quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O sistema de produção de leite não define o nível de bem-estar animal



Por Ana Luiza Mendonça Pinto e Iran José Oliveira da Silva
postado há 22 horas e 29 minutos atrás

O bem-estar é uma característica do animal em determinado momento. A ação humana pode melhorá-lo, mas não fornecê-lo diretamente. Proporcionar um recurso, como água ou sombra, não quer dizer que estamos fornecendo bem-estar ao animal, já que depende de sua capacidade de se ajustar a este recurso. Portanto, o bem-estar animal (BEA) pode variar em uma escala de muito ruim a muito bom e essa variação não apresenta uma relação direta apenas com o sistema de produção, mas com a maneira como são realizadas a condução e as práticas de manejo desses animais. Adotar boas práticas de BEA é fundamental para o aprimoramento das práticas de campo.
Precisamente deve-se distinguir o BEA de conforto térmico animal, esses conceitos são complementares, assim como demonstrado na Figura 1.

FIGURA 1.Esquema explicativo da complementariedade dos conceitos de conforto térmico e/ou ambiência e bem-estar animal (Silva, 2012).

 
A ambiência e/ou conforto térmico faz parte de uma das características das práticas de bem-estar, portanto incluso no BEA e não ao contrário ou no mesmo conceito, trata-se de conceitos diferentes.

É importante salientar que bem-estar animal não é sinônimo de conforto térmico. O primeiro é mais amplo e relaciona-se com a qualidade de vida do animal e sua capacidade de manter-se saudável no sistema em que vive. Para favorecê-lo, além de proporcionar conforto térmico aos animais, deve-se fornecer água e alimento em quantidade e qualidade adequadas, ambiente confortável para o animal deitar e se movimentar sem dor, favorecer trocas sociais saudáveis entre os animais e o ser humano. Conforto térmico ocorre quando o animal não precisa utilizar o seu sistema termorregulador, ou seja, seu gasto de energia para mantença é mínimo. O conforto térmico é um dos diversos fatores que influenciam o bem-estar animal.

Os indicadores de BEA são medidas de parâmetros fisiológicos e comportamentais dos animais, juntamente com a verificação da disponibilidade de recursos oferecidos em quantidade e qualidade adequadas, e critérios relativos à interação entre os humanos e os animais. Exemplos de indicadores utilizados para medir o bem-estar animal são temperatura corporal, frequência respiratória, presença de ferimentos e corrimentos nasal e ocular, escore corporal, nível de sujidades, temperamento, comportamento, disponibilidade de bebedouros, comedouros, sombra e espaço para deitar , dentre outras.

Os sistemas de produção de leite variam entre confinado, semi-confinado e em pasto e independente do sistema produtivo adotado é viável o uso de práticas de manejo que favoreçam o bem-estar dos animais.

Uma pecuária mais extensiva, apesar de ter maior potencial de BEA, não significa automaticamente melhor qualidade de vida para os animais (MOLENTO, 2005). Todos os animais no pasto devem ter área suficiente de pastejo, acesso à água de qualidade, receber suplementação alimentar e sombreamento. Por outro lado, em sistemas super-intensivos de produção (ex. tie-stall) pode haver fornecimento de dieta controlada e ambiente climatizado, mas há restrição da liberdade de movimento. Deve-se atentar para a higiene do ambiente e dos animais, dimensionamento das instalações, manutenção e adequação dos equipamentos de climatização.

Deste modo, verifica-se que há pontos críticos de produção em relação ao BEA em todo tipo de criação. Alguns desses fatores, como a desmama precoce ou a adequação genética ao clima são intrínsecos a determinado sistema de produção e, portanto dificilmente alteráveis para a melhoria do BEA. No entanto, a oferta de alimento e água e o treinamento de funcionários são fatores facilmente remediados em qualquer sistema.

McINERNEY(2004) sugere que há uma complementaridade entre aumento de produção causado por um melhor manejo (nutrição, instalações, controle sanitário etc.) e o aumento no nível de bem-estar (Figura 2). De acordo com a figura 2 abaixo, há um ponto B onde novos aumentos em produtividade resultam em redução de bem-estar crescente. Há uma variedade de sistemas de produção de leite e devido aos fatores intrínsecos a estes sistemas, é provável que sistemas de criação mais intensivos estejam mais perto do ponto D e sistemas extensivos mais acima da curva. O objetivo desta discussão é mostrar a flexibilidade do gráfico em abraçar a diversidade das escolhas de bem-estar de produtividade na realidade pecuária.

