Marcado
para ocorrer em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, entre 28 de novembro e 1º
de dezembro próximos, o FSMPL (Fórum Social Mundial Palestina Livre) abordará
temas fundamentais à solidariedade internacional.Entre eles, o relativo a
chamado da sociedade civil palestina feito em 2005 por BDS (boicotes,
desinvestimento e sanções) ao apartheid promovido por Israel. Ganhando força em
várias partes do mundo, no Brasil a campanha foi lançada pela Frente em Defesa
do Povo Palestino de São Paulo, com ampla adesão dos movimentos que a compõem,
além de comitês e sociedades árabes-palestinas de diversos estados, em 20 de
setembro do ano passado. Fundada nas reivindicações gerais, traz como proposta
que governos e sociedade civil promovam embargos e sanções a Israel até que se
reconheçam os direitos fundamentais do povo palestino. Assim, tem como metas: o
fim imediato da ocupação militar e colonização de terras árabes e a derrubada
do muro de segregação, que vem sendo construído na Cisjordânia desde 2002 e
divide terras, famílias e impede a livre circulação; a garantia de igualdade de
direitos civis a todos os habitantes do território histórico da Palestina,
independentemente de religião ou etnia; e o respeito ao direito de retorno dos
refugiados palestinos às suas terras e propriedades (estimados em cerca de 8
milhões em todo o mundo).
O governo brasileiro e Israel
O governo brasileiro e Israel
Nessa
linha, no País, tem como principal bandeira de luta a exigência de que o
governo federal rompa acordos e contratos com a potência ocupante. Entre eles,
no setor militar. O País se converteu no segundo maior importador da indústria
armamentista de Israel ao ascender nessas negociações a partir de 2010. O
intercâmbio de delegações é comum entre os dois estados, sobretudo com vistas
aos grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, a se
realizarem no Brasil respectivamente em 2014 e 2016. Israel visa assegurar a
comercialização de tecnologia de defesa e segurança, principais mantenedores de
sua economia – e, portanto, financiadores da ocupação militar de territórios
palestinos e opressão a essa população.
A
expectativa, com o fórum, é consolidar essa iniciativa fundamental e sair com
ações efetivas que fortaleçam a solidariedade internacional. Além da campanha
de BDS – estratégica e transversal a todas as demais –, o FSMPL pautará a
urgente libertação imediata de todos os presos políticos palestinos (cerca de 5
mil), derrubada do muro do apartheid, bem como o desmantelamento dos
assentamentos ilegais e de todo o aparato de ocupação, incluindo os
checkpoints. E ainda, a questão da autodeterminação do povo palestino e direito
de retorno dos milhares de refugiados, entre outros. Da Assembleia dos
Movimentos Sociais, ao encerramento, é mister que saia um documento em que
estejam elencadas ações por uma Palestina livre. Somente assim o fórum poderá
realmente impulsionar a solidariedade global e ser considerado um avanço nessa
luta.
Os
palestinos já manifestaram em várias ocasiões ser essa a sua expectativa. Eventos
sobre essa causa, segundo suas palavras, ocorrem com frequência. O FSMPL não
pode ser simplesmente mais um. Na sua organização, os movimentos sociais têm
trabalhado com esse horizonte.
Essa
perspectiva coloca em questão a concepção do próprio Fórum Social Mundial
enquanto instância de debates e articulação plural, a qual não encaminha
propostas concretas de ações. O FSMPL não apenas retoma essa discussão antiga,
mas pode se converter num divisor de águas em seu processo, caso a decisão
coletiva seja por alterar essa dinâmica. Seria muito rico que essa construção
ampla em prol da Palestina livre, com toda a sua diversidade, desaguasse em um
documento oficial por iniciativas efetivas. Eis uma direção ainda em disputa.
As
dificuldades, contudo, não são poucas. Além de encontrar resistência junto a
algumas ONGs (organizações não governamentais) rumo a essa transformação, um
fórum como o que se realizará em novembro pode esbarrar em interesses que não
os dos palestinos. Por exemplo, ao pautar a campanha estratégica por boicotes
ao apartheid promovido por Israel, tende a incomodar governos que conduzem suas
nações em um regime capitalista e seus aliados. Caso brasileiro, que mantém
fortes relações comerciais com a potência ocupante, como já citado. Nesse caso,
vale o princípio do fórum de manter-se independente de partidos e governos e
pressionar por um outro mundo possível e necessário.
Lutar
por essa transformação necessariamente implica colocar-se a favor das
revoluções e contra as ditaduras árabes, que têm se convertido em asseclas do
imperialismo e impedido uma mudança geopolítica na região. A libertação da
Palestina passa por isso, por isolar Israel e denunciar seus crimes contra a
humanidade.
Tribunal Popular
Tribunal Popular
Nesse
sentido, uma das iniciativas pensadas para esse fórum é lançar o Tribunal
Popular “O Estado de Israel no banco dos réus”. Discutida na Frente em Defesa
do Povo Palestino de São Paulo, a iniciativa foi estimulada após o julgamento
em 28 de agosto no Tribunal de Haifa, nos territórios palestinos de 1948 (hoje
Israel), do assassinato da ativista Rachel Corrie. A jovem estadunidense foi
atropelada propositalmente por um buldozer israelense ao se colocar como escudo
humano para tentar impedir a demolição de uma casa palestina, em Rafat, na
faixa de Gaza. Tinha apenas 23 anos. Seus pais, Cindy e Craig, lutam desde 2005
nos tribunais para responsabilizar o Estado de Israel pela morte dela e
condenar o então Ministro da Defesa. O processo conta 2 mil páginas.
Suas
esperanças de um veredicto justo em agosto, após 15 audiências, contudo,
esbarraram na impunidade que impera em Israel. No julgamento, a vítima foi
praticamente transformada em culpada. Ao isentarem os responsáveis pelo
assassinato, justificaram que Rachel estava em local considerado “zona de
combate em tempos de guerra” e que o motorista do buldozer não enxergou a
ativista. Uma falácia, já que ela usava um colete vistoso e portava um
megafone. O veículo passou por cima dela três vezes.
Indignados
com a impunidade – demonstrada nesse caso e em muitos outros, em especial em
relação aos palestinos –, militantes da Frente em Defesa do Povo Palestino
propuseram a constituição do Tribunal Popular, que deve ser fruto de
articulação com os diversos movimentos sociais e populares solidários a essa
justa causa. Já existe instância do gênero em âmbito global: o Tribunal
Bertrand Russell sobre Palestina, que em novembro último concluiu que Israel se
converte em um regime de apartheid. Aos moldes do que prevaleceu até os anos 90
na África do Sul, país que abrigou a sessão que deliberou por esse resultado. A
decisão tem peso político e sedimenta o caminho por boicotes.
A iniciativa brasileira soma-se e inspira-se nesse exemplo exitoso. Há
muito o que julgar. Os casos se proliferam. Desde assassinatos, prisões
políticas, inclusive de crianças, demolição de casas, roubo de terras e
propriedades, construção do muro do apartheid, as ilegalidades são muitas. Sem
contar o desrespeito ao direito de retorno, inegociável e inalienável, e a
contínua limpeza étnica, desde antes da criação unilateral do Estado de Israel,
em 15 de maio de 1948. Colocar Israel no banco dos réus e denunciar seus crimes
contra a humanidade pode dar visibilidade a esse quadro e apontar a urgência de
que a justiça seja feita.
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