segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A África do Sul vive um momento de grandes tensões sociais


Trabalhadores estão mobilizados em mais de 20 cidades em todo o Cabo Ocidental, começando a se organizar e a criar uma pauta comum de causa e de luta entre todos os tipos de trabalho no campo

Augusto Juncal

 

A motivação para os protestos e mobilizações dos trabalhadores e trabalhadoras agrícolas da África do Sul, que começaram em novembro do ano passado, foi a onda de greves dos trabalhadores das minas de Marikana, noroeste de Johanesburgo, da empresa Lonmin. A paralisação foi iniciada em agosto de 2012 pelos próprios trabalhadores (sem interferência do seu sindicato), que reclamavam melhorias significativas de salário. Em setembro, eles conquistaram um aumento salarial de 22%, depois de cinco semanas de luta e apesar de a polícia truculenta e racista ter assassinado estupidamente 34 mineiros e deixado um elevado número de feridos.
Os novos protestos começaram em Doorns e se estenderam por diversas outras áreas da província de Cabo Ocidental, que responde por 60% das exportações agrícolas do país. Já são mais de 12 mil trabalhadores/as em greve. Para os grevistas, o levante de Doorns deve ser visto como um momento importante. A grande maioria deles trabalha nos vinhedos perto dali, onde se produz uvas para exportação e para o vinho. São quase 8 mil trabalhadores permanentes e outros 8 mil temporários, ganhando 70 rand (o equivalente a oito dólares) de salário. Eles exigem um salário mínimo de 150 rand (17,5 dólares) por dia, mas os fazendeiros capitalistas querem dar somente 80 rand. A luta é também pelo direito de comer o que produzem e para dar aos filhos uma educação apropriada, entre outras demandas.
Mais que por uma questão meramente salarial, estão lutando contra décadas de descontentamento com a extrema exploração e opressão a que têm sido submetidos nas fazendas, nas pequenas cidades rurais e na agricultura como um todo. Lutam por melhores salários e melhores condições de trabalho.
Os protestos que se levantaram na província de Cabo Ocidental podem estar representando um momento histórico na luta do povo sul-africano. Trata-se de trabalhadores rompendo com as atuais condições de vida e trabalho, exigindo uma transformação radical no campo sul-africano. Trata-se de um levante espontâneo, com débil capacidade organizativa. Uma das heranças do Apartheid é a dificuldade de organização dos trabalhadores, produzida pelo duro controle do Estado nas áreas rurais.
Hoje a África do Sul tem mais ou menos 500 mil trabalhadores rurais, sendo que a maior proporção deles – 121mil - trabalha na província de Cabo Ocidental. No entanto, eles estão muito pouco organizados, somente 3 a 5% fazem parte de alguma organização. E, justamente nesta província onde os protestos têm sido mais ferozes, existe uma maior organização, com a presença de movimentos sociais, pequenas organizações e ONGs. Disso se compreende que, apesar do fato de existir uma Constituição que garante o direito à liberdade de expressão e associação, esses direitos são coibidos pela intimidação e pelo medo.
Esses trabalhadores e trabalhadoras se deram conta que, apesar das mudanças nas relações de trabalho que ocorrem desde 1994, quando da "nova Africa do Sul" (livre do Apartheid), muito pouco mudou nas fazendas. Este país ainda luta duramente contra esse legado político, econômico e social. As relações de trabalho ainda são uma continuidade do antigo sistema. As violações massivas dos direitos humanos continuam. Os direitos garantidos oficialmente são largamente ignorados pelos fazendeiros. E o Departamento do Trabalho é ausente, incapaz e, às vezes, conivente com os fazendeiros contra os trabalhadores.
O fato é que os trabalhadores estão mobilizados em mais de 20 cidades em todo o Cabo Ocidental, começando a se organizar e a criar uma pauta comum de causa e de luta entre todos os tipos de trabalho no campo. Há quatro anos, na mesma cidade de Doorns, os trabalhadores estrangeiros (de Zimbabue e Lesoto) sofreram ataques xenófobos por parte dos sul-africanos, que os acusavam de tomar os seus empregos por trabalharem com salários mais baixos. Agora, neste processo, os trabalhadores irmãos desses países foram incorporados à luta e a participação deles tem fortalecido a greve.
Mas repete-se contra os trabalhadores agrícolas a mesma violência usada contra os mineiros. Centenas de trabalhadores foram presos e estão sendo acusados de praticarem atividades criminosas. Em Citrusdal (Cabo Ocidental), 18 trabalhadores/as foram levados a julgamento, acusados de praticarem violência pública. Eles apenas marchavam pacificamente para entregar um memorando com suas demandas de melhorias nas condições de trabalho, quando a polícia os recebeu com tiros, dizendo que os trabalhadores primeiramente teriam atirado pedras.
Também a marcha dos companheiros do Forum Citrusdal de Trabalhadores Rurais, que dirigia-se à cidade de Clanwilliam para dar apoio a dois companheiros e duas companheiras presos, foi parada pela polícia em trajes militares, que não permitiu que eles entrassem na cidade sob alegação de que praticariam atividades criminosas. Os quatro presos não tiveram direito à fiança e não se sabe com clareza do que estão sendo acusados.
Mais do que uma luta de brancos contra negros, de trabalhadores locais contra trabalhadores estrangeiros, o que se explicita com tudo isso é a luta de classes: de uma que quer explorar e para isso precisa oprimir, e de outra que quer conquistar a sua emancipação humana. No fundo, seria mais apropriado dizer que são os capitalistas, casualmente com tez branca, que exploram trabalhadores, casualmente com tez negra.
Razão tinha Steve Biko: "Esses complexos tradicionais de inferior-superior branco-negro são criações deliberadas do colonialismo". E eu complemento...do capitalismo em seu momento colonial e de todo o desenvolvimento do capitalismo em seus diferentes estágios.
Augusto Juncal é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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