Existe um ponto C hipotético que representa o equilíbrio mais adequado entre bem-estar animal e produtividade. Torna-se uma questão de escolha econômica individual (para os consumidores e produtores) de como os animais devem ser criados, e como o equilíbrio entre o valor econômico ligado à sua produtividade e o valor econômico ligado a seu bem-estar deve ser resolvido.

FIGURA 2. A relação entre bem-estar animal e produtividade (MOLENTO, 2005; McINERNEY, 2004)
 

Há diversos estudos que comprovam os efeitos de bem-estar pobre das vacas leiteiras em variados sistemas produtivos. Um efeito bastante simples de ser observado é a redução da expressão de cio dificultando sua detecção. Se a eficiência de detecção de cio é baixa, a eficiência reprodutiva do rebanho também é reduzida devido, principalmente, ao menor número de vacas gestantes em lactação e ao aumento do intervalo entre partos (COSTA e SILVA et al, 2010).

Independente do sistema produtivo a qualidade da mão-de-obra em uma propriedade leiteira é um fator de grande interferência no BEA. A maneira como ocorre a interação humano-animal afeta diretamente no comportamento e na produtividade da vaca leiteira (KROHN et. al., 2001).

Para se implementar um programa eficaz de BEA, o NUPEA (Núcleo de Pesquisa em Ambiência/ Esalq-USP) sugere o uso dos manuais de Boas Práticas de Bem-estar de Animais de Produção. Para a elaboração destes, baseou-se nos princípios preconizados pela Normativa No 56 do MAPA associados a adaptação de alguns protocolos internacionais de BEA à realidade brasileira, tais como WelfareQuality (União Européia) e Humane Farm Animal Care (Estados Unidos da América), e com alguns manuais nacionais de boas práticas de produção animal. O NUPEA propôs-se em atender as seguintes condições enumeradas na TABELA 1.

TABELA 1: Princípios e critérios do sistema de avaliação do bem-estar


Desta forma, ressaltamos que todos os sistemas de produção podem oferecer condições no mínimo satisfatórias ao bem-estar das vacas em lactação, desde que atentem para as boas práticas de produção e bem-estar animal. Deve-se salientar que para cada sistema existem as adaptações inerentes.

Referências Bibliográficas:

BROOM, D.M.; MOLENTO, C.F.M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas – Revisão. Curitiba, v.9, p.1-11, 2004.

COSTA E SILVA, E. V. et al. Estratégias para avaliar bem-estar animal em animais em reprodução. Ciênc. vet. tróp., Recife-PE, v. 13, suplemento 1, p. 20-28, agosto, 2010.

KROHN, C. C. et al. The effect of early handling on the socialization of young calves to humans. Applied Animal Behaviour Science, v.74, P. 121-133, 2001.

MALAFAIA, P.; BARBOSA, J. D.; TOKARNIA, C. H.; OLIVEIRA, C. M. C. Distúrbios comportamentais em ruminantes não associados a doenças: origem, significado e importância. Pesq. Vet. Bras., v. 31(9), p. 781-790, 2011.

McINERNEY, J.P. Animal welfare, economics and policy – report on a study undertaken for the Farm & Animal Health Economics Division of Defra, 2004.

WELFARE QUALITY®, 2009.Welfare Quality® assessment protocol for cattle.Welfare Quality® Consortium, Lelystad Netherlands, ISBN/EAN 978-90-78240-04-4, 180 p.

Silva, I.J.O. Ambiência Pré e Pós Porteira: novos conceitos da ambiência aninal. SIMCRA - Simpósio de Construções Rurais e Ambiência. Palestra - Cd-Rom -. UFV, Viçosa, 2012.

Saiba mais sobre os autores desse conteúdo:

Ana Luiza Mendonça Pinto    São Paulo - São Paulo
Iran José Oliveira da Silva    Piracicaba - São Paulo

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