Atilio Borón
Doutor em Ciência Política pela Harvard University. Professor titular de Filosofia Política da Universidade de B. Aires, Argentina. Director del PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales
Adital
Tradução:ADITAL
Foto: AVN
Custa muito assimilar a dolorosa notícia do falecimento de Hugo Chávez Frías. Não se pode deixar de maldizer o infortúnio que priva a Nossa América de um dos poucos "imprescindíveis”, no dizer de Bertold Brecht, na inconclusa luta por nossa segunda e definitiva independência. A história dará seu veredito sobre a tarefa cumprida por Chávez, apesar de que não duvidamos de que este será muito positivo. Além de qualquer discussão que legitimamente possa acontecer no interno do campo anti-imperialista –nem sempre o suficientemente sábio para distinguir com clareza amigos e inimigos- há que partir reconhecendo que o líder bolivariano virou a página na história venezuelana e, por que não dizer, na América Latina. A partir de hoje, se falará de uma Venezuela e de uma América Latina anterior e outra posterior a Chávez, e não seria temerário conjecturar que as mudanças que ele impulsionou e protagonizou como muito poucos em nossa história levam o selo da irreversibilidade. OS resultados das recentes eleições venezuelanas –reflexos do amadurecimento da consciência política de um povo- outorgam sustentação a esse prognóstico. Pode-se desandar o caminho das nacionalizações e privatizar as empresas públicas; porém, é infinitamente mais difícil conseguir que um povo adquiriu consciência de sua liberdade retroceda até instalar-se novamente na submissão. Em sua dimensão continental, Chávez foi o protagonista principal da derrota do mais ambicioso projeto do império para a América Latina: a Alca. Isso bastaria para colocá-lo na galeria dos grandes patriotas de Nossa América. Porém, ele fez muito mais.
Esse líder popular, representante genuíno de seu povo, com quem se comunicava como nunca nenhum governante antes havia feito, desde jovem sentia um visceral repúdio pela oligarquia e pelo imperialismo. Esse sentimento foi evoluindo até plasmar-se em um projeto racional: o socialismo bolivariano, o do século XXI. Chávez foi quem, em meio à noite neoliberal, reinstalou no debate público latino-americano –e em grande medida internacional- a atualidade do socialismo. Mais do que isso, a necessidade do socialismo como única alternativa real, não ilusória, ante a inexorável decomposição do capitalismo, denunciando as falácias das políticas que procuram solucionar sua crise integral e sistêmica, preservando os parâmetros fundamentais de uma ordem econômico-social historicamente desenganado. Como recordávamos acima, Chávez foi também o marechal de campo que permitiu aplicar ao imperialismo a histórica derrota da Alca, em Mar del Plata, em novembro de 2005. Se Fidel foi o estrategista geral dessa longa batalha, a concretização dessa vitória teria sido impossível sem o protagonismo do líder bolivariano, cuja eloquência persuasiva precipitou a adesão do anfitrião da Cúpula de Presidentes das Américas, Néstor Kirchner; de Luiz Inácio "Lula” da Silva e da maioria dos chefes de Estado ali presentes, no início pouco propensos –quando não abertamente opostos- a desrespeitar ao imperador em suas próprias barbas. Quem, se não Hugo Chávez, poderia ter volcado aquela situação? O instinto certeiro dos imperialistas explica a implacável campanha que Washington lançara contra ele desde o início de sua gestão. Cruzada que, ratificando uma deplorável constante histórica, contou com a colaboração do infantilismo ultraesquerdista que, a partir de dentro e de fora da Venezuela, colocou-se objetivamente a serviço do império e a reação.
