segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Com entraves para a adesão à UE, Turquia volta o olhar ao Oriente


A Turquia faz parte da Europa? Esse é um dos grandes debates que enfrentaram tanto a Turquia quanto a União Europeia. Depois de anos batendo à porta de Bruxelas e de encontrar uma divisão entre os parceiros que bloqueia qualquer decisão, o governo do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, parece cada vez mais disposto a responder não a essa pergunta.

José Miguel Calatayud
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, acena durante entrevista na sede do AK (Partido Justiça e Desenvolvimento), em Ancara (Turquia)
O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, acena durante entrevista na sede do AK (Partido Justiça e Desenvolvimento), em Ancara (Turquia)
"Há pouco tempo disse ao senhor [Vladimir] Putin [presidente da Rússia]: 'Aceitem-nos nos Cinco de Xangai. Aceitem-nos e diremos adeus à União Europeia'." Erdogan fez essa declaração há alguns dias em uma entrevista a uma televisão turca.
Na realidade, referia-se à OCX (Organização de Cooperação de Xangai), criada em 1996 como "os Cinco de Xangai". Então seus membros eram a República Popular da China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Tadjiquistão. A organização passou a chamar-se OCX em 2001, com a entrada do Uzbequistão, e tem como objetivos a cooperação política,econômica e em questões de segurança entre seus membros. O fato de ser formada por regimes autocráticos faz que a OCX não seja bem vista no Ocidente. Em outubro passado, a Federação Internacional de Direitos Humanos, ONG baseada em Paris, publicou um relatório em que a descrevia como "um veículo para a violação dos direitos humanos".
Perguntado na mesma entrevista sobre a União Europeia, Erdogan disse que a OCX "é muito melhor e muito mais forte". "A UE quer se esquecer de nós, mas é tímida demais para dizer isso. Mas todos nos sentiríamos aliviados se o dissesse alto e claro", acrescentou.
"Creio que Erdogan estava enviando uma mensagem à UE e à Otan para que tratem a Turquia como um membro em igualdade de condições", comenta Ahmet Uysal, diretor do Centro de Estudos do Oriente Médio na Universidade Eskisehir, na Turquia. "Erdogan acredita que o Ocidente não está fazendo o suficiente sobre a Síria e está frustrado, mas não falou a sério sobre unir-se ao grupo de Xangai. A Turquia é membro da Otan e quer se transformar em membro da UE", afirma Uysal.
Vários analistas indicam a incompatibilidade entre a Turquia pertencer à Otan e a possibilidade de que acabe se unindo ao grupo de Xangai, que se apresenta como uma organização rival da Otan em questões de segurança. Além disso, exatamente nestes dias a aliança atlântica está mobilizando mísseis Patriot no sul da Turquia, com o fim declarado de proteger esse país de hipotéticos ataques vindos de território sírio.
Em 2005 começaram as negociações para que a Turquia acabasse se transformando em um país membro da UE. Entretanto, desde esse ano quase não houve avanços, e a possibilidade real da adesão parece cada vez mais distante. Para a UE, é um problema grave que a Turquia seja o único país que apoia a autoproclamada República Turca de Chipre do Norte. Além disso, os informes periódicos da UE também insistem nos ataques à liberdade de expressão e outros direitos humanos na Turquia.
Outra dificuldade, o conflito armado entre o governo e o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, poderia ser resolvido agora, já que as duas partes acabam de iniciar um processo de paz. Mas vários Estados da UE continuam vendo com receio esse enorme país de 75 milhões de habitantes, de religião muçulmana e que tem fronteiras com países diplomaticamente problemáticos, como Iraque, Síria e Irã.
Não só o governo turco se sente frustrado pela UE. "É o mesmo para a população da Turquia, que espera mais da UE, como obter vistos grátis", acrescenta Uysal. "Não creio que o processo de adesão esteja morto, mas tanto o governo como a população querem mais, e que os considerem um sócio em igualdade de termos."
De fato, nos piores dados de que há lembrança, 59,5% dos turcos acreditam que a Turquia deveria encerrar seu empenho de querer fazer parte da UE. E 14,6% consideram que a Turquia deveria estabelecer uma organização que rivalizasse com a Europa, segundo uma pesquisa publicada em janeiro pelo Centro de Estudos Econômicos e de Política Externa (Edam, na sigla em turco).
Curiosamente, a Edam também perguntou a um painel de especialistas em política internacional, e os resultados foram muito diferentes: 86,6% disseram que a Turquia deveria continuar insistindo em unir-se à UE. Essas declarações de Erdogan seriam só a mais recente dentre toda uma série de sinais e mensagens que seu governo lança há algum tempo a seus vizinhos europeus.
"A saúde física e mental da UE está danificada, por isso não pode oferecer o tratamento adequado" para a Turquia, declarou em outubro Egemen Bagis, ministro turco para Assuntos da UE, como resposta ao último relatório da Comissão Europeia sobre a Turquia, o mais crítico desde 2005.
O ministério de Bagis realizou seu próprio informe, que publicou em 31 de dezembro. Nele afirma que "a autoestima turca representa um desafio para a preconceituosa mentalidade europeia". E, seguindo com a metáfora anterior, também diz que "o doente de ontem [Turquia] é quem está oferecendo receitas à Europa hoje". Em um momento de profunda crise em parte da Europa, a economia turca está há dez anos crescendo a uma média anual de 5,5% e o país vive um ressurgimento nacionalista.
O próprio Erdogan não mencionou nem uma vez a adesão da Turquia à UE durante um longo discurso em setembro, depois de ser reeleito líder do partido governante. Só falou da Europa para criticar a islamofobia na França e na Alemanha, uma impressão que compartilham analistas e pessoas comuns na Turquia.
Mas, como indicou a pesquisa da Edam, os analistas esperam que essas tendências mudem. "A Turquia faz parte da Europa há cerca de mil anos, está próxima da Europa quanto a ideias sobre democracia e direitos humanos. As fronteiras não indicam só um lugar, também se referem à cultura, à mentalidade e inclusive à identidade, e não creio que a Turquia esteja fora da Europa", resume Ahmet Uysal.
Uma hora mais longe da Europa
Desde 1925, dois anos depois da fundação da atual República Turca, esse país segue o horário GMT + 2 (duas horas a mais que Greenwich), e por isso na Turquia é uma hora mais tarde que na Espanha. É a mesma hora que na Grécia, Bulgária, Romênia, Lituânia, Letônia e Estônia, todos eles países membros da UE.
No entanto, o ministro da Energia e Recursos Naturais, Taner Yildiz, pretende mudar o fuso horário para situá-lo uma hora mais para leste, segundo informou em outubro passado o jornal "Haberturk", um dos maiores do país.
A Turquia passaria então a ter o horário GMT + 3, o mesmo que a Arábia Saudita, que fez um apelo aos países muçulmanos para que sigam esse horário. Os sauditas o chamam de "Hora Média Islâmica" (IMT, em inglês) e querem que seja marcado por um enorme relógio construído junto à Caaba, o local sagrado e de peregrinação mais importante do islã, na cidade saudita de Meca. Curiosamente, esse relógio lembra em seu aspecto o Big Ben britânico, embora supere a torre londrina várias vezes em tamanho.
Desta forma, a Turquia se afastaria uma hora da Europa para se aproximar do Oriente Médio. Não seria um movimento estranho para o governo islâmico moderado do primeiro-ministro Erdogan, que recentemente levantou a proibição de que as mulheres usassem véus na administração pública, entre outras medidas que pouco a pouco estão reintroduzindo o islamismo na esfera pública turca.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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