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– 02/03/2013
Qual a origem das reformas que transformaram país em potência global. Por que relacionam-se a política — não a capitalismo
Por José Luís Fiori*
“Sou leigo no campo da economia. Fiz alguns comentários a respeito do assunto,
mas todos de um ponto de vista político.
Por exemplo, propus uma política de abertura econômica chinesa para o mundo exterior,
mas, quanto aos detalhes ou especificidades de sua implementação,
sei muito pouco de fato.”
mas todos de um ponto de vista político.
Por exemplo, propus uma política de abertura econômica chinesa para o mundo exterior,
mas, quanto aos detalhes ou especificidades de sua implementação,
sei muito pouco de fato.”
Deng Xiaoping, cit. in H. Kissinger, Sobre a China
A história não se repete, nem pode ser transformada em receita. Mas ela pode ensinar os que desejam aprender, como se fosse um velho e bom professor. Haja vista o caso do extraordinário desenvolvimento econômico chinês das últimas décadas. A explicação dos economistas costuma sublinhar a importância demiúrgica das reformas liberalizantes, ou a eficácia das políticas econômicas heterodoxas, apesar de que Deng Xiaoping– considerado pai do “milagre econômico chinês — sempre tenha insistido na natureza política e estratégica do seu projeto reformista, muito mais do que econômica. Como se ele estivesse apontando para a lua, enquanto os economistas insistissem em olhar apenas para o seu dedo, devido a sua grande dificuldade de compreender racionalidades que não se submetam à “lógica utilitária”. Sendo assim, qual foi então este ponto de partida político do “milagre econômico” chinês, a que se refere insistentemente Deng Xiaoping?
Não é fácil reconstruir e sintetizar um processo tão complexo. Mas parece não haver dúvida que “o grande salto capitalista” da China, começou no final da década de 1950, com a ruptura entre o comunismo chinês e o soviético. Uma ruptura ideológica que se transformou numa disputa de fronteira, durante toda a década de 60, culminando com o conflito militar do Rio Ussuri, em 1969. A partir daí, a URSS aumentou geometricamente sua força militar junto à fronteira chinesa, e a China respondeu ao cerco russo, com seus primeiro teste nuclear, em 1964, e com o lançamento do seu primeiro foguete balístico, em 1966.
O sentimento de ameaça e insegurança crescente levou Mao Tse Tung a convocar de volta, em 1969, um grupo de quatro marechais do Exército de Libertação Popular, que haviam sido expurgados pela Revolução Cultural – Chen YI, Nie Rongzhen, Xu Xiangqian e Ye Jianying – com a tarefa de apresentar um mapa das opções estratégicas da China, frente aos desafios criados pela ruptura do bloco comunista. O diagnóstico da alta comissão militar foi terminante, e suas propostas mudaram a história da política externa chinesa. A URSS era definida como a principal ameaça à segurança chinesa, e deveria ser contida através de uma politica militar de “defesa ativa”, e de uma estratégia política-diplomática “ofensiva”, de reaproximação com os EUA. No ano seguinte, no dia 8 de dezembro de 1971, chegou à Casa Branca, em Washington, a mensagem do primeiro-ministro, Chou en Lai, que deu início a uma das transformações geopolíticas mais importantes do século XX.
Em nome da nova estratégia, na reunião presidencial de 1972, entre os presidentes Mao Tse Tung e Richard Nixon, Mao colocou entre parêntesis as divergências dos dois sobre a questão de Taiwan, e propôs ao presidente Nixon uma “linha horizontal” de contenção da URSS, que passava pelo Oriente Médio, e chegava até o Japão. Na sequência, e como forma de fortalecer a capacidade defensiva da China, o primeiro-ministro Chou en Lai propôs, em 1975, o seu programa das “quatro modernizações” que foram implementadas por Deng Xiaoping, a partir de 1978. Seguindo esta mesma estratégia, o governo de Deng Xiaoping promoveu em 1979 uma invasão preventiva do Vietnã, para impedir a expansão da influência militar soviética na Indochina, com o conhecimento do Japão e com o apoio logístico do governo Jimmy Carter, em Washington. A nova estratégia militar e econômica encerrou definitivamente a Revolução Cultural (1965-1974) e fortaleceu o estado central chinês, que recuperou sua condição milenar de guardião moral da unidade e do “interesse universal” do território continental e da civilização chinesa. Uma sociedade multitudinária que se vê a si mesma como uma civilização superior, homogênea e com pelo menos 2300 anos de existência, a despeito do “século de humilhação” que lhe foi imposto à China, pela “barbárie europeia”, entre 1842 e 1945.
Depois do fim da URSS, a China se reaproximou da Rússia e redefiniu seu “mapa estratégico”, mas manteve sua fidelidade ao ponto de vista político de Deng Xiaoping: o desenvolvimento da China deve estar sempre a serviço da sua política de defesa. Neste sentido, se nossa hipótese estiver correta, e mesmo que a história não se repita, o mais provável é que a nova Doutrina Obama de contenção da China reforce e expanda a “economia de guerra” do país, acelerando e aprofundando sua “conquista do oeste” e sua integração com a Rússia e com a Ásia Central. Por fim, esta história deixa uma lição surpreendente: para os chineses, o desenvolvimento capitalista é apenas um instrumento a mais de defesa de sua civilização milenar, contra os sucessivos cercos e invasões dos “povos bárbaros”.
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* José Luís Fiori é professor titular de Economia Política Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É autor dos livros, “O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações”, Ed. Boitempo, 2007. E é coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPQ/UFRJ, “O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo”, www. poderglobal.net. Para ler o conjunto de suas contribuições a Outras Palavras, clique aqui.
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