Jean-Jacques Annaud, um apaixonado pelo cine russo em plena Hollywood
Nesta entrevista, o diretor francês Jean-Jacques Annaud fala sobre sua paixão pela cinematografia russa e sobre como conseguiu filmar a história do cerco de Stalingrado a partir do ponto de vista de um soldado soviético e do Exército Vermelho. "É claro que foi difícil", afirmou. "Mas eu sempre fui atraído por esse vasto país, por sua alma sofrida e prodigiosa e por seu grande povo".
Pravda.ru
Já faz três décadas que o diretor francês Jean-Jacques Annaud é uim dos mais reconhecidos diretores do mundo. É famoso por seus filmes de grande orçamento, encenado em locais remotos (Sete Anos no Tibet, Círculo do fogo), com ambientações históricas (Ouro negro, O Nome da Rosa), ou por tratar de temas desafiadores (O Urso, O Amante).
Círculo de fogo, filmado em 2001, tratou do cerco de Stalingrado e foi rodado no território da antiga Alemanha Oriental. Esse trabalhou também acabou virando um livro, ‘Jean-Jacques Annaud: um cinema sem fronteiras’. A seguinte entrevista foi concedida logo antes de uma viagem do diretor a Pequim, onde se passará seu próximo filme.
Por que o senhor trabalha com temas tão exóticos? As coisas do cotidiano não lhe interessam?
Vivo confortavelmente neste mundo contemporâneo. As cidades, aeroportos, cinemas já fazem parte do meu cotidiano. Quando vou ver um filme, gosto de sair do espaço-tempo rotineiro, de ser transportado para outro lugar, mais bonito, mais forte, mais perigoso, mais emocionante do que a minha cozinha.
Por que fez um filme sobre Stalingrado? Como foi possível, em Holywood, adotar o ponto de vista de um soldado soviético e do Exército Vermelho?Eu tinha muita vontade de abordar a questão da Rússia. Eu sempre fui atraído por este vasto país, por sua alma sofrida e prodigiosa e por seu grande povo. Eu queria compartilhar esse impulso com o público que não costuma ver obras de cinema russo espontaneamente. Filmes soviéticos foram decisivos para mim, graças a um de meus professores do Instituto de Cinema 1, Georges Sadoul, um comunista de destaque, além de estudioso de cinema na União Soviética. Mas é claro que foi um desafio rodar em Hollywood um filme de grande orçamento sobre um herói não americano. Eu recebi ajuda de um dos executivos da empresa de produção que havia me contratado, que era descendente de imigrantes russos. Em Los Angeles eu já sou conhecido por minha preferência por assuntos atípicos. Decidi filmar em inglês para evitar ser relegado ao mundo do ‘cinema de arte’. E defini que os "bons”, os no caso os russos, fossem interpretados por atores britânicos (Jude Law, Jo Fiennes, Rachel Weiss) e os “maus”, os alemães, por atores norte-americanos (Ed Harris). A Paramount me apoiou neste desafio.
De onde vem seu interesse por esta guerra? Eu comprei uns cem livros sobre ela. Sobre a batalha em si, na frente russa, sobre Stalin, Hitler, o armamento de cada uma das partes, os franco-atiradores e suas técnicas. O livro que mais me impressionou foi ‘Vida e destino’, de Vasily Grossman, que foi correspondente do Pravda em Stalingrado. Eu também assisti a vários documentários de diferentes nacionalidades. E projeções de imagens inéditas que estão armazenados na Cinemateca de Moscou e também na Alemanha. Passei uma semana visitando o museu em Volgogrado e seus arquivos, onde eu encontrei o livro do meu herói, Vassili Zaitsev. E ainda contratei os serviços de um historiador da Universidade de Moscou.
Você estudou os historiadores russos para preparar o seu filme?Além do texto de Grossman, cativou-me livros Simonov e, claro, o livro de entrevistas com veteranos publicados por William Craig, ‘Enemy at the Gates’, onde há três páginas dedicadas à história inspiradora do franco-atirador Zaitsev. Alguns meses antes da estreia, um historiador inglês publicou um livro com o título de ‘Stalingrado’. Ele negou a realidade histórica de Zaitsev, o que consideravelmente arranhou a credibilidade do filme. Veteranos soviéticos também me deram problemas, lamentando que eu não tinha dado muita importância ao grande número de alemães que pereceram sob as balas.
Você é um ávido viajante. Que regiões da Rússia e da antiga União Soviética conhece melhor?
