nos gráfico e tabela acima, o crescimento no período estudado foi de 127,35%, fulgurante percentual que, porém, empalidece quando se observa que, do total da circulação de dezembro de 2015, apenas 1,4% é de assinaturas exclusivamente digitais. Uma situação ainda mais inconsistente quando são confrontadas as dinâmicas de crescimento entre os dois subperíodos, quando houve um aumento de 60% entre janeiro e dezembro de 2014, e de apenas 10,6% entre o mesmo período do ano seguinte.

CONCLUSÕES
1. A decisão de entregar gratuidade o conteúdo digital da Veja, além dos objetivos políticos dos Civita, teve também um viés mercadológico, o de elevar o número de leitores da revista, a fim de mantê-lo acima do patamar psicológico de 1 milhão.
2. A manobra foi necessária devido à velocidade e profundidade da queda na circulação da edição impressa, que deixou de ser coberta pela aceleração das edições digitais, sejam nas assinaturas híbridas, seja nas puramente digitais.
3. Esse tipo de manobra coadunasse bem com o histórico de Walter Longo, novo CEO do Grupo Abril, conhecido por ser ótimo em prestidigitação de números diante do mercado publicitário.
4. A iniciativa vai colocar à prova ideia de Roberto Civita de que não importava o que saísse na revista, ela sempre teria um milhão de leitores prontos a comprá-la. Até o momento, a hipótese tem sido corroborada. A sua comprovação ao longo dos próximos anos é fundamental para a continuidade da publicação.
5. Diante dos números da circulação e da maneira como a Abril está respondendo ao desafio imposto por eles – e também da diretriz de seu antigo presidente -, pode-se chegar à conclusão segura que é perda de tempo enxergar a Veja como um produto jornalístico padrão – ou seja, de quem se exige seguir pelo menos minimamente a ética da atividade. Ela é apenas um veículo de “agitação e propaganda” (“agitprop”), ideia ironicamente apropriada do leninismo.

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