Jacques Le Goff está surpreso e fascinado pelo gesto de Bento XVI, um daqueles raríssimos eventos que, segundo o grande historiador, demonstram a força plurissecular do cristianismo.
Giampiero Martinotti
Giampiero Martinotti
Professor Le Goff, a renúncia do papa faz pensar no trono vazio: é uma imagem adequada para resumir o gesto do pontífice?
Sim e não. Pessoalmente, não é uma imagem que me toca muito, mas é importante para uma religião: ela mostra que, mesmo que a religião não tenha uma cabeça humana para mostrar, há sempre o trono que simboliza a existência de um rei no céu, Deus. Consequentemente, o trono vazio é o símbolo da continuidade. Ele é um dos atout do cristianismo, que sempre evitou as rupturas e para o qual a única ruptura foi a encarnação de Jesus. Pode haver crises, reviravoltas, catástrofes, mas o trono de Deus está sempre lá. Essa eterna associação entre a mudança e a continuidade, encarnada pelo trono vazio, é uma das virtudes do cristianismo.
Como o senhor reagiu à demissão?
Por que ele o fez, na sua opinião?
Ele diz que é por causa da idade e do cansaço, mas, fundamentalmente, ele se retira diante do mundo moderno. Ele se sente incapaz de dominar este mundo, de fazer ouvir suficientemente a voz do Deus dos cristãos e da Igreja Católica neste mundo. Na sua retirada, sintetizam-se a lucidez, a modéstia, a esperança de permitir que a Igreja volte a subir a descida e enfrente melhor o futuro.
E agora o que acontecerá?
É a pergunta mais importante: o que o conclave fará? Certamente, eu não sei, não sou cardeal, nem eclesiástico e muito menos especialista da Igreja contemporânea. Como historiador, olho para o passado: nunca houve um papa que tenha se retirado entre o século XV e hoje. Na Idade Média, houve dois casos. Fala-se sobretudo de Gregório XII, papa no período do Grande Cisma, que se pode dizer que renunciou diante do Concílio de Basileia: na Idade Média, havia quem pensasse que o concílio era superior ao papa. Antes ainda, em 1294, houve Celestino V, do qual Dante fala na Divina Comédia como aquele que fez “a grande recusa”. Apesar das diferenças muito grandes, há algo em comum entre Celestino V e Bento XVI.
A mais de sete séculos de distância, o senhor vê alguma semelhança entre os dois casos?
Como assim? O que há de tão diferente das outras religiões?
Essencialmente por duas razões. A primeira é que o cristianismo distingue o que pertence a Deus e o que pertence a César, não mistura religião e política. A segunda razão é que, apesar dos atrasos e da lentidão, apesar da crise que atinge todas as religiões, ele sobreviveu bastante bem, porque soube se adaptar às mudanças profundas deste mundo. E eu acredito que, nestas horas, estamos assistindo a um daqueles acontecimentos plurisseculares característicos do cristianismo.
O senhor disse que Ratzinger se retira diante da modernidade. Porém, o teólogo que era catalogado como reacionário vai embora com um gesto moderno.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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