Tenho ido muitas vezes a Moscou. São Petersburgo é uma das minhas cidades favoritas no mundo. Eu estava lá quando ainda se chamava Leningrado. No sul, tenho boas recordações da região próxima Letônia, especialmente o mosteiro fortificado de Pskov. Como um bom cineasta, costumo ir ao cinema e sou apaixonado pelo cinema soviético.
Quem são seus preferidos no cinema soviético?
Sem dúvida, o meu trabalho é muitas vezes inspirados por Pudovkin, Dziga Vertov, Donskoi e, obviamente, Eisenstein. Eu sempre alimentei uma paixão por seus poderosos filmes, como ‘O encouraçado Potemkin’, ‘Alexander Nevsky’, ‘Ivan, o Terrível’, e ‘Outubro’. E eu amo as composições de Prokofiev. Sou um fã de música russa, da literatura russa, da pintura russa...
Você defende um cinema épico. Poderia explicar esta escolha?Eu cresci nos subúrbios de Paris, um lugar bom e agradável em que naquele tempo nada acontecia. As três ruas paralelas não levavam a lugar algum. Então eu amava o bairro do cinema, quando a tela se abria, uma vida melhor que a minha. Quando entrei na escola de cinema, a ‘Nouvelle Vague’ ainda era forte, mas havia caído numa repetição pedante e estéril. Me enfurecia que a França, o país onde os irmãos Lumière realizaram a sua invenção, um país que tinha oferecido filmes surpreendentes e bonitos por décadas, agora se especializava em dramas que se limitavam a problemas domésticos.
Que filmes ou cineastas hoje você gosta? Como vê o cinema dos EUA?Estou muito ligado a um tipo de cinema narrativo. Admiro os colegas que adicionam uma dimensão espetacular e "divertida", no melhor sentido da palavra. Penso nas grandes obras de Milos Forman, Polanski, Francis Ford Coppola, Ridley Scott, Zhang Yimou, Ang Lee. Um dia, Forman me enviou uma carta depois da exibição de um dos meus filmes, em que ele disse: "Você me fez sentir inveja". Pessoalmente, é a maior satisfação que eu posso ter após o lançamento de um filme. O cinema norte-americano, como todo mundo sabe e diz em Nova York ou Hollywood, está perdendo sua alma devido à globalização e à pirataria crescente, os êxitos instantâneos, os números da primeira semana. Assim, o único público que se move, que está disponível no dia da estreia, é aquele que é formado com os jogos da internet e vídeo e que passa mais tempo na vida digital que na vida real. Esse público vai ao cinema para ver o mesmo material, mas ainda melhor. Eu amo esses gostos que mudam como o mundo muda.
Círculo de fogo, filmado em 2001, tratou do cerco de Stalingrado e foi rodado no território da antiga Alemanha Oriental. Esse trabalhou também acabou virando um livro, ‘Jean-Jacques Annaud: um cinema sem fronteiras’. A seguinte entrevista foi concedida logo antes de uma viagem do diretor a Pequim, onde se passará seu próximo filme.
Por que o senhor trabalha com temas tão exóticos? As coisas do cotidiano não lhe interessam?
Vivo confortavelmente neste mundo contemporâneo. As cidades, aeroportos, cinemas já fazem parte do meu cotidiano. Quando vou ver um filme, gosto de sair do espaço-tempo rotineiro, de ser transportado para outro lugar, mais bonito, mais forte, mais perigoso, mais emocionante do que a minha cozinha.
Por que fez um filme sobre Stalingrado? Como foi possível, em Holywood, adotar o ponto de vista de um soldado soviético e do Exército Vermelho?Eu tinha muita vontade de abordar a questão da Rússia. Eu sempre fui atraído por este vasto país, por sua alma sofrida e prodigiosa e por seu grande povo. Eu queria compartilhar esse impulso com o público que não costuma ver obras de cinema russo espontaneamente. Filmes soviéticos foram decisivos para mim, graças a um de meus professores do Instituto de Cinema 1, Georges Sadoul, um comunista de destaque, além de estudioso de cinema na União Soviética. Mas é claro que foi um desafio rodar em Hollywood um filme de grande orçamento sobre um herói não americano. Eu recebi ajuda de um dos executivos da empresa de produção que havia me contratado, que era descendente de imigrantes russos. Em Los Angeles eu já sou conhecido por minha preferência por assuntos atípicos. Decidi filmar em inglês para evitar ser relegado ao mundo do ‘cinema de arte’. E defini que os "bons”, os no caso os russos, fossem interpretados por atores britânicos (Jude Law, Jo Fiennes, Rachel Weiss) e os “maus”, os alemães, por atores norte-americanos (Ed Harris). A Paramount me apoiou neste desafio.
