Um mel que não é obtido a partir do néctar das flores. Essa é a substância que tem sido encontrada no norte e noroeste de Minas Gerais – mais especificadamente no ecossistema Mata Seca – e tornou-se objeto de pesquisa da Fundação Ezequiel Dias (Funed) em parceria com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
A produção se dá de forma diferenciada: devido à escassez de flores durante a seca, as abelhas utilizam o néctar da aroeira e o melato, um líquido doce resultante do processamento da seiva da planta por insetos (pulgões e cochonilhas), os quais adicionam enzimas específicas e modificam os açúcares do mel. Este, ao contrário do mel convencional, possui uma coloração escura e não cristaliza.
Segundo o chefe da Unidade de Desenvolvimento Territorial da Codevasf em Minas Gerais, Alex Demier, o projeto desenvolvido com a Funed objetiva estudar os aspectos biológicos, ambientais e a associação entre as abelhas da espécie Apis mellifera e os homópteros (pulgões) para elucidar o ciclo de produção desse mel.
As ações incluem visitas a 56 municípios da Mata Seca mineira (regiões norte e noroeste) para identificação dos apicultores, coleta de amostras do mel e solo; estudos botânicos e físico-químicos do mel; análise do solo da região e, por fim, elaboração e apresentação de documento junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para obtenção do registro da denominação de origem do “Honeydew-Mata Seca”.
“Espera-se, com esse trabalho, a agregação de valor ao mel de aroeira e a projeção nacional e internacional da apicultura desenvolvida na região da Mata Seca mineira, por produzir um mel com propriedades únicas no mundo”, afirma Demier.
A pesquisadora da Funed Esther Bastos explica que o mel de melato é bastante apreciado na Europa - onde é produzido, por exemplo, na Floresta Negra, na Alemanha. “No sul do Brasil, encontramos mel de melato, mas as abelhas o produzem a partir da seiva de uma árvore típica da região, a bracatinga. O mel de aroeira com contribuição de honeydew só foi encontrado mesmo nessa região pesquisada”, esclarece.
Estudos apontam que o mel de melato da aroeira possui propriedades medicinais particulares, como ação antimicrobiana. Segundo Esther, uma segunda pesquisa, desta vez financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem o propósito de mostrar a atividade desse mel para a bactéria H. Pylori, ou Helicobacter Pylori, que pode levar à gastrite ou até mesmo ao câncer no estômago. “A ideia é direcionar um resultado de modo que a gente possa introduzir esse mel no medicamento”, afirma.
Mercado
Por apresentar uma coloração escura, o mel de aroeira possui uma aceitação menor no mercado brasileiro em relação ao mel tradicional. Entretanto, de acordo com o produtor e presidente da Federação Mineira de Apicultura (Femap), José Calazans, isso vem mudando.
“A questão da cor está sendo superada por ser mel de melato. O mercado está reagindo muito bem, por conta da divulgação das propriedades dessa substância. Quando houver a validação, será agregado mais valor ao produto. Imagina você ter um alimento natural em uma região que carece de emprego e renda, como o norte de Minas? Então, a perspectiva é que a gente vai poder trabalhar melhor o produto em termos de mercado”, salienta Calazans.
A pesquisa desenvolvida pela Funed em convênio com a Codevasf beneficiará um grupo de cerca de 800 apicultores da região. Além dos benefícios em relação à validação do produto e a abertura de mercados, o presidente da Femap ressalta o aspecto conservacionista desse trabalho. “Nós estamos falando de uma região seca, da qual conseguimos extrair um produto diferenciado, mantendo a floresta 'em pé', como mata ressecada. Então, a gente tem uma convivência, uma relação de mais equilíbrio com o semiárido”, conclui. Segundo ele, a safra do mel de aroeira é curta – no máximo 90 dias – e ocorre, geralmente, entre os meses de abril e julho.
Inclusão produtiva
A Codevasf, empresa pública vinculada ao Ministério da Integração Nacional, tem por missão promover o desenvolvimento e a revitalização das bacias dos rios São Francisco, Parnaíba, Itapecuru e Mearim com a utilização sustentável dos recursos naturais e estruturação de atividades produtivas para a inclusão econômica e social.
“A busca por inovação e diferenciação no mercado dos produtos provenientes das atividades produtivas apoiadas pela Companhia tem mostrado ser uma forma eficiente de promover a inclusão produtiva do público beneficiado”, afirma a Gerente de Desenvolvimento Territorial da Codevasf, Izabel Aragão.
“A estruturação da cadeia produtiva apícola, bem como o alcance de novos mercados, foi uma meta proposta e que tem sido cumprida, e o sucesso pode ser comprovado pela melhoria e aumento na produção de mel e seus derivados, além do retorno positivo do nosso público beneficiado”, destaca.
Veja imagens ilustrativas no Flickr da Codevasf:
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