domingo, 10 de março de 2013

Copom mantém taxa de juros


Causa espanto o questionamento, encabeçado por parte de setores ligados aos interesses do financismo, a respeito das razões que teriam levado o colegiado a não elevar o custo do dinheiro. Como se a alta na Selic fosse uma medida óbvia a ser adotada na reunião

Paulo Kliass
A segunda reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) desse ano, realizada em 5 e 6 de março, concluiu pela manutenção da taxa oficial dejuros no patamar de 7,25% ao ano. O aspecto que mais chama a atenção não é exatamente a decisão de não elevar a taxa SELIC. Afinal os dados relativos ao desempenho da economia em 2012 apontam para a necessidade de retomada mais efetiva do ritmo de atividade econômica. O que causa espanto é que haja mesmo um questionamento, encabeçado por parte de setores ligados à defesa explícita e arraigada dos interesses do financismo, a respeito das razões que teriam levado o colegiado a não elevar o custo do dinheiro. Como se a alta na SELIC fosse uma medida óbvia e inquestionável a ser adotada na reunião.
Ora, uma das marcas que diferenciam a gestão da Presidenta Dilma daquela de seu predecessor é justamente a sua capacidade de influenciar mais diretamente os rumos e as decisões relativas à política econômica de seu governo. Durante os 2 mandatos de Lula, a condução da política monetária estava delegada, com total liberdade de ação, ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. E o detalhe era que o cidadão havia sido convidado para ocupar o posto depois de uma longa e exitosa carreira como dirigente do sistema financeiro privado. Ao final, deixou a presidência internacional do Bank of Boston para retornar ao Brasil, elegeu-se deputado federal pelo PSDB e largou tudo quando recebeu o convite de Lula, por uma sugestão de Palocci. Os resultados dessa aventuradesastrosa e irresponsável estão sendo sentidos até hoje em nossas terras: i) aumento da dívida pública; ii) comprometimento do orçamento público para pagamento de juros e serviços desse endividamento; iii) reforço da tendência à financeirização da nossa economia, entre tantos outros.
SELIC em baixa de 12,50% a 7,25% ao ano
Com a nova administração a partir de 2011, o Banco Central deixa de usufruir da suposta "œindependência"€ que existia até então. Isso porque não se conhece caso de administração de política monetária no mundo que seja marcada pela "€œneutralidade técnica"€. O discurso que propõe o sedutor modelo da "€œautoridade monetária independente"€, na verdade, esconde a realidade de que a economia do País vai ser conduzida diretamente pelos interesses da banca privada. Por maior que possa ser o conteúdo técnico de uma decisão sobre taxa de juros, no fundo trata-se de uma decisão política. E nada mais correto que assim o seja, pois quem foi eleito para governar - e, assim, tem legitimidade para tanto - foi o chefe de governo e não um colegiado da tecnocracia. Por sua própria formação e por seu estilo de trabalho, Dilma mantém uma relação de maior proximidade com Tombini e parece acompanhar com mais detalhe a evolução das decisões do COPOM. Essa determinação talvez esteja na base da explicação do porque, meio ano após sua posse, a tendência da SELIC tenha apresentado um comportamento inédito até então. Ao longo de 10 reuniões seguidas, o Conselho decidiu por também 10 reduções sucessivas na taxa de juros do Banco Central. Ela saiu de 12,50% em agosto de 2011 até estacionar nos atuais 7,25% em outubro de 2012.
Os resultados oficiais, divulgados recentemente pelo IBGE, a respeito do crescimento do PIB brasileiro não confirmaram as versões otimistas que se tentou passar ao longo do ano passado. Nosso produto cresceu apenas 0,9%, muito abaixo da média dos países vizinhos, da América Latina e mesmo dos similares do bloco dos BRICs. Frente a esse quadro, a última ferramenta que se pode imaginar um governo lançar mão é o aumento da taxa oficial de juros. Seria mesmo uma loucura! Um verdadeiro tiro no pé, tendo em vista o desejo generalizado e a necessidade premente de retomada da atividade econômica em níveis mais elevados.
Retomada dos investimentos exige taxas de juros baixas
Uma das sinalizações mais importantes, sem dúvida alguma, para acelerar o crescimento é a taxa de juros. A manutenção ou mesmo a redução na SELIC indica a disposição do governo em incentivar a redução do custo do dinheiro, E portanto a diminuição da parcela de recursos que a sociedade, em seu conjunto, gasta com atividades parasitas vinculadas ao financismo. É claro quer tal medida necessita vir acompanhada de outras, como aliás já vem sendo feito, de maneira a que a decisão relativa à SELIC seja também sentida na ponta do balcão, no custo nas operações de crédito e dos empréstimos. Ou seja, é preciso que os bancos e demais instituições financeiras promovam uma redução das taxas praticadas nas operações com famílias e empresas.