De onde vem seu interesse por esta guerra? Eu comprei uns cem livros sobre ela. Sobre a batalha em si, na frente russa, sobre Stalin, Hitler, o armamento de cada uma das partes, os franco-atiradores e suas técnicas. O livro que mais me impressionou foi ‘Vida e destino’, de Vasily Grossman, que foi correspondente do Pravda em Stalingrado. Eu também assisti a vários documentários de diferentes nacionalidades. E projeções de imagens inéditas que estão armazenados na Cinemateca de Moscou e também na Alemanha. Passei uma semana visitando o museu em Volgogrado e seus arquivos, onde eu encontrei o livro do meu herói, Vassili Zaitsev. E ainda contratei os serviços de um historiador da Universidade de Moscou.
Você estudou os historiadores russos para preparar o seu filme?Além do texto de Grossman, cativou-me livros Simonov e, claro, o livro de entrevistas com veteranos publicados por William Craig, ‘Enemy at the Gates’, onde há três páginas dedicadas à história inspiradora do franco-atirador Zaitsev. Alguns meses antes da estreia, um historiador inglês publicou um livro com o título de ‘Stalingrado’. Ele negou a realidade histórica de Zaitsev, o que consideravelmente arranhou a credibilidade do filme. Veteranos soviéticos também me deram problemas, lamentando que eu não tinha dado muita importância ao grande número de alemães que pereceram sob as balas.
Você é um ávido viajante. Que regiões da Rússia e da antiga União Soviética conhece melhor?
Tenho ido muitas vezes a Moscou. São Petersburgo é uma das minhas cidades favoritas no mundo. Eu estava lá quando ainda se chamava Leningrado. No sul, tenho boas recordações da região próxima Letônia, especialmente o mosteiro fortificado de Pskov. Como um bom cineasta, costumo ir ao cinema e sou apaixonado pelo cinema soviético.
Quem são seus preferidos no cinema soviético?
Sem dúvida, o meu trabalho é muitas vezes inspirados por Pudovkin, Dziga Vertov, Donskoi e, obviamente, Eisenstein. Eu sempre alimentei uma paixão por seus poderosos filmes, como ‘O encouraçado Potemkin’, ‘Alexander Nevsky’, ‘Ivan, o Terrível’, e ‘Outubro’. E eu amo as composições de Prokofiev. Sou um fã de música russa, da literatura russa, da pintura russa...
Você defende um cinema épico. Poderia explicar esta escolha?Eu cresci nos subúrbios de Paris, um lugar bom e agradável em que naquele tempo nada acontecia. As três ruas paralelas não levavam a lugar algum. Então eu amava o bairro do cinema, quando a tela se abria, uma vida melhor que a minha. Quando entrei na escola de cinema, a ‘Nouvelle Vague’ ainda era forte, mas havia caído numa repetição pedante e estéril. Me enfurecia que a França, o país onde os irmãos Lumière realizaram a sua invenção, um país que tinha oferecido filmes surpreendentes e bonitos por décadas, agora se especializava em dramas que se limitavam a problemas domésticos.
Que filmes ou cineastas hoje você gosta? Como vê o cinema dos EUA?Estou muito ligado a um tipo de cinema narrativo. Admiro os colegas que adicionam uma dimensão espetacular e "divertida", no melhor sentido da palavra. Penso nas grandes obras de Milos Forman, Polanski, Francis Ford Coppola, Ridley Scott, Zhang Yimou, Ang Lee. Um dia, Forman me enviou uma carta depois da exibição de um dos meus filmes, em que ele disse: "Você me fez sentir inveja". Pessoalmente, é a maior satisfação que eu posso ter após o lançamento de um filme. O cinema norte-americano, como todo mundo sabe e diz em Nova York ou Hollywood, está perdendo sua alma devido à globalização e à pirataria crescente, os êxitos instantâneos, os números da primeira semana. Assim, o único público que se move, que está disponível no dia da estreia, é aquele que é formado com os jogos da internet e vídeo e que passa mais tempo na vida digital que na vida real. Esse público vai ao cinema para ver o mesmo material, mas ainda melhor. Eu amo esses gostos que mudam como o mundo muda.
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