Por isso, sua morte deixa um buraco difícil, se não impossível, de preencher. A sua excepcional estatura como líder de massas se unia à clarividência de quem, como muito poucos, soube decifrar e atuar inteligentemente na complexa trama geopolítica do império que pretende perpetuar a subordinação da América Latina. Subordinação que somente poderia ser combatida afiançando –na linha com as ideias de Bolívar, de San Martín, de Artigas, de Alfaro, de Morazán, de Martí e, mais recentemente, do Che e de Fidel- a união dos povos da América Latina e do Caribe. Força desatada da natureza, Chávez "reformatou” a agenda dos governos, dos partidos, dos movimentos sociais da região, com uma interminável torrente de iniciativas e propostas integracionistas: desde a Alba até a Telesul; desde Petrocaribe até o Banco do Sul. Desde a Unasul e do Conselho Sul-americano de Defesa até a Celac. Iniciativas todas que partilham um indelével código genético: seu fervente e incansável anti-imperialismo. Chávez já não estará entre nós, irradiando essa desbordante cordialidade; esse afiado e fulminante sentido do humor que desarmava os procedimentos protocolares; essa generosidade e altruísmo que o faziam tão querido. Martiano até a medula, sabia que, tal como dissera o Apóstolo cubano, para ser livres, há que ser cultos. Por isso, sua curiosidade intelectual não tinha limites. Em uma época na qual quase nenhum chefe de Estado lê –o que liam seus detratores Bush, Aznar, Berlusconi, Menem, Fox, Fujimori-, Chávez era o leitor que todo autor gostaria de ter para seus livros. Lia em todo momento, apesar das pesadas obrigações que suas responsabilidades de governo lhe impunham. E lia com paixão, com seus lápis e marcadores de texto de diversas cores em punho, com os quais marcava e anotava as passagens mais interessantes, as citações mais chamativas, os argumentos mais profundos do livro que estava lendo. Esse homem extraordinário, que me honrou com sua entranhável amizade, partiu para sempre. Porém, nos deixou um legado imenso, inapagável; e os povos de Nossa América, inspirados para sempre por seu exemplo, continuarão transitando pela senda que conduz para nossa segunda e definitiva independência.
Acontecerá com ele o que passou com o Che: sua morte, longe de apagá-lo da cena política, agigantará sua presença e sua gravitação nas lutas de nossos povos. Por um desses paradoxos que a história reserva somente para os grandes, sua morte o converte em uma personagem imortal. Parafraseando ao hino nacional venezuelano: Glória ao bravo Chávez! Até a vitória, sempre, Comandante!
Foto: AVN
Custa muito assimilar a dolorosa notícia do falecimento de Hugo Chávez Frías. Não se pode deixar de maldizer o infortúnio que priva a Nossa América de um dos poucos "imprescindíveis”, no dizer de Bertold Brecht, na inconclusa luta por nossa segunda e definitiva independência. A história dará seu veredito sobre a tarefa cumprida por Chávez, apesar de que não duvidamos de que este será muito positivo. Além de qualquer discussão que legitimamente possa acontecer no interno do campo anti-imperialista –nem sempre o suficientemente sábio para distinguir com clareza amigos e inimigos- há que partir reconhecendo que o líder bolivariano virou a página na história venezuelana e, por que não dizer, na América Latina. A partir de hoje, se falará de uma Venezuela e de uma América Latina anterior e outra posterior a Chávez, e não seria temerário conjecturar que as mudanças que ele impulsionou e protagonizou como muito poucos em nossa história levam o selo da irreversibilidade. OS resultados das recentes eleições venezuelanas –reflexos do amadurecimento da consciência política de um povo- outorgam sustentação a esse prognóstico. Pode-se desandar o caminho das nacionalizações e privatizar as empresas públicas; porém, é infinitamente mais difícil conseguir que um povo adquiriu consciência de sua liberdade retroceda até instalar-se novamente na submissão. Em sua dimensão continental, Chávez foi o protagonista principal da derrota do mais ambicioso projeto do império para a América Latina: a Alca. Isso bastaria para colocá-lo na galeria dos grandes patriotas de Nossa América. Porém, ele fez muito mais.
Esse líder popular, representante genuíno de seu povo, com quem se comunicava como nunca nenhum governante antes havia feito, desde jovem sentia um visceral repúdio pela oligarquia e pelo imperialismo. Esse sentimento foi evoluindo até plasmar-se em um projeto racional: o socialismo bolivariano, o do século XXI. Chávez foi quem, em meio à noite neoliberal, reinstalou no debate público latino-americano –e em grande medida internacional- a atualidade do socialismo. Mais do que isso, a necessidade do socialismo como única alternativa real, não ilusória, ante a inexorável decomposição do capitalismo, denunciando as falácias das políticas que procuram solucionar sua crise integral e sistêmica, preservando os parâmetros fundamentais de uma ordem econômico-social historicamente desenganado. Como recordávamos acima, Chávez foi também o marechal de campo que permitiu aplicar ao imperialismo a histórica derrota da Alca, em Mar del Plata, em novembro de 2005. Se Fidel foi o estrategista geral dessa longa batalha, a concretização dessa vitória teria sido impossível sem o protagonismo do líder bolivariano, cuja eloquência persuasiva precipitou a adesão do anfitrião da Cúpula de Presidentes das Américas, Néstor Kirchner; de Luiz Inácio "Lula” da Silva e da maioria dos chefes de Estado ali presentes, no início pouco propensos –quando não abertamente opostos- a desrespeitar ao imperador em suas próprias barbas. Quem, se não Hugo Chávez, poderia ter volcado aquela situação? O instinto certeiro dos imperialistas explica a implacável campanha que Washington lançara contra ele desde o início de sua gestão. Cruzada que, ratificando uma deplorável constante histórica, contou com a colaboração do infantilismo ultraesquerdista que, a partir de dentro e de fora da Venezuela, colocou-se objetivamente a serviço do império e a reação.
Por isso, sua morte deixa um buraco difícil, se não impossível, de preencher. A sua excepcional estatura como líder de massas se unia à clarividência de quem, como muito poucos, soube decifrar e atuar inteligentemente na complexa trama geopolítica do império que pretende perpetuar a subordinação da América Latina. Subordinação que somente poderia ser combatida afiançando –na linha com as ideias de Bolívar, de San Martín, de Artigas, de Alfaro, de Morazán, de Martí e, mais recentemente, do Che e de Fidel- a união dos povos da América Latina e do Caribe. Força desatada da natureza, Chávez "reformatou” a agenda dos governos, dos partidos, dos movimentos sociais da região, com uma interminável torrente de iniciativas e propostas integracionistas: desde a Alba até a Telesul; desde Petrocaribe até o Banco do Sul. Desde a Unasul e do Conselho Sul-americano de Defesa até a Celac. Iniciativas todas que partilham um indelével código genético: seu fervente e incansável anti-imperialismo. Chávez já não estará entre nós, irradiando essa desbordante cordialidade; esse afiado e fulminante sentido do humor que desarmava os procedimentos protocolares; essa generosidade e altruísmo que o faziam tão querido. Martiano até a medula, sabia que, tal como dissera o Apóstolo cubano, para ser livres, há que ser cultos. Por isso, sua curiosidade intelectual não tinha limites. Em uma época na qual quase nenhum chefe de Estado lê –o que liam seus detratores Bush, Aznar, Berlusconi, Menem, Fox, Fujimori-, Chávez era o leitor que todo autor gostaria de ter para seus livros. Lia em todo momento, apesar das pesadas obrigações que suas responsabilidades de governo lhe impunham. E lia com paixão, com seus lápis e marcadores de texto de diversas cores em punho, com os quais marcava e anotava as passagens mais interessantes, as citações mais chamativas, os argumentos mais profundos do livro que estava lendo. Esse homem extraordinário, que me honrou com sua entranhável amizade, partiu para sempre. Porém, nos deixou um legado imenso, inapagável; e os povos de Nossa América, inspirados para sempre por seu exemplo, continuarão transitando pela senda que conduz para nossa segunda e definitiva independência.
Acontecerá com ele o que passou com o Che: sua morte, longe de apagá-lo da cena política, agigantará sua presença e sua gravitação nas lutas de nossos povos. Por um desses paradoxos que a história reserva somente para os grandes, sua morte o converte em uma personagem imortal. Parafraseando ao hino nacional venezuelano: Glória ao bravo Chávez! Até a vitória, sempre, Comandante!
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