domingo, 24 de fevereiro de 2013

Chéri à Paris: Um reino por um dedo



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“Impressão minha ou você está chantageando uma menina de dois anos? “Não. Eu disse que seria recompensa pelo esforço dela”
Por Daniel Cariello*, em Chéri à Paris
 A Louise nunca teve chupeta. No entanto, compensou a necessidade inata de sucção chupando o polegar esquerdo. Chupando, não, castigando o pobre coitado, tamanha a fúria com a qual o sugava.
Tentamos fazê-la parar.
- Loulou, tem que parar, não é bom.
- É bom, sim, pai. Aqui, ó.
E lascava novamente o dedo na boca, como se fosse um doce.
Levamos ao dentista, que endossou nosso discurso.
- Ei, Louise, você precisa parar de chupar o dedo. Tem que cuidar dos dentinhos.
- Mas eu já cuido com a escova. Né, pai?
Eu respondia que era, mas que não era, porque para ser mesmo era preciso ser de verdade. Ela não entendeu nada. Tentei simplificar.
- Do contrário, Louise, você vai precisar usar aparelho quando for grande.
- Eu quero usar aparelho, pai.
- E você sabe o que é aparelho?
- Não.
Teve também o dia em que a levamos ao médico.
- Como vai a saúde dela?
- Tá ótima.
- Dorme e come bem?
- Até demais.
- Ainda coloca fralda?
- Só pra dormir.
- E chupeta?
- Nunca usou, mas chupa o dedo loucamente. Chegou até a fazer um calo no polegar, olha aqui.
E virou-se pra ela.
- Louise, você machucou o seu dedinho de tanto chupá-lo. Precisa parar, pra ele ficar bom.
- Mas ele já está bom. Papai e mamãe deram um beijinho e ele melhorou.
Não tinha mesmo jeito. Ou parecia não ter. Até o dia em que a mãe veio me contar a novidade.
- A Louise vai parar de chupar o dedo.
- E eu vou aprender a voar rodando os braços.
- Tô falando sério.
- Eu também. Já comecei a treinar ontem, pulando do sofá.
- Eu a convenci.
- ?
- Falei que se ela parasse a gente daria uma boneca de princesa da Branca de Neve.
- É impressão minha ou você está chantageando uma menina de dois anos?
- Não. Eu disse que seria uma recompensa pelo esforço dela.
- Ah, então está negociando com ela, realmente muito melhor.
- Vai funcionar, você vai ver.
Acontece que de maneira surpreendente a coisa começou mesmo a dar certo.
- Pai, tô parando de chupar.
- Tô vendo. Parabéns, Louise.
- Ela tá onde, minha boneca de princesa da Branca de Neve?
- Só quando você parar de verdade. E não se esqueça: é uma recompensa pelo seu esforço.
- Pai, o que é esforço?
Esses dias percebi que já fazia quase uma semana que ela não colocava o dedo na boca.
- Loulou, parabéns, você parou mesmo de chupar o dedo. Hoje vamos comprar sua boneca da Branca de Neve.
- Oba!
Passamos em uma loja, não tinha : “Na Disney do Champs-Elysées o senhor vai encontrar”. Não encontrei : “Estamos sem recebê-la há meses! Tenta em Les Halles”. Tentei e nada. “Dá uma chegadinha na rua tal, é possível que tenha”. Cheguei e não tinha. A Louise já começava a perguntar.
- Pai, cadê minha boneca de princesa da Branca de Neve?
- O moço disse que acabou.
- Vamos em outra loja?
- Já fomos em várias.
- Mas vamos em outra, vamos?
Já tem dois dias que procuro esse diacho de boneca. Tem Pocahontas, Pequena Sereia, Cinderella, Bela Adormecida e todas essas mocréias da Disney, só não tem a Branca de Neve. Comecei a pensar em desistir e dar uma desculpa qualquer, mas agora há pouco a Louise me perguntou mais uma vez pelo presente, olhando com um certo interesse para o próprio polegar. Tive a nítida impressão que ela estava avaliando se voltaria a chupá-lo ou se o abandonaria de vez, como uma recompensa pelo meu esforço em encontrar a sua princesa.

(*) Daniel Cariello é colaborador regular do Outras Palavras. Escreve a crônica semanal Chéri à Paris,

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