Segundo o sociólogo Jessé Souza, “a discussão acerca da chamada ‘nova classe média’ é o debate social, econômico e político mais importante do Brasil contemporâneo”. Como não poderia deixar de ser, nos últimos meses a mídia brasileira tem produzido várias reportagens que abordam este inédito fenômeno social.
Francisco Fernandes Ladeira
Francisco Fernandes Ladeira
Sendo assim, o Bom Dia Brasil de terça-feira (21/2) divulgou os resultados de uma pesquisa realizada pelo instituto Data Popular sobre o tema. De acordo com o estudo, 65% dos moradores das favelas brasileiras podem ser classificados como “classe média”. Ou seja, a maioria dos habitantes das áreas socialmente precárias pertence às camadas intermediárias da pirâmide social. “Classe média são famílias que têm renda de R$ 2,6 mil. Isso quer dizer que a vida melhorou. Hoje, o consumo das favelas é de R$ 56 bilhões”, enfatizou Renato Meirelles, pesquisador do Data Popular.
De acordo com os dados apresentados pelo instituto, em 2002, de cada 100 moradores de favelas, 32 estavam na classe média. Em 2013, o número subiu para 65 em cada 100. “Agora, mais gente tem em casa computadores e máquina de lavar roupa, por exemplo”, destacou o repórter Flávio Fachel. Ainda segundo a reportagem do Bom Dia Brasil, a educação, o emprego com carteira assinada, o empreendedorismo, a redução da pobreza extrema e as oportunidades que surgiram com a chegada das Unidades de Polícia Pacificadora foram peremptórios para melhorar as condições de vida dos moradores das favelas brasileiras.
“Não tem classe nova, muito menos média”
Todavia, diante dessa intrigante realidade, cabem aqui algumas considerações. Os milhões de brasileiros que ascenderam socialmente nos últimos dez anos formam, verdadeiramente, uma “nova classe média”? Ademais, quais critérios devem ser utilizados para classificar uma determinada classe social?
Decerto, são questões polêmicas que podem gerar acirrados debates. Entretanto, é preciso salientar que os estudos sobre as classes sociais devem ir além das tradicionais abordagens. Desse modo, outros fatores, além da variável renda (como a capacidade de converter capital econômico em capital cultural, por exemplo), devem ser utilizados para definir uma classe social. “Classes sociais não são determinadas pela renda, nem pelo simples lugar na produção, mas sim, por uma visão de mundo ‘prática’ que se mostra em todos os comportamentos e atitudes”, apontou Jessé Souza, no livro Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?. Portanto, aspectos econômicos e ocupacionais são condições necessárias, mas não suficientes, para determinar uma classe.
Opinião análoga é compartilhada por Marcio Pochmann, autor do livro Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira: “Não tem classe nova, muito menos média. O que se tem é uma ampliação da classe trabalhadora. [...] São ocupações [vinculadas à terceirização, ao trabalho temporário, à prestação de serviços as famílias, à construção civil] e rendas [remunerações em torno de 1,5 salário] típicas da classe trabalhadora. [...] Seja pelo nível de rendimento, seja pelo tipo de ocupação, seja pelo perfil e atributos pessoais, o grosso da população emergente não se encaixa em critérios sérios e objetivos que possam ser claramente identificados como classe média.”
Falácia sociológica
Mesmo o aumento do padrão de consumo, festejado tanto pela mídia hegemônica quanto pela propagando governamental como a principal característica da nova classe média já começa a apresentar efeitos colaterais. Segundo o estudo Perfil do consumidor com e sem dívidas no Brasil, realizado em parceria entre a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quase metade (47%) dos consumidores brasileiros inadimplentes pertencem a “nova classe média”. Não obstante, o consumo da “nova classe média” está associado mais ao crédito fácil do que propriamente ao aumento do poder aquisitivo. “Por isso temos hoje no Brasil uma massa de inadimplentes”, frisou Donizét Píton, especialista em Defesa do Consumidor, em entrevista a um programa da Bandeirantes.
Lembrando o pensador indiano Amartya Sen, Prêmio Nobel de economia em 1998, a questão do desenvolvimento deve ser pensada além do fator monetário. Devemos assim levar em conta fatores extra-econômicos como liberdade de escolha individual, moradia digna, alimentação adequada e acesso a serviços públicos de saúde e educação de qualidade. Nesse sentido, a observação de Mariana de Oliveira, moradora de uma favela carioca entrevistada pela equipe do Bom Dia Brasil, é emblemática. Ao ser questionada sobre o fato de pertencer a classe média, Mariana foi enfática: “Classe média? O pessoal fala, mas eu não me sinto muito não. Eu acho que faltam muitas coisas para poder melhorar o lugar aqui onde eu moro. Tem muita vala aberta ainda, muito lixo”.
Em última instância, parafraseando o supracitado professor Jessé Souza, definir como “classe média” os milhões de brasileiros que ascenderam socialmente nos últimos anos é a maior falácia sociológica do Brasil contemporâneo.
Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG
Adorei!
ResponderExcluir