A análise dos números do PIB do ano passado mostra que, dentre os fatores explicativos do baixo crescimento verificado, encontra-se a baixa capacidade apresentada pelos investimentos. Em relação a 2011, houve mesmo uma retração superior a 4% nesse quesito estratégico para o futuro de qualquer país. A participação daquilo que o economês chama de "€œformação bruta de capital fixo"€ (FBCF) - variável que procura medir o investimento na economia - no PIB foi pouco superior a 18%. Ocorre que para crescer sem riscos de choque de infraestrutura a níveis de 4% ou 5% em seu Produto, o País precisaria elevar sua capacidade de investir para algo em torno de 25% do PIB. Isso significa que, além das medidas de estímulo tributário e incentivo à setores como energia, telecomunicações e transportes, o governo precisa sinalizar a manutenção de taxas reais de juros que estimulem o investimento produtivo. Nesse sentido, uma elevação na SELIC significaria o pior dos mundos para a retomada do crescimento econômico sustentado.
Na prática, torna-se necessário operar uma reorientação de prioridades. Ao invés de continuar estimulando o modelo de viés meramente consumista, como tem ocorrido até o momento, o Brasil precisa incentivar o crescimento da parcela da Renda Nacional associada à poupança agregada e ao investimento agregado na economia. E para obter êxito nessa empreitada, o primeiro passo é desestimular a atividade financista. Para tanto, o caminho a ser trilhado exige patamar de custo financeiro relativamente reduzido para operações e atividades de crescimento do parque produtivo e de serviços, para novas máquinas e equipamentos, para ampliação da infraestrutura e demais necessidades vinculadas ao investimento.
O financismo ameaça com o volta da inflação
Ao optar por não elevar a SELIC, o COPOM também refletiu uma prioridade de governo. Apesar dos incessantes reclamos do financismo estampados nas páginas e telas de economia dos grandes meios de comunicação, tudo indica que as autoridades monetárias não se deixaram levar desta feita nem pela força do "€œlobby"€ da banca nem pelo canto de sereia das viúvas da época de ouro do neoliberalismo. Isso porque o discurso afinado para justificar a elevação da taxa oficial de juros vem embutido com a tentativa de criação de um falso clima de catastrofismo no País, associado a eventual retorno do risco inflacionário. Some-se a tal argumento, o já surrado discurso contra o suposto descontrole da política fiscal, a conhecida crítica ao “exagero dos gastos públicos” na rubrica despesas correntes. Ocorre que a malandragem mora no detalhe: omite-se a enormidade de recursos despendidos do orçamento público com pagamento de juros e serviç o da dívida de União, Estados e Municípios. De acordo com tal visão, amparada pela esperteza conceitual do superávit primário, despesas com rubrica financeira merecem tratamento VIP e não podem ser cortadas como as demais consideradas supérfluas, a exemplo de saúde, educação, previdência social, entre outras. Uma absurda inversão de valores e de prioridades na gestão da coisa pública.
Na verdade, cabe ao governo zelar pela manutenção dos índices de inflação dentro do patamar razoável, hoje representado pelas metas oficiais. O intervalo aceito atualmente é de um crescimento anual de preços localizado entre 2,5% e 6,5%. Até o presente momento, a situação está sob controle e nada indica existência de cenários que reforcem os argumentos apocalípticos de plantão. E mesmo que haja alguma alteração inesperada, existe um conjunto de medidas a serem adotadas pelo governo para coibir o crescimento de preços sem a necessidade de voltar a lançar mão da alta da SELIC. Caso haja algum foco setorial ou sobre determinado produto (nos meses recentes a pressão tem sido na área de alimentos), existe sempre a possibilidade de lançar mão de importação temporária ou outros estímulos para assegurar a oferta desses bens e cortar o risco de inflação pela raiz.
Finalmente, vale observar que o momento que vivemos deveria servir para uma análise mais profunda dos próprios instrumentos de política monetária e de questionamento de sua eficácia para atingir os objetivos a que se propõem. Nos países ditos desenvolvidos, por exemplo, as autoridades econômicas começam a incorporar outras referências de acompanhamento do desempenho de suas economias, para além da inflação ou da elevação da taxa de juros. Por exemplo, começam a ser incorporados valores que até bem pouco tempo eram considerados verdadeiras heresias, tais como metas de crescimento da economia, de IDH ou de manutenção do nível de emprego. Esse movimento é tão amplo e expressivo que até mesmo o ex-Ministro da economia durante a década de 1970 e ex-integrante do CDES,Delfim Neto, escreveu recentemente um artigo surpreendente. Na verdade, trata-se de uma profunda autocrítica e um convite a reavaliar os limites e os alcances do receituário de política monetária usado até o momento.
"Diante de tanta confusão "científica", é preciso recomendar humildade aos nossos sacerdotes adoradores da religião do "tripé", que supõem que não existe vida fora da manipulação da taxa Selic."
Ao decidir pela manutenção da SELIC, o COPOM oferece uma indicação positiva para viabilizar a retomada do investimento e para que seja possível atingirmos um crescimento do PIB em 2013 superior aos resultados pífios dos anos anteriores. Quem sabe nossas autoridades comecem a perceber que - sim! - é possível haver vida fora da manipulação da taxa oficial de juros.
Paulo Kliass é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

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