terça-feira, 27 de novembro de 2012

“Há uma hierarquia racial na sociedade”


José Luis Petruccelli destaca que o fator raça intervém fortemente na escolha da pessoa para casar

Graziela Wolfart e Thamiris Magalhães
Segundo o censo 2010, as mulheres pretas são as que menos se casam. Na opinião do pesquisador do IBGE, José Luis Petruccelli, isso acontece porque “a sociedade tem preconceitos em termos de valores, de beleza, de prestígio, de padrões europeus, no sentido de que o branco e loiro é mais bonito do que outro tipo de aparência física. Esses valores predominantes fazem que as pessoas aparentemente tenham um ‘capital’ diferenciado na hora de serem escolhidas como parceiros para formar casais”. Na entrevista que aceitou conceder por telefone para a IHU On-Line, Petruccelli explica que “os dados mostram – e isso já vem de outras pesquisas – que as mulheres brancas têm uma taxa de nupcialidade mais elevada que as pardas e estas com uma taxa mais elevada que as pretas. Há um número de mulheres que nunca se casaram aos 50 anos de idade, que é de 10 pontos percentuais mais elevados para as mulheres pretas do que as mulheres brancas”. E continua: “se a maioria das pessoas de cor ou raça branca se casa entre ela, fica sobrando pouco para as iniciativas de miscigenação por meio do casamento inter-racial. Por exemplo, por que as mulheres pretas se casam menos com homens brancos? Porque há um estigma social”.  
José Luis Petruccelli é doutor em Ciências Sociais pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, França, e mestre em Demografia pela School of Hygiene and Tropical Medicine, de Londres. Pesquisador do Departamento de Indicadores Sociais da Diretoria de Pesquisas do IBGE, suas áreas de atuação recentes são: desigualdades raciais, identificação étnico-racial, políticas públicas de ação afirmativa, categorias de classificação étnico-racial. 
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como entender que 70% dos casamentos no país ocorrem entre pessoas de mesma cor?
José Luis Petruccelli – Em primeiro lugar, é importante destacar que esse não é um fato novo, deste censo 2010. Isso vem sendo verificado já desde o censo de 1980 e com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – PNAD da década de 1990. O censo mais recente reforça essa tendência de seletividade na hora da escolha do parceiro para formar o casal, que já vem de longa data. O fator raça intervém fortemente na escolha da pessoa para casar. 
IHU On-Line – Então a raça é realmente um fator predominante na escolha de parceiros conjugais? 
José Luis Petruccelli – Nas décadas de 1980 e 1990 o patamar dos casamentos no país que ocorriam entre pessoas de mesma cor era em torno de 80%. O censo de 2000 e o censo de 2010 mostram uma tendência um pouco decrescente, mas muito pouco ainda, chegando ao patamar de 70%, que ainda é um percentual considerado bastante elevado, porque o padrão de comparação é feito com a pergunta de qual seria esse percentual caso as escolhas não fossem determinadas pela raça do parceiro. E aí chegamos ao valor estimado de pouco mais de 40%. Entretanto, como o valor apontado pelo censo é em torno de 70%, isso indica que as escolhas não são aleatórias, ou seja, a raça é um fator determinante. 
IHU On-Line – Isso tem a ver com a questão do racismo também? 
José Luis Petruccelli – Sim. É o que chamamos de racismo estrutural. Não é que o comportamento das pessoas seja racista individualmente. É que toda a estrutura socioeconômica leva a comportamentos que induzem à reprodução das relações de dominação pelos grupos que estão nos lugares dominantes da sociedade, lugares de maior prestígio. A estratégia desses grupos é de reprodução. 
IHU On-Line – O casamento entre pessoas de mesma cor ou raça é maior/ mais comum entre quais raças?
José Luis Petruccelli – Há uma questão metodológica envolvida aqui. Os grupos não têm tamanhos equivalentes, ou seja, pouco menos da metade da população se declara como que de cor branca. Em torno de 40% se declara de cor parda e em torno de 7% se declara de cor preta. Então, esses grupos são de tamanhos diferentes e esses tamanhos também incidem no resultado da participação no mercado matrimonial. Os números e taxas brutas indicam que o branco tem maior taxa de endogamia, que é a tendência de se casar dentro do mesmo grupo. Depois, seguida pelos de raça/cor parda e em terceiro lugar pela de cor ou raça preta.
IHU On-Line – Em que sentido esses dados desconstroem o mito da altíssima miscigenação da harmonia racial?
José Luis Petruccelli – No sentido de que os dados mostram que não há tal harmonia. Por exemplo, nos Estados Unidos se fala em uma sociedade color blind, em que a raça não seria um fator que intervém nas relações sociais. Isso mostra como as pessoas são classificadas e percebidas de acordo com o grupo étnico-racial ao qual pertencem e, por isso, sofrem comportamentos bem diferenciados. Ou seja, têm regiões em que os brancos usufruem de vantagens notórias em relação ao acesso aos melhores postos de trabalho, às melhores universidades, etc. E outros grupos são relativamente menos favorecidos e acabam preteridos nessas opções. Há uma hierarquia racial na sociedade.  
IHU On-Line – Considerando estes dados, o que esperar da miscigenação e da mobilidade social no Brasil para os próximos anos?
José Luis Petruccelli – Esses dados que foram divulgados agora são da amostra do censo 2010. Não é um estudo aprofundado sobre cada um dos temas. Para responder a essa pergunta, vou usar outros estudos e outros levantamentos. Por exemplo, com os levantamentos das PNADs, verificou-se que as gerações mais jovens têm uma tendência menor à endogamia do que as gerações mais velhas. Talvez a tendência seja reduzir a endogamia, ou seja, ampliar as uniões inter-raciais. Mas é preciso verificar essa tendência para ver se ela se confirma com o tempo. 
IHU On-Line – Segundo o censo 2010, as mulheres pretas (7% da população) são as que menos se casam. Em sua opinião, por que isso acontece?  
José Luis Petruccelli – Porque a sociedade tem preconceitos em termos de valores, de beleza, de prestígio, de padrões europeus, no sentido de que o branco e loiro é mais bonito do que outro tipo de aparência física. Esses valores predominantes fazem que as pessoas aparentemente tenham um “capital” diferenciado na hora de serem escolhidas como parceiros para formar casais. Os dados mostram – e isso já vem de outras pesquisas – que as mulheres brancas têm uma taxa de nupcialidade mais elevada que as pardas e estas com uma taxa mais elevada que as pretas. Há um número de mulheres que nunca se casaram aos 50 anos de idade, que é de 10 pontos percentuais mais elevados para as mulheres pretas do que as mulheres brancas. 
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário sobre o tema?
José Luis Petruccelli – Nós falamos aqui sobre a endogamia e o casamento de pessoas entre a mesma raça com taxa elevada, mas gostaria de destacar que o grupo que se identifica como de cor ou raça branca utiliza esse mecanismo como estratégia de sobrevivência e reprodução, afinal é um grupo privilegiado dentro da sociedade. Por isso que a tendência é de haver mais casamentos dentro desse grupo racial. Os outros grupos não usam o mesmo tipo de estratégia. Se a maioria das pessoas de cor ou raça branca se casa entre ela, fica sobrando pouco para as iniciativas de miscigenação por meio do casamento inter-racial. Por exemplo, por que as mulheres pretas se casam menos com homens brancos? Porque há um estigma social, situações nas quais um casal formado por um homem branco e uma mulher preta é visto com preconceito, e se depara com afirmações do tipo “ah, ela deve ser prostituta” ou “deve ser só um encontro casual”.  

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