Os dez anos de Plano Safra da Agricultura Familiar trazem um convite à reflexão sobre os rumos da agricultura familiar e do desenvolvimento rural. Observamos a ampliação nos recursos disponibilizados, a criação de novas políticas públicas, o aperfeiçoamento das já existentes e o reconhecimento político e institucional cada vez maior da categoria social. Em paralelo aos avanços, há muitos desafios e demandas em curso. O artigo é de Valdemar J. Wesz Junior e Catia Grisa.
Valdemar J. Wesz Junior e Catia Grisa
Na primeira semana de julho deste ano foi lançado mais um Plano Safra da Agricultura Familiar, completando dez anos de planejamento setorial que sinaliza e orienta as ações dirigidas especificamente a esta categoria de agricultores no horizonte de um ano agrícola. Para o ano de 2012/13 foram disponibilizados R$ 22,3 bilhões para as políticas de crédito rural (PRONAF), comercialização (PAA e PNAE), assistência técnica (PNATER), combate à pobreza rural (Brasil Sem Miséria), garantia de preços (PGPAF e PGPM) e seguro da produção (SEAF e Programa Garantia Safra). Como nos anos anteriores, o PRONAF sobressai a este conjunto de políticas públicas, recebendo R$ 18 bilhões, um aumento de 12,5% em relação aos dois últimos anos. Esta ampliação dos recursos segue uma tendência observada ao longo destes dez anos de Plano Safra da Agricultura Familiar, sendo que o valor atual representa mais que o triplo daquele disponibilizado no ano 2003/04 (R$ 5,4 bilhões).
No atual Plano Safra da Agricultura Familiar, o PRONAF mantém o movimento de redução das taxas de juros e ampliação dos limites máximos financiados e da renda para fins de enquadramento dos agricultores no Programa. Os juros do novo Plano Safra variam entre 0,5% e 4%, enquanto no ano 2003/04 oscilavam de 1,5% a 7,5%; o teto do valor financiado para contratos de custeio foi elevado para R$ 80 mil e o de investimento manteve-se em R$ 130 mil como no ano anterior, sendo que em 2003 eram respectivamente R$ 28 mil e R$ 36 mil; ampliou-se o limite de financiamento para algumas linhas do PRONAF, como Agroindústria, Floresta, Jovem, Semiárido e Eco; a renda máxima para enquadramento no PRONAF passou para R$ 160 mil ao passo que no primeiro Plano Safra era de R$ 60 mil [1], e a renda bruta máxima de enquadramento no Grupo B foi elevada para R$ 10 mil, cinco vezes àquela observada em 2003.
Ao longo destes dez anos também aconteceram mudanças importantes nos mecanismos de participação das organizações associativas no Programa. Na safra 2003/04 podiam acessar o PRONAF as cooperativas e associações que tivessem no seu quadro social um mínimo de 90% de agricultores familiares, os quais precisavam responder por 70% da produção. A partir do Plano Safra 2008/09 passaram a ser incluídas as cooperativas que tivessem a sua estrutura social formada por 70% de agricultores familiares, os quais deveriam ser responsáveis por, no mínimo, 55% da produção.
Paralelamente ampliou-se o limite do patrimônio líquido das cooperativas para fins de enquadramento, saindo de R$ 3 milhões em 2003 para R$ 150 milhões na safra 2012/13. O volume de recursos disponibilizados também apresentou grande acréscimo, alcançando atualmente R$ 30 milhões por cooperativa, enquanto que em 2003/04 o máximo permitido era de R$ 720 mil (aumento em 40 vezes).
Assim, o PRONAF passou a disponibilizar um volume crescente de recursos ao apoio das grandes cooperativas. Vislumbra-se, aqui, a opção por uma política de fomento bastante favorável às cooperativas de maior porte em um contexto marcado por fortes desafios à atuação das pequenas cooperativas e pela existência de uma série de barreiras ao envolvimento das associações de produtores na comercialização de produtos agrícolas e no desenvolvimento de atividades com fins econômicos de modo geral. Coloca-se a necessidade de um debate mais aprofundado sobre o perfil de associativismo a ser fomentado pelo PRONAF, considerando os diferentes perfis de agricultores atendidos pelo Programa.
As mudanças identificadas no PRONAF, tanto em nível individual (agricultor familiar) como no fomento ao associativismo, favorecem cada vez mais a participação de um conjunto amplo e diferenciado de agricultores. Todavia, é importante verificar em que medida estas alterações normativas têm se traduzido na democratização do acesso e em uma qualificação dos resultados do Programa. Na safra 2009/10, os pronafianos do grupo B e os beneficiários da reforma agrária (PRONAF A e A/C) acessaram, respectivamente, 9,5% e 2% dos recursos totais, sendo que estes grupos, segundo o Censo Agropecuário 2006, correspondem a 72,2% da agricultura familiar brasileira. De 2003 até 2006 o número de contratos elevou-se para 1,85 milhão e desde então foi reduzindo, alcançando nos últimos anos agrícolas cerca de 1,5 milhão, e o valor médio dos mesmos tem se elevado, passando de R$ 3.344,89 em 2003 para R$ 8.639,97 em 2011.
