A Turquia faz parte da Europa? Esse é um dos grandes debates que enfrentaram tanto a Turquia quanto a União Europeia. Depois de anos batendo à porta de Bruxelas e de encontrar uma divisão entre os parceiros que bloqueia qualquer decisão, o governo do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, parece cada vez mais disposto a responder não a essa pergunta.
José Miguel Calatayud
José Miguel Calatayud
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, acena durante entrevista na sede do AK (Partido Justiça e Desenvolvimento), em Ancara (Turquia)
"Há pouco tempo disse ao senhor [Vladimir] Putin [presidente da Rússia]: 'Aceitem-nos nos Cinco de Xangai. Aceitem-nos e diremos adeus à União Europeia'." Erdogan fez essa declaração há alguns dias em uma entrevista a uma televisão turca.
Perguntado na mesma entrevista sobre a União Europeia, Erdogan disse que a OCX "é muito melhor e muito mais forte". "A UE quer se esquecer de nós, mas é tímida demais para dizer isso. Mas todos nos sentiríamos aliviados se o dissesse alto e claro", acrescentou.
"Creio que Erdogan estava enviando uma mensagem à UE e à Otan para que tratem a Turquia como um membro em igualdade de condições", comenta Ahmet Uysal, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio na Universidade Eskisehir, na Turquia. "Erdogan acredita que o Ocidente não está fazendo o suficiente sobre a Síria e está frustrado, mas não falou a sério sobre unir-se ao grupo de Xangai. A Turquia é membro da Otan e quer se transformar em membro da UE", afirma Uysal.
Vários analistas indicam a incompatibilidade entre a Turquia pertencer à Otan e a possibilidade de que acabe se unindo ao grupo de Xangai, que se apresenta como uma organização rival da Otan em questões de segurança. Além disso, exatamente nestes dias a aliança atlântica está mobilizando mísseis Patriot no sul da Turquia, com o fim declarado de proteger esse país de hipotéticos ataques vindos de território sírio.
Não só o governo turco se sente frustrado pela UE. "É o mesmo para a população da Turquia, que espera mais da UE, como obter vistos grátis", acrescenta Uysal. "Não creio que o processo de adesão esteja morto, mas tanto o governo como a população querem mais, e que os considerem um sócio em igualdade de termos."
De fato, nos piores dados de que há lembrança, 59,5% dos turcos acreditam que a Turquia deveria encerrar seu empenho de querer fazer parte da UE. E 14,6% consideram que a Turquia deveria estabelecer uma organização que rivalizasse com a Europa, segundo uma pesquisa publicada em janeiro pelo Centro de Estudos Econômicos e de Política Externa (Edam, na sigla em turco).
Curiosamente, a Edam também perguntou a um painel de especialistas em política internacional, e os resultados foram muito diferentes: 86,6% disseram que a Turquia deveria continuar insistindo em unir-se à UE. Essas declarações de Erdogan seriam só a mais recente dentre toda uma série de sinais e mensagens que seu governo lança há algum tempo a seus vizinhos europeus.
"A saúde física e mental da UE está danificada, por isso não pode oferecer o tratamento adequado" para a Turquia, declarou em outubro Egemen Bagis, ministro turco para Assuntos da UE, como resposta ao último relatório da Comissão Europeia sobre a Turquia, o mais crítico desde 2005.
O ministério de Bagis realizou seu próprio informe, que publicou em 31 de dezembro. Nele afirma que "a autoestima turca representa um desafio para a preconceituosa mentalidade europeia". E, seguindo com a metáfora anterior, também diz que "o doente de ontem [Turquia] é quem está oferecendo receitas à Europa hoje". Em um momento de profunda crise em parte da Europa, a economia turca está há dez anos crescendo a uma média anual de 5,5% e o país vive um ressurgimento nacionalista.
O próprio Erdogan não mencionou nem uma vez a adesão da Turquia à UE durante um longo discurso em setembro, depois de ser reeleito líder do partido governante. Só falou da Europa para criticar a islamofobia na França e na Alemanha, uma impressão que compartilham analistas e pessoas comuns na Turquia.
Mas, como indicou a pesquisa da Edam, os analistas esperam que essas tendências mudem. "A Turquia faz parte da Europa há cerca de mil anos, está próxima da Europa quanto a ideias sobre democracia e direitos humanos. As fronteiras não indicam só um lugar, também se referem à cultura, à mentalidade e inclusive à identidade, e não creio que a Turquia esteja fora da Europa", resume Ahmet Uysal.
Uma hora mais longe da Europa
Desde 1925, dois anos depois da fundação da atual República Turca, esse país segue o horário GMT + 2 (duas horas a mais que Greenwich), e por isso na Turquia é uma hora mais tarde que na Espanha. É a mesma hora que na Grécia, Bulgária, Romênia, Lituânia, Letônia e Estônia, todos eles países membros da UE.
No entanto, o ministro da Energia e Recursos Naturais, Taner Yildiz, pretende mudar o fuso horário para situá-lo uma hora mais para leste, segundo informou em outubro passado o jornal "Haberturk", um dos maiores do país.
A Turquia passaria então a ter o horário GMT + 3, o mesmo que a Arábia Saudita, que fez um apelo aos países muçulmanos para que sigam esse horário. Os sauditas o chamam de "Hora Média Islâmica" (IMT, em inglês) e querem que seja marcado por um enorme relógio construído junto à Caaba, o local sagrado e de peregrinação mais importante do islã, na cidade saudita de Meca. Curiosamente, esse relógio lembra em seu aspecto o Big Ben britânico, embora supere a torre londrina várias vezes em tamanho.
Desta forma, a Turquia se afastaria uma hora da Europa para se aproximar do Oriente Médio. Não seria um movimento estranho para o governo islâmico moderado do primeiro-ministro Erdogan, que recentemente levantou a proibição de que as mulheres usassem véus na administração pública, entre outras medidas que pouco a pouco estão reintroduzindo o islamismo na esfera pública turca.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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