Desenvolvimento de possíveis novos modos de produção e organização em cooperativas que permitiram independência e visibilidade política: essas são conquistas dos catadores de materiais recicláveis da região do Glicério, bairro da região central de São Paulo, área que ficou abandonada por décadas tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada. Segundo pesquisa da arquiteta Márcia Saeko Hirata, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, a perda do valor comercial da região permitiu que os coletores se organizassem e consolidassem sua atuação no local.
Giovanni Santa Rosa
Giovanni Santa Rosa
A área, estudada por Márcia na tese Desperdícios e centralidade urbana na cidade de São Paulo: uma discussão sobre o catador de materiais recicláveis do Glicério— trabalho orientado pelo professor Paulo César Xavier Pereira e defendido em 2011 —, é uma região de várzea que foi ocupada principalmente por pessoas de baixa renda e operários e também concentrou atividades religiosas e culturais. Constitui-se, assim, uma situação peculiar de centralidade: apesar de estar a menos de 1 quilômetro (Km) da Praça da Sé, no centro de São Paulo, a região possui moradias baratas, como cortiços e quitinetes, e fácil acesso a trabalhos que exigem pouca qualificação.
Apropriação do espaço
Ao se organizar em um contexto de efervescência política, no início dos anos 1980, os catadores constituiram uma nova forma de apropriação do espaço. Houve o fim da dependência dos donos de ferros-velhos, que cediam lugar para morar e carroças para trabalhar em troca de exclusividade sobre o material coletado, por meio da organização em cooperativas que possibilitaram condições de trabalho e de vida mais dignas. Eles também passaram a explorar o centro de outra maneira, circulando e trocando experiências com pessoas em condições de vida parecidas, o que levou a uma maior consciência política.
Ao se organizar em um contexto de efervescência política, no início dos anos 1980, os catadores constituiram uma nova forma de apropriação do espaço. Houve o fim da dependência dos donos de ferros-velhos, que cediam lugar para morar e carroças para trabalhar em troca de exclusividade sobre o material coletado, por meio da organização em cooperativas que possibilitaram condições de trabalho e de vida mais dignas. Eles também passaram a explorar o centro de outra maneira, circulando e trocando experiências com pessoas em condições de vida parecidas, o que levou a uma maior consciência política.
Márcia identifica um ponto essencial no desenvolvimento dessas formas de organização: a ruptura na fórmula trinária capital-terra-trabalho, que, segundo o filósofo alemão Karl Marx, é a base da coesão capitalista. Como o Glicério ficou à margem do processo imobiliário, a terra perdeu importância como valor de troca. Sem interesses comerciais, foi possível surgir uma nova forma de apropriação do espaço que aponta para um modo de produção diferente. A arquiteta lembra que, mesmo sem valor de troca, o centro era, e ainda é, um lugar de riqueza que gera, entre outros, os materiais coletados pelos catadores.
As novas formas de apropriação do espaço não se restringiam ao modo de produção: dinâmicas comerciais como a “feira do rolo”, que deu a origem às feiras de troca solidária, e culturais, como a União dos Cordelistas e Repentistas do Nordeste, também na região, e que completam o novo significado dado ao espaço urbano abandonado por investimentos públicos ou privados.
Márcia destaca duas contribuições de sua pesquisa: o próprio avanço teórico nas ideias de Lefevbre e a reflexão sobre como a universidade interage com grupos e movimentos sociais. “Todo esse conhecimento é o conhecimento dos catadores”, diz a pesquisadora, que ainda afirma que a presença dos movimentos sociais na universidade, apesar de crescente, ainda é pequena.
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