Nos últimos anos, a região Sul do Brasil voltou a concentrar mais de 50% dos recursos aplicados – somente o Rio Grande do Sul recebeu R$ 3,25 bilhões em 2011 (24,4% do total). Já o Nordeste, que detém metade dos estabelecimentos da agricultura familiar, tem sido beneficiado por apenas 12% dos recursos totais do Programa de 2009 a 2011.
É importante destacar que desde 2003 tem se evidenciado uma tendência de equilíbrio entre as operações de crédito de custeio e de investimento no Programa, diferentemente do período precedente quando os valores de custeio eram expressivamente superiores. Esta mudança tem influência da Linha Mais Alimentos, visto que desde o seu lançamento em 2008 até abril de 2012 já foram comercializados 300 colheitadeiras, quatro mil veículos de transporte de cargas e 44 mil tratores, superando significativamente os menos de sete mil tratores adquiridos nos dez anos anteriores à vigência desta linha específica de financiamento. Enquanto em 2003 a compra de máquinas e equipamentos representava 25% dos contratos de investimento agrícola (com um montante de R$ 95,6 milhões), em 2011 ela passou a dominar mais de 50% desta modalidade de crédito (com um volume superior a R$ 1,5 bilhão) [2]. Também foi importante neste equilíbrio a aquisição de animais, que passou de 4,44% dos contratos e 10,03% dos recursos totais do PRONAF em 2003 para, respectivamente, 21,81% e 17,81% em 2011.
Em termos de custeio agrícola, cabe notar que de 2003 até 2011 dois produtos (milho e soja) são responsáveis por mais de 50% do custeio agrícola aplicados pelo Programa – no Paraná esse valor chega a 80%. Segundo o Anuário Estatístico do Crédito Rural, somando café a estes produtos, os três respondem por 65-70% dos valores totais neste período, com redução na participação do milho e incremento na de soja e café.
Este conjunto de dados do PRONAF chama a atenção para as características da agricultura familiar que tem acessado o Programa. Como visto, não raro diz respeito a um agricultor familiar mais capitalizado, localizado no Sul do Brasil e produtor de commodities agrícolas. É preciso refletir sobre o papel da principal política pública para a agricultura familiar no fortalecimento do conjunto desta categoria social.
No evento de lançamento do Plano Safra 2012/13, outras duas políticas públicas foram recorrentemente destacadas por gestores públicos e representantes de movimentos sociais e sindicais rurais. Trata-se do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para os quais foram disponibilizados, respectivamente, R$ 1,2 bilhão e R$1,1 bilhão (sendo R$ 148 milhões oriundos do MDA e R$ 1,08 bilhão do MDS). No caso do PNAE, também foi ampliado o limite de compras por agricultor/ano, passando de R$ 9 mil para R$ 20 mil.
Esta mudança, por um lado, permite o fortalecimento dos agricultores inseridos no Programa e, por outro, limita a inclusão de um número maior de agricultores familiares neste mercado institucional. Enquanto o valor por agricultor/ano anterior poderia beneficiar cerca de 130 mil estabelecimentos, admitindo o uso do limite máximo permitido, o novo limite de compras pode atender menos da metade deste número (60 mil).
Além da ampliação de recursos para o PAA, que em 2003 recebeu quase R$ 145 milhões e em 2011 aproximadamente R$ 775 milhões, o novo Plano Safra institucionalizou mais uma modalidade denominada Compra Institucional que permite aos estados e municípios comprar com seus próprios recursos os produtos de agricultores familiares no valor de até R$ 8 mil por fornecedor, podendo destinar estes alimentos para, por exemplo, restaurantes de órgãos públicos, universidades e hospitais públicos.
Ademais, no mesmo evento o governo assinou o Decreto nº. 7.775 de julho de 2012 explicitando, entre outros elementos, a nova gestão do Programa a partir de Termos de Adesão com estados, municípios e consórcios de municípios.
Estas mudanças, somadas às alterações que aconteceram desde a implementação do PAA (criação de modalidades, aumento dos recursos e do número de agricultores e organizações/pessoas beneficiadas, articulação com o Plano Brasil Sem Miséria), contribuíram para dar maior visibilidade e notoriedade ao Programa, o qual é considerado modelo para vários países da África e das Américas do Sul e Central. Nestas mudanças, é importante não perder de vista o papel que o PAA vem desempenhando na construção, estruturação e regulação de mercados para o conjunto da agricultura familiar e na criação e fortalecimento das organizações de produtores, contribuindo, assim, no âmbito da política agrícola e no empoderamento destes atores sociais.
