Presidente do Uruguai vai ao rádio defender regulamentação da maconha e argumenta: precisamos combater o narcotráfico
Diante da má impressão que causou em parte significativa da sociedade uruguaia a intenção do governo de regulamentar a venda de maconha no país, o presidente José Mujica fez um pronunciamento em que alertou seus compatriotas sobre a importância de elaborar novas maneiras para combater o narcotráfico.
“Apenas com repressão policial, será impossível”, resumiu. De acordo com o jornal argentino Página 12, as primeiras pesquisas de opinião realizadas no Uruguai depois que o governo anunciou que estava preparando um projeto de lei sobre o tema indicaram que aproximadamente 60% das pessoas entrevistadas receberam mal a ideia.
O passo que está prestes a ser dado pelos uruguaios rumo à legalização da maconha também chamou a atenção das Nações Unidas, que pediu autorização a Montevidéu para enviar uma comissão da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE) que acompanhasse as discussões. O chefe da JIFE, Raymond Yans, não acredita que as propostas do governo uruguaio possam servir de alternativa à mera repressão.
Mas o presidente discorda. No rádio, José Mujica fez questão de analisar o problema a partir da lógica comercial. “Muito mais grave que os males causados pela droga na saúde humana é o resultado que o narcotráfico acarreta na sociedade”, pontuou. “O vício sempre existiu na história da humanidade. Vejamos o álcool e o tabaco, a cocaína nossos avós compravam na farmácia. Mas o comércio de drogas é um assunto contemporâneo, é uma atividade capitalista de mercado que se reproduz e tende a crescer como um câncer no corpo social.”
Detenções e demandas
Mujica lembrou que a polícia uruguaia tem sido eficaz no combate ao tráfico e que, por isso, um terço dos presos nas cadeias do país tem relação com o comércio de drogas. “Há uma enorme eficiência, mas às vezes dá a sensação de estarmos enxugando gelo”, pontuou. São cerca de 3 mil presidiários por ligação com as drogas numa população carcerária de 9 mil detentos, disse o presidente, que desenhou um universo de aproximadamente 200 mil consumidores de narcóticos no Uruguai. O país tem cerca de 1,5 milhão de habitantes. Ainda segundo Mujica, a venda de droga movimenta US$ 50 milhões ao ano dentro das fronteiras uruguaias.
“A demanda existe, e enquanto houver gente que compre, estão criadas as condições para que haja oferta. Assim se movimenta a economia”, ressaltou o presidente. Mujica acredita que o vício dos usuários se traduz num interesse interminável pela droga, que acaba alimentando constantemente a venda de substâncias ilegais. Como se trata de um mercado repleto de riscos para os traficantes, que estão sujeitos a prisão e violência, os lucros obtidos com a operação costumam ser exorbitantes.
“O valor acumulado internacionalmente com narcotráfico e lavagem de dinheiro assegura recursos financeiros para corromper governos, comprar generais, subornar juízes, impor candidaturas eleitorais e nomear parlamentares, como acontece no México”, enumera Mujica. “Mas o pior de tudo é que o tráfico de drogas tende a espalhar violência pelas sociedades. Como se trata de um mercado clandestino, suas leis sempre apelam à violência. Quando existe dívida, não se procura um advogado: se recorre automaticamente ao ajuste de contas.”
Por isso, o presidente do Uruguai propõe a combinação de três fatores para combater o problema. Primeiro, disputar o mercado de drogas. Segundo, oferecer tratamento para quem esteja viciado. E, apenas em terceiro lugar, reprimir. Mujica pondera que talvez não seja a melhor maneira de acabar com o narcotráfico e que possivelmente existam ideias mais eficazes, mas afirma que os uruguaios não podem seguir fingindo que o problema não existe.
Vanguardismo
“A boa história do Uruguai nos mostra alguns caminhos, atitudes e receitas que em seu momento pareceram extravagâncias, como a legalização da prostituição e as lojas estatais de venda de álcool”, recordou. “Assim o país teve a audácia de ser vanguardista na forma de tratar os males inevitáveis da sociedade com a grandeza de colocá-lo à luz do dia, estabelecer regras e assumindo os custos que significavam.”
O secretário da Presidência do Uruguai, Diego Cánepa, afirmou ao Página 12 que o governo deverá enviar ao parlamento um projeto de lei para regulamentar a venda de maconha dentro dos próximos 15 dias. Em resumo, o texto vai propor que o Estado assuma o cultivo e a venda da substância, que passará inclusive por controle de qualidade.
Para comprar, os usuários deverão registrar-se. Também haverá limite para o consumo diário, e quem ultrapassá-lo poderá ser alvo de tratamento compulsório no sistema de saúde pública. O governo ainda não sabe se inclui no projeto a plantação de maconha para uso próprio.
Um dos maiores objetivos de Mujica ao patrocinar o projeto é afastar a juventude da pasta base de cocaína, uma droga bastante agressiva ao organismo, facilitando seu acesso à maconha. “Não estamos dizendo que a maconha é boa, não temos autoridade para dizê-lo. O que dizemos é que, diante do veneno que é a pasta base, a maconha é uma droga relativamente benigna”, classificou
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