O último preso do mensalão na Papuda
Faz hoje cinco meses que o ex-ministro José Dirceu está numa cela da penitenciária da Papuda, em Brasília, DF. Dos condenados ao regime semiaberto no julgamento do mensalão, Dirceu é o único que continua preso, muito embora desde 18 de dezembro de 2013 tenha uma proposta formal de trabalho de um escritório de advocacia da capital.
Para trabalhar fora e dormir no presídio como os demais condenados ao semiaberto que cumprem pena na Papuda, o ex-ministro depende de uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, o executor das sentenças aplicadas no julgamento da AP 470. Uma análise dos eventos desencadeados desde a prisão de Dirceu sugerem que a execução da sentença, em relação ao ex-ministro, é diferenciada.
Os recursos que o beneficiariam com o regime semiaberto em geral foram protelados, enquanto rápidas as decisões para mantê-lo no regime fechado. A narrativa das idas e vindas da execução da sentença de José Dirceu revelam uma queda de braço que não faz justiça a um dos melhores momentos do Judiciário, como foi o julgamento do mensalão.
Protelação mantém Dirceu na cadeia, após cinco meses
Quando se entregou à Polícia Federal, em 15 de novembro, Dirceu cometeu a imprudência de exibir o punho fechado. Barbosa e outros ministros viram no gesto um desafio a uma decisão legítima da Justiça. Dirceu também apresentou o registro de emprego num hotel de Brasília, por uma salário irreal. Parecia ficção. E era uma trapalhada de seu amigo, o advogado, Carlos Alberto de Almeida Castro, o Kakay.
Nada disso justifica as seguidas protelações. A defesa de Dirceu pediu, em 19 de dezembro do ano passado, autorização para o ex-ministro trabalhar no escritório do advogado José Geraldo Grossi. Em janeiro, os jornais publicaram que Dirceu teria conversado, ao telefone, com o secretário de governo da Bahia, James Correia. O secretário e Dirceu desmentiram que tenham falado ao telefone. Mas a Secretaria de Segurança Pública do DF abriu uma investigação, cuja conclusão foi a de que a conversa não ocorrera.
O Centro de Internamento e Reeducação (CIR), onde Dirceu está preso, também concluiu que a notícia sobre o telefonema era inverídica. Mesmo assim, no dia 24 de janeiro, a Vara de Execuções Penais (VEP) suspendeu por 30 dias a análise do pedido de Dirceu. Alegou que o ex-ministro não foi ouvido na investigação. Nas férias de Barbosa, o presidente em exercício do STF, Ricardo Lewandowski, determinou a retomada da análise do pedido de Dirceu. Argumentou que a investigação nada identificara que sustentasse a denúncia do telefonema. Uma segunda investigação do CIR também concluiu pelo arquivamento do inquérito disciplinar.
Os documentos foram então encaminhados ao ministro Joaquim Barbosa, já de volta ao batente. Ao mesmo tempo o Ministério Público Federal emitiu um parecer favorável a Dirceu. Barbosa é tão rápido em negar quanto Lewandowski de aceitar: o presidente do STF reverteu a determinação do colega. Para justificar a decisão, alegou que Lewandowski deveria ter ouvido o Ministério Público (que já havia dado parecer favorável ao pedido de trabalho) e a VEP.
O presidente do STF pediu, então, a manifestação da Procuradoria Geral da República. A PGR, por seu turno, tomou ciência mas não faz nenhum pedido em relação a diligências ou outras medidas. Simultaneamente a esses eventos, a defesa de Dirceu fez pedidos para Barbosa tomar uma decisão. Sem êxito. Em 24 de fevereiro, um mês depois de suspender por 30 dias a análise do pedido e dizer que Dirceu deveria ser ouvido a VEP, sem nenhuma justificativa, adiou o depoimento do ex-ministro.
Dois dias depois o Ministério Público do DF encaminhou à VEP um pedido para quebrar o sigilo telefônico de todos os números que tenham feito ou recebido ligações, de 1 a 16 de janeiro, entre a região da Papuda e a Bahia. Podem ser milhares. O juiz Bruno Ribeiro, que respondia pela VEP, recebera o pedido do MP havia mais de mês e o mantivera na gaveta. Em 11 de março, Dirceu finalmente é ouvido, por videoconferência, pelo juiz Bruno, na presença de seus advogados e também do Ministério Público do DF.
Nesse meio tempo, reportagens denunciaram privilégios que estariam sendo usufruídos por petistas presos na Papuda. E uma foto de José Dirceu na prisão foi publicada por uma revista. Os incidentes levaram o juiz Bruno a mandar o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de volta ao regime fechado de prisão (decisão já revogada) e a cobrar explicações do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT). A pedido de Agnelo, o Tribunal de Justiça abriu uma sindicância para analisar o comportamento do juiz. Ele não apresentara provas dos supostos "privilégios" e se dirigiu diretamente a Agnelo, sem ter jurisdição para tanto.
O juiz se afastou da VEP. Não sem antes dar por encerrada a investigação e encaminhar os autos para a deliberação do Barbosa. Contraditoriamente, enviou também o antigo pedido do Ministério Público, feito mais de um mês antes, para a quebra de sigilos telefônicos ainda com o objetivo de investigar o suposto telefonema.
Nos dias 2 e 7 de abril a defesa de Dirceu reiterou ao STF o pedido para o ex-ministro trabalhar fora. No dia 4 de abril, os advogados tomaram conhecimento do requerimento do MP para a quebra de sigilos telefônicos. Uma perícia indicou que as coordenadas geográficas apontadas pelo MP incluíam, além da penitenciária da Papuda, o Palácio do Planalto.
No dia último dia 10 a defesa de Dirceu enviou ao STF medida cautelar pedindo urgência no julgamento. Segundo os advogados do ex-ministro, a questão é tratada com "flagrante disparidade" pelo presidente Joaquim Barbosa: em menos de uma semana o ministro cassou decisão de Lewandowski favorável a Dirceu, e em 24 horas tomou uma outra decisão relativa ao juiz Bruno. E no entanto, há dois meses protela a análise do pedido para Dirceu cumprir a pena no regime semiaberto a que foi condenado pela maioria dos ministros do STF.
Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras
E-mail: raymundo.costa@valor.com.br
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