Para a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), o novo Plano Safra disponibilizou R$ 542 milhões, valor bem acima dos R$ 40 milhões aplicados em 2003, mas próximo dos recursos ofertados em anos recentes. Desde 2003, um conjunto de mudanças vem ocorrendo com a ATER, envolvendo a ampliação dos recursos, a promulgação da Lei Geral de ATER em 2010, a realização da I Conferência Nacional sobre Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (CNATER) e a publicação de chamadas públicas diferenciadas para segmentos da agricultura familiar, regiões ou produtos/sistemas específicos. Conforme o Plano Safra 2012/13, todas as novas contratações exigirão ações para melhorar a gestão ambiental da propriedade e reduzir o uso de agrotóxicos, visando promover a “Rota da Sustentabilidade”.
No mesmo dia do lançamento do Plano Safra também foi ressaltada a criação futura de uma Agência Nacional de Extensão Rural, que será um tema importante de discussão no próximo período. Apesar dos avanços realizados para recuperar o papel da ATER em âmbito nacional, é preciso refletir sobre a institucionalidade e as metodologias predefinidas que embasam as chamadas públicas e sua adequação às diferentes realidades locais.
Desde 2003, dois instrumentos foram criados visando à proteção dos estabelecimentos familiares em relação ao clima, preço e renda: Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) e Programa de Garantia de Preço da Agricultura Familiar (PGPAF), os quais se somam ao Programa Garantia Safra criado em 2002. Com o novo Plano Safra, o SEAF aumentou a renda assegurada de R$ 3,5 mil para R$ 5 mil, o PGPAF passou a proteger o preço de 46 produtos, incluídos produtos da cesta básica e da sociobiodiversidade, e ambos os programas estenderam suas ações para os pronafianos do Grupo B que contratarem financiamento de custeio. No que concerne ao Garantia Safra, a partir deste ano agrícola o Programa estendeu suas ações para agricultores e municípios de todo o país, anteriormente restrito aos produtores do semiárido.
Antecipando algumas medidas previstas para 2014, o novo Plano Safra dá sequência às ações que vinham sendo desenvolvidas no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria, cujo foco é promover a inclusão socioprodutiva do segmento em extrema pobreza. Destacam-se entre as ações a política de ATER, o PAA, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR) e o Programa de Fomento a Atividades Produtivas Rurais, que distribui aos agricultores recursos não reembolsáveis (R$ 2.400,00) e insumos.
É pertinente destacar que no lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2012/13 os movimentos sociais e sindicais rurais ressaltaram a importância da criação e da expansão de programas inovadores para a agricultura familiar. Contudo, cobraram maior atenção e aperfeiçoamento das políticas públicas existentes e reforçaram a necessidade de retomar a política de reforma agrária no país. Como argumentaram as organizações, a acesso ao conjunto de programas destacados no documento passa primordialmente pelo acesso a terra.
É importante ressaltar ainda a dualidade da agricultura brasileira. Na semana anterior ao lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, o governo divulgou o Plano Agrícola e Pecuário 2012/2013, vinculado ao MAPA e direcionado aos produtores não familiares, os quais, segundo o último Censo Agropecuário, representam 15,6% dos estabelecimentos brasileiros. Neste Plano, o valor oferecido pelo MAPA para o financiamento da produção é seis vezes maior do que aquele da agricultura familiar (o montante chega a R$ 115 bilhões); além disso, enquanto os recursos disponibilizados para agricultura familiar cresceram na ordem de 233% desde 2003, o crédito para os produtores não familiares aumentou 325%.
Nestes dez anos de Plano Safra da Agricultura Familiar, este boletim faz um convite à reflexão sobre os rumos da agricultura familiar e do desenvolvimento rural a partir da contribuição das políticas públicas diferenciadas. Observamos a ampliação nos recursos disponibilizados, a criação de novas políticas públicas, o aperfeiçoamento das já existentes e o reconhecimento político e institucional cada vez maior da categoria social. Em paralelo aos avanços importantes que podem ser notados, há muitos desafios e demandas em curso.
(*) Os autores são pesquisadores do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA) do CPDA/UFRRJ.
NOTAS
[1] No Plano Safra 2010/11 foi autorizado o acesso ao PRONAF pelos agricultores familiares com renda bruta anual familiar de até R$ 220 mil, desde que fossem produtores de milho, feijão, soja, arroz, trigo, bovinocultura de corte ou que estivessem em processo de reconversão produtiva do fumo.
