quinta-feira, 26 de julho de 2012

O café na Boca Maldita





Milo Fernandes
Com Millôr Fernandes numa estrela a nos iluminar, foi aberta a temporada de caça dos velhos escritos daquele escritor que também se assinava Emmanuel Vão Gogo.  Paulo Henrique (Vitamina) Schmidlin foi aos seus ricos guardados e me enviou um recorte amarelado da revista “O Cruzeiro”, de 27 de junho de 1953, com um “Artigo de fundo” do Millôr que parece ter sido escrito de encomenda para a Boca Maldita.
À HORA DO CAFÉ HÁ:
O sujeito que deseja bem forte, com pouco açúcar.
O que pede café bem fraco, com muito açúcar.
O que só toma café em copo, porque “tem outro gosto”.
O que aprecia café com pó, à moda turca.
O que detesta pó.
O que não se importa com o café, veio só para ver a moça da caixa.
O que detesta café frio e pede para esquentar bem a xícara.
O que tem ódio de todos os comerciantes estabelecidos e parte a xícara se ela tem o mínimo desgaste.
O que toma café grande em xícara pequena (Só os loucos).
O que toma café pequeno em xícara grande.
O que toma café de um gole.
O que fica furioso com café derramado no pires.
O que fica remexendo a xícara durante horas e só toma quando está frio e o assunto da conversa acabou.
O que pede café por pedir pois quando sai a xícara ainda está cheia.
O que tem medo de micróbios e antes de tomar o café vira um pouco do conteúdo no chão, para esterilizar a borda da xícara.
O que, pelo mesmo motivo, bebe com a mão esquerda como se não houvesse doentes canhotos.
O que sempre vira aquele pouquinho de água que fica na xícara.
O que jamais toma café sem derramar nas próprias calças.
O que sempre que toma café cospe, faz uma cara feia, e só então se lembra que esqueceu de por açúcar.
O que se recusa tomar café porque não o deixa dormir (Muito embora seja meio-dia).
O que só toma café com um pingo de leite.
Ao que se contrapõe o outro que toma só o leite com um pingo de café.
O que sempre diz que isso não é café: em São Paulo sim, sabem fazê-lo.
O que sempre encontra um pouco de batom na xícara e pede outra.
O que acha que ninguém toma tanto café quanto ele.
O que acha sempre que está há meia hora esperando para ser servido.
O que acha que sessenta centavos pagos por uma xícara de café dão direito também a namorar as moças do café.
Os que gostam é do odor do café: cheiram, não bebem.
Os que tomam café para prestigiar o principal produto brasileiro.
E enfim os que tomam café porque não têm dinheiro para tomar outra coisa, e que, diga-se de passagem, constituem a quase maioria. 
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Estes últimos não frequentam os nossos cafés, porque na Boca Maldita os abonados constituem a maioria absoluta.

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