terça-feira, 27 de maio de 2014

Consumidor decide quanto paga por café no Centro do Rio


Consumidor decide quanto paga por café no Centro do Rio
O Globo - Rio - 25/05/14 - 6h00
Iniciativa inovadora surpreende clientes, e notícia se espalha pelas redes sociais
MATHEUS CARRERA
RIO - Imagine a seguinte situação. Você chega a uma cafeteria, pede um café, saboreia a bebida, pergunta quanto deu a conta e recebe a resposta: “Não tem preço. Você paga quanto quiser’’. Pode parecer pegadinha, mas é assim que funciona, há quase dez meses, o Curto Café, num quiosque sem requinte, mas muito aconchegante, na sobreloja do Terminal Menezes Côrtes, no Centro. Na contramão da onda de preços surreis, quatro amigos tiveram a ideia de deixar o consumidor pagar quanto quiser pelo cafezinho. No início, pode parecer esquisito, mas, depois de alguns goles, é fácil se acostumar — e gostar — da novidade, que vicia como cafeína.
Quem chega ao quiosque se depara com quadros negros. Neles, há uma lista com as despesas do mês, como aluguel, material de limpeza, equipamentos e até internet (o wi-fi é liberado). Os clientes podem ajudar o negócio, acompanhando a meta a ser batida e contribuindo para que a conta não feche no vermelho.
— Quando eu soube do Curto Café, pensei que era coisa de gente maluca. Não dá pra saber muito bem o que é isso aqui. Mas, quando resolvi conferir, vi que funciona — diz o estudante de comunicação Bernardo Lopes, de 22 anos.
Cliente pode pagar outro dia
Ele e o irmão, Guilherme Lopes, contam que fizeram um vídeo institucional para divulgar o Curto Café. O boca a boca funciona. A socióloga Tabata Lisboa, de 26 anos, soube do lugar através de amigos. Para saborear “um dos melhores cappuccinos que tem tomado ultimamente’’, Tabata levou a estudante de ciências sociais Nátalia Krenzinger, de 28 anos, até o terminal:
— É uma forma de aproximar quem oferece um serviço ou produto do consumidor, porque aqui eles discriminam tudo que gastam para manter a cafeteria. Acho que seria legal outras iniciativas como essa na cidade.
Um dos quatro sócios da cafeteria, Sharlie Oliveira, de 25 anos, conta que o grupo tinha um negócio convencional no térreo do Menezes Côrtes e percebeu que, mesmo com preços abaixo dos de mercado, algumas pessoas deixavam de tomar café porque estavam sem dinheiro. Ou não tinham o valor exato que era cobrado. O objetivo, diz Sharlie, é justamente ir além da relação empresa-cliente e fortalecer os laços com o consumidor.
— Tem gente que, no início do mês, paga R$ 5 num cappuccino. Mas, no final, com a grana mais curta, só pode pagar R$ 1,50. Não é porque a pessoa não tem dinheiro que vai ficar sem o café. A ideia não é essa. Se não puder pagar agora, pode voltar outro dia e pagar. A base é a confiança — prega.
Além de ser um dos responsáveis pelo Curto, Sharlie faz de tudo um pouco. Fica até difícil dar entrevista. Enquanto explica todo o método, recebe pedidos, prepara bebidas, limpa, serve, coloca os números do dia numa planilha de gastos e bate papo com uns habitués. Apesar de todo bom humor, ele admite que há momentos constrangedores, porque há quem confunda liberdade com desrespeito.
— Não é porque o preço é livre que a pessoa pode vir todo dia e não pagar nada. Ela até pode, a gente não exige que o café seja pago. Mas queremos despertar nas pessoas que as ações delas têm consequências, que cada um é responsável pelos seus atos — observa Sharlie, que prefere não ser chamado de proprietário do Curto Café. — Não sou dono de nada, isso aqui é de todo mundo.
Para fazer um café, a loja gasta R$ 0,50. As amigas Tabata e Natália, depois de servidas, foram até um balcão onde há uma caixa com fichas de cores diferentes para cada bebida e deixaram o dinheiro num pote de vidro que lembra um aquário. O próprio cliente pega o troco. Há também um sistema online, em que é possível fazer um depósito e depois ir descontando o valor toda vez que tomar um cafezinho no quiosque.
A iniciativa inovadora, difundida por meio de redes sociais, vem ganhando cada vez mais fãs.

Nenhum comentário:

Postar um comentário