domingo, 17 de fevereiro de 2013

Ramonet: ‘Antes da concessão de asilo pelo Equador, Assange era herói; agora, virou demônio’


Ramonet: ‘Antes da concessão de asilo pelo Equador, Assange era herói; agora, virou demônio’

Referindo-se ao jornal espanhol ‘El País’, o diretor do ‘Le Monde Diplomatique’, Ignácio Ramonet, em debate no Equador, criticou o comportamento do diário no caso de Julian Assange, fundador do Wikileaks, que teria perdido o apoio do jornal porque “o presidente Rafael Correa precisa ser criticado obrigatoriamente”. O artigo é de Gustavo J. Fuchs, do 'Enlace de Medios'

O diretor do 'Le Monde Diplomatique' e autor do livro “A explosão do jornalismo” conversou com Enlace de Medios durante sua visita ao Equador. Os meios de comunicação e sua relação com o Estado, assim como seu papel nas campanhas eleitorais foram alguns dos temas analisados pelo jornalista.

Celebrando o dia mundial do rádio, Ignácio Ramonet esteve nos estúdios da ALER para conversar com jornalistas latino-americanos que fazem parte do Enlace de Meios para a Democratização da Comunicação. Em uma hora, falou sobre a crise que vivem os grupos midiáticos transnacionais, o poder desses meios na América Latina, a importância do rádio e a atualidade midiática na Europa.

Meios tradicionais e novas tecnologias
Em sua primeira intervenção, Ramonet foi enfático quanto à importância e à vigência do rádio como meio de comunicação. Neste sentido, destacou que o auge das novas tecnologias deu a impressão que o rádio não é tão importante, o que é, defendeu, uma concepção errada: “Em muitas regiões do mundo onde a eletricidade ainda não chegou existem transistores de fácil utilização e que permitem a captura de ondas (...) O rádio segue tendo muita importância em muitas partes do mundo”, afirmou.

Por outro lado, ele se referiu ao papel dos meios de comunicação tradicionais frente às novas tecnologias como as redes sociais, os blogs e os novos sites de esquerda que vem desafiando o monopólio da informação. “A internet fez com que surgissem novos atores no campo da comunicação... Os atores tradicionais hoje em dia estão menos presentes no campo da comunicação/informação e surgiram outros como Google, Facebook, Microsoft ou Twitter”, mas ele adverte também que “são suportes que vão condicionar o conteúdo em certa medida”.

A partir da proliferação de fontes informativas na rede, as grandes empresas transnacionais de comunicação entraram em uma profunda crise: “A crise geral está causando uma verdadeira extinção de meios de comunicação... vimos o fechamento do News of the World... a revista Newsweek fechou há algumas semanas, então vemos que há uma grande crise”.

A mídia na América Latina e na Europa
Ao ser questionado sobre o papel dos meios de comunicação na América Latina, Ramonet caracterizou como “anormal” o comportamento tanto de meios comerciais como de meios públicos. “Não é normal que assumam um caráter profundamente ideológico e que essencialmente tenham como objetivo a derrubada de governos. 

Estamos falando do que ocorreu com um jornal como o ABC Color no Paraguai para derrubar Lugo, do golpe midiático contra Chávez em 2002. Essa atitude da mídia não é normal. Isso não quer dizer que não tenha direito à crítica ou à opinião. Do mesmo modo não é normal que os meios públicos virem meios do governo, por isso estamos vivendo um momento particular na América Latina. Há uma guerra midiática e nesta guerra não há serenidade nem de um lado nem do outro”.

Na mesma linha de pensamento, Ramonet afirmou que o papel dos meios públicos e seu posicionamento em favor do governo não pode ser considerado como um elemento decisivo em termos eleitorais já que a campanha que fazem os meios de direita – que atuam como um partido de oposição – é permanente.

O diretor da ALAI, Osvaldo León, levantou o caso do império de Rupert Murdoch, que foi investigado na Inglaterra, onde o informe do juiz Leveson questionou a efetividade da chamada auto-regulação midiática. Como bem assinalou León, “isso nunca foi notícia por estes lados (...) Como está o debate sobre esse tema na Europa? Está na agenda” – indagou.

Ramonet disse que “o que ocorreu na Inglaterra é que agora o próprio David Cameron, um primeiro ministro conservador, fala do projeto de criar um limite concreto à liberdade de expressão”. Ele destacou, neste sentido, como esse conceito de liberdade de expressão foi manipulado para sustentar uma espécie de direito ilimitado.

“O melhor sempre é a auto-regulação, ou seja, que haja alguns princípios que devam ser respeitados e que, quando forem desrespeitados, as pessoas respondam por isso”, observou Ramonet. O exemplo da legislação francesa em torno da liberdade de expressão – vigente desde 1881 – foi utilizado pelo entrevistado para demonstrar que nas democracias consolidadas existem mecanismos de regulação. 

“Na França, por exemplo, há uma lei no Código Penal que proíbe insultar um chefe de Estado estrangeiro. Imagine se isso fosse aplicado em vários países da América Latina em relação a Hugo Chávez ou a Fidel Castro. Muitos periódicos, por toda a América Latina, tratam esses dirigentes de uma maneira totalmente desrespeitosa”.

El País, Assange e Chávez
Referindo-se ao jornal espanhol El País, Ramonet descreveu o comportamento do diário no caso de Julian Assange, o australiano fundador do Wikileaks hoje asilado na embaixada do Equador, em Londres. “Há um ano, ou um ano e meio, Julian Assange era um herói. A partir do momento em que o Equador deu asilo diplomático a Assange ele se tornou uma espécie de demônio, e não se falou mais nele, porque evidentemente o presidente Rafael Correa precisa ser criticado obrigatoriamente, segundo esse diário”.

O caso da falsa foto do presidente Chávez publicada na capa do El País também foi comentado pelo ex-diretor do Le Monde Diplomatique, que assinalou: “claro, disseram que ignoravam que a foto era falsa... mas, evidentemente, se não dedicaram o tempo necessário para verificar se era falsa é porque tinham, na verdade, vontade de provocar dano, porque dedicam muito tempo tratando de provocar danos à revolução bolivariana, assim como tem muito tempo também para criticar a revolução cidadã no Equador.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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