quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Impulsionar a solidariedade à Palestina é desafio do fórum



Marcado para ocorrer em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, entre 28 de novembro e 1º de dezembro próximos, o FSMPL (Fórum Social Mundial Palestina Livre) abordará temas fundamentais à solidariedade internacional.Entre eles, o relativo a chamado da sociedade civil palestina feito em 2005 por BDS (boicotes, desinvestimento e sanções) ao apartheid promovido por Israel. Ganhando força em várias partes do mundo, no Brasil a campanha foi lançada pela Frente em Defesa do Povo Palestino de São Paulo, com ampla adesão dos movimentos que a compõem, além de comitês e sociedades árabes-palestinas de diversos estados, em 20 de setembro do ano passado. Fundada nas reivindicações gerais, traz como proposta que governos e sociedade civil promovam embargos e sanções a Israel até que se reconheçam os direitos fundamentais do povo palestino. Assim, tem como metas: o fim imediato da ocupação militar e colonização de terras árabes e a derrubada do muro de segregação, que vem sendo construído na Cisjordânia desde 2002 e divide terras, famílias e impede a livre circulação; a garantia de igualdade de direitos civis a todos os habitantes do território histórico da Palestina, independentemente de religião ou etnia; e o respeito ao direito de retorno dos refugiados palestinos às suas terras e propriedades (estimados em cerca de 8 milhões em todo o mundo).

O governo brasileiro e Israel
Nessa linha, no País, tem como principal bandeira de luta a exigência de que o governo federal rompa acordos e contratos com a potência ocupante. Entre eles, no setor militar. O País se converteu no segundo maior importador da indústria armamentista de Israel ao ascender nessas negociações a partir de 2010. O intercâmbio de delegações é comum entre os dois estados, sobretudo com vistas aos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a se realizarem no Brasil respectivamente em 2014 e 2016. Israel visa assegurar a comercialização de tecnologia de defesa e segurança, principais mantenedores de sua economia – e, portanto, financiadores da ocupação militar de territórios palestinos e opressão a essa população.
A expectativa, com o fórum, é consolidar essa iniciativa fundamental e sair com ações efetivas que fortaleçam a solidariedade internacional. Além da campanha de BDS – estratégica e transversal a todas as demais –, o FSMPL pautará a urgente libertação imediata de todos os presos políticos palestinos (cerca de 5 mil), derrubada do muro do apartheid, bem como o desmantelamento dos assentamentos ilegais e de todo o aparato de ocupação, incluindo os checkpoints. E ainda, a questão da autodeterminação do povo palestino e direito de retorno dos milhares de refugiados, entre outros. Da Assembleia dos Movimentos Sociais, ao encerramento, é mister que saia um documento em que estejam elencadas ações por uma Palestina livre. Somente assim o fórum poderá realmente impulsionar a solidariedade global e ser considerado um avanço nessa luta.
Os palestinos já manifestaram em várias ocasiões ser essa a sua expectativa. Eventos sobre essa causa, segundo suas palavras, ocorrem com frequência. O FSMPL não pode ser simplesmente mais um. Na sua organização, os movimentos sociais têm trabalhado com esse horizonte.
Essa perspectiva coloca em questão a concepção do próprio Fórum Social Mundial enquanto instância de debates e articulação plural, a qual não encaminha propostas concretas de ações. O FSMPL não apenas retoma essa discussão antiga, mas pode se converter num divisor de águas em seu processo, caso a decisão coletiva seja por alterar essa dinâmica. Seria muito rico que essa construção ampla em prol da Palestina livre, com toda a sua diversidade, desaguasse em um documento oficial por iniciativas efetivas. Eis uma direção ainda em disputa.
As dificuldades, contudo, não são poucas. Além de encontrar resistência junto a algumas ONGs (organizações não governamentais) rumo a essa transformação, um fórum como o que se realizará em novembro pode esbarrar em interesses que não os dos palestinos. Por exemplo, ao pautar a campanha estratégica por boicotes ao apartheid promovido por Israel, tende a incomodar governos que conduzem suas nações em um regime capitalista e seus aliados. Caso brasileiro, que mantém fortes relações comerciais com a potência ocupante, como já citado. Nesse caso, vale o princípio do fórum de manter-se independente de partidos e governos e pressionar por um outro mundo possível e necessário.
Lutar por essa transformação necessariamente implica colocar-se a favor das revoluções e contra as ditaduras árabes, que têm se convertido em asseclas do imperialismo e impedido uma mudança geopolítica na região. A libertação da Palestina passa por isso, por isolar Israel e denunciar seus crimes contra a humanidade.

Tribunal Popular
Nesse sentido, uma das iniciativas pensadas para esse fórum é lançar o Tribunal Popular “O Estado de Israel no banco dos réus”. Discutida na Frente em Defesa do Povo Palestino de São Paulo, a iniciativa foi estimulada após o julgamento em 28 de agosto no Tribunal de Haifa, nos territórios palestinos de 1948 (hoje Israel), do assassinato da ativista Rachel Corrie. A jovem estadunidense foi atropelada propositalmente por um buldozer israelense ao se colocar como escudo humano para tentar impedir a demolição de uma casa palestina, em Rafat, na faixa de Gaza. Tinha apenas 23 anos. Seus pais, Cindy e Craig, lutam desde 2005 nos tribunais para responsabilizar o Estado de Israel pela morte dela e condenar o então Ministro da Defesa. O processo conta 2 mil páginas.
Suas esperanças de um veredicto justo em agosto, após 15 audiências, contudo, esbarraram na impunidade que impera em Israel. No julgamento, a vítima foi praticamente transformada em culpada. Ao isentarem os responsáveis pelo assassinato, justificaram que Rachel estava em local considerado “zona de combate em tempos de guerra” e que o motorista do buldozer não enxergou a ativista. Uma falácia, já que ela usava um colete vistoso e portava um megafone. O veículo passou por cima dela três vezes.
Indignados com a impunidade – demonstrada nesse caso e em muitos outros, em especial em relação aos palestinos –, militantes da Frente em Defesa do Povo Palestino propuseram a constituição do Tribunal Popular, que deve ser fruto de articulação com os diversos movimentos sociais e populares solidários a essa justa causa. Já existe instância do gênero em âmbito global: o Tribunal Bertrand Russell sobre Palestina, que em novembro último concluiu que Israel se converte em um regime de apartheid. Aos moldes do que prevaleceu até os anos 90 na África do Sul, país que abrigou a sessão que deliberou por esse resultado. A decisão tem peso político e sedimenta o caminho por boicotes.
A iniciativa brasileira soma-se e inspira-se nesse exemplo exitoso. Há muito o que julgar. Os casos se proliferam. Desde assassinatos, prisões políticas, inclusive de crianças, demolição de casas, roubo de terras e propriedades, construção do muro do apartheid, as ilegalidades são muitas. Sem contar o desrespeito ao direito de retorno, inegociável e inalienável, e a contínua limpeza étnica, desde antes da criação unilateral do Estado de Israel, em 15 de maio de 1948. Colocar Israel no banco dos réus e denunciar seus crimes contra a humanidade pode dar visibilidade a esse quadro e apontar a urgência de que a justiça seja feita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário