sexta-feira, 25 de abril de 2014

Famílias no Brasil abrigam desemprego e baixos rendimentos

Chama a atenção na situação predominante da desigualdade de

rendas no país as diferenças entre as distribuições pessoais e familiares.


José Carlos Peliano (*)
Arquivo

A situação da renda no Brasil na última década melhorou consideravelmente como nunca se presenciou desde que o IBGE começou a levantar os dados respectivos. Tanto as distribuições de renda pessoal e familiar apresentaram ambas tendências claras de redução da desigualdade, muito embora os índices calculados ainda se situem em patamares elevados.

De fato, a última década (2000-2010) presenciou não só recuperação econômica nos setores de atividade, especialmente industrial e agrícola, mas também programas de governo que abriram oportunidades de trabalho e aumentaram as rendas dos mais pobres. Muitos deles entraram para o mercado depois de procurarem trabalho várias vezes sem sucesso e de ficarem esquentando cadeira em casa durante muito tempo.

Há muita coisa a ser feita para a admissão de trabalhadores em níveis ocupacionais mais qualificados e com salários melhores, incluindo formações profissionais focadas especificamente para as atividades setoriais tendo em vista seus perfis tecnológicos modernos. Ainda assim levando em conta as disparidades setoriais e regionais das tecnologias de produção, de comércio e serviços. 

São exatamente essas disparidades tecnológicas que ajudam a absorver os candidatos igualmente com formações e currículos profissionais diferenciadas por habilidades, conhecimentos e experiências. Não fossem esses níveis tecnológicos estratificados típicos de países em desenvolvimento o desemprego, o subemprego e a sub-remuneração seriam bem mais evidentes.

Chama a atenção na situação predominante da desigualdade de rendas no país as diferenças entre as distribuições pessoais e familiares. Os dados apresentados a seguir mostram a pior situação do perfil das rendas familiares em comparação ao perfil das rendas pessoais.

Os anos levantados são diferentes, embora com defasagem pequena, um ano a mais em ambos os limites de tempo. Os dados individuais foram retirados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), enquanto os familiares vieram dos Censos Demográficos, ambas as fontes resultados de levantamentos do IBGE.

Como a referência dessas fontes é a população total do Brasil, as eventuais diferenças de levantamento se perdem na vigência da lei dos grandes números – quanto maior o número de informantes, mais se apagam as diferenças entre os indicadores retirados das fontes, assim que os resultados finais são adequada e relativamente comparáveis.

Pois então, os dados individuais da PNAD foram obtidos dos anos 2001 e 2011, enquanto os dados familiares do Censo Demográfico foram fornecidos para os anos 2000 e 2010. Enquanto os dados da PNAD vieram diretamente do portal do IBGE, os censitários foram apurados do banco de dados do IPEA.

Enquanto a renda média pessoal tem aumento real (descontada a inflação) de 23%, a renda per-capita familiar tem aumento real de 30%. Os valores reais (a preços de 2010) são bem diferenciados: a renda média pessoal vem de R$ 938,00 em 2001 e chega a R$ 1158,00 em 2011; já a renda per-capita familiar parte de R$ 586,00 em 2000 e atinge R$ 767,00 em 2010. (Os valores das rendas são comparáveis apesar da defasagem de 1 ano em ambos os limites anuais das décadas, uma vez que as variações do INPC, que sobe 8% de 2000 a 2001 e 7% de 2010 a 2011, foram descontados das rendas pessoais respectivas).

Os resultados indicam que a renda per-capita familiar recupera valor no período em relação à renda pessoal. Muito provavelmente essa recuperação foi ou porque membros desocupados das famílias conseguiram entrar no mercado e começaram a ganhar renda em novos empregos ou trabalhos e/ou as rendas dos que já estavam empregados ou trabalhavam obtiveram aumentos maiores e/ou os que já estavam no mercado acumularam mais horas/vagas de trabalho.

Se todos os membros das famílias tivessem fontes de renda seja em empregos fixos, seja em trabalhos por conta própria ou temporários, muito provavelmente os valores das rendas per-capitas familiares se alinhariam aos valores das rendas pessoais. É comum nas famílias o fato de os chefes (mulheres ou homens) estarem no mercado e auferirem renda para que os demais membros estudem e/ou esperem novas oportunidades de emprego ou trabalho seja por causa do desemprego ou do subemprego.

Exatamente por essas razões, especialmente entre os mais pobres, que o núcleo familiar abriga membros com desempregos e/ou baixos ou sem rendimentos. Mas não fosse a renda familiar, mesmo que menor, os membros sem ocupação e/ou renda não teriam como se manter fora de casa.

Por outro lado, com as mesmas fontes de dados foram calculados os respectivos graus de desigualdade de renda entre pessoas e famílias por meio da mensuração feita pelo coeficiente de Gini. A distribuição da renda entre pessoas de um lado e famílias de outro mostra que entre as pessoas a desigualdade é menor, assim como a desigualdade entre as pessoas reduz mais que entre as famílias na década.

O coeficiente de Gini (cuja variação é 0 = nenhuma desigualdade e 1 = máxima desigualdade) entre as pessoas variou de 0,630 a 0,549, de 2001 a 2011, redução de 13%, enquanto entre as famílias variou de 0,646 a 0,609, de 2000 a 2010, redução de 6%.

A situação de renda da população brasileira, portanto, é nitidamente diferenciada e em piores condições para as famílias em comparação com as pessoas tomadas individualmente. As famílias têm rendas per-capitas menores que as rendas médias pessoais assim como apresentam graus maiores de desigualdade na distribuição de suas rendas.

A desigualdade maior entre as famílias se explica pelo fato de que os membros desocupados e sub-remunerados são mais concentrados nos núcleos familiares dos estratos mais baixos de renda, enquanto os membros ocupados e remunerados têm rendas mais elevadas nos estratos mais altos de renda.

Muito embora a análise ainda não tenha sido feita, é possível e bastante provável que a mobilidade entre os grupos familiares seja marcadamente menor que entre as pessoas. Estas conseguiram se agrupar mais ao centro da distribuição no final da década, aumentando o contingente da classe média. Já as famílias devem ter se movimentado menos para cima aumentando o contingente dos núcleos familiares em torno da base da distribuição ao final da década. Deixaram, assim, de ser menos pobres, mas ainda pobres.


(*) Economista

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