[2] Conforme o Anuário Estatístico do Crédito Rural, em termos de recursos para o financiamento de máquinas e equipamentos agrícolas, o Rio Grande do Sul recebeu 44% e a região Sul ¾ do volume total aplicado no país.
No atual Plano Safra da Agricultura Familiar, o PRONAF mantém o movimento de redução das taxas de juros e ampliação dos limites máximos financiados e da renda para fins de enquadramento dos agricultores no Programa. Os juros do novo Plano Safra variam entre 0,5% e 4%, enquanto no ano 2003/04 oscilavam de 1,5% a 7,5%; o teto do valor financiado para contratos de custeio foi elevado para R$ 80 mil e o de investimento manteve-se em R$ 130 mil como no ano anterior, sendo que em 2003 eram respectivamente R$ 28 mil e R$ 36 mil; ampliou-se o limite de financiamento para algumas linhas do PRONAF, como Agroindústria, Floresta, Jovem, Semiárido e Eco; a renda máxima para enquadramento no PRONAF passou para R$ 160 mil ao passo que no primeiro Plano Safra era de R$ 60 mil [1], e a renda bruta máxima de enquadramento no Grupo B foi elevada para R$ 10 mil, cinco vezes àquela observada em 2003.
Ao longo destes dez anos também aconteceram mudanças importantes nos mecanismos de participação das organizações associativas no Programa. Na safra 2003/04 podiam acessar o PRONAF as cooperativas e associações que tivessem no seu quadro social um mínimo de 90% de agricultores familiares, os quais precisavam responder por 70% da produção. A partir do Plano Safra 2008/09 passaram a ser incluídas as cooperativas que tivessem a sua estrutura social formada por 70% de agricultores familiares, os quais deveriam ser responsáveis por, no mínimo, 55% da produção.
Paralelamente ampliou-se o limite do patrimônio líquido das cooperativas para fins de enquadramento, saindo de R$ 3 milhões em 2003 para R$ 150 milhões na safra 2012/13. O volume de recursos disponibilizados também apresentou grande acréscimo, alcançando atualmente R$ 30 milhões por cooperativa, enquanto que em 2003/04 o máximo permitido era de R$ 720 mil (aumento em 40 vezes).
Assim, o PRONAF passou a disponibilizar um volume crescente de recursos ao apoio das grandes cooperativas. Vislumbra-se, aqui, a opção por uma política de fomento bastante favorável às cooperativas de maior porte em um contexto marcado por fortes desafios à atuação das pequenas cooperativas e pela existência de uma série de barreiras ao envolvimento das associações de produtores na comercialização de produtos agrícolas e no desenvolvimento de atividades com fins econômicos de modo geral. Coloca-se a necessidade de um debate mais aprofundado sobre o perfil de associativismo a ser fomentado pelo PRONAF, considerando os diferentes perfis de agricultores atendidos pelo Programa.
As mudanças identificadas no PRONAF, tanto em nível individual (agricultor familiar) como no fomento ao associativismo, favorecem cada vez mais a participação de um conjunto amplo e diferenciado de agricultores. Todavia, é importante verificar em que medida estas alterações normativas têm se traduzido na democratização do acesso e em uma qualificação dos resultados do Programa. Na safra 2009/10, os pronafianos do grupo B e os beneficiários da reforma agrária (PRONAF A e A/C) acessaram, respectivamente, 9,5% e 2% dos recursos totais, sendo que estes grupos, segundo o Censo Agropecuário 2006, correspondem a 72,2% da agricultura familiar brasileira. De 2003 até 2006 o número de contratos elevou-se para 1,85 milhão e desde então foi reduzindo, alcançando nos últimos anos agrícolas cerca de 1,5 milhão, e o valor médio dos mesmos tem se elevado, passando de R$ 3.344,89 em 2003 para R$ 8.639,97 em 2011.
Nos últimos anos, a região Sul do Brasil voltou a concentrar mais de 50% dos recursos aplicados – somente o Rio Grande do Sul recebeu R$ 3,25 bilhões em 2011 (24,4% do total). Já o Nordeste, que detém metade dos estabelecimentos da agricultura familiar, tem sido beneficiado por apenas 12% dos recursos totais do Programa de 2009 a 2011.
É importante destacar que desde 2003 tem se evidenciado uma tendência de equilíbrio entre as operações de crédito de custeio e de investimento no Programa, diferentemente do período precedente quando os valores de custeio eram expressivamente superiores. Esta mudança tem influência da Linha Mais Alimentos, visto que desde o seu lançamento em 2008 até abril de 2012 já foram comercializados 300 colheitadeiras, quatro mil veículos de transporte de cargas e 44 mil tratores, superando significativamente os menos de sete mil tratores adquiridos nos dez anos anteriores à vigência desta linha específica de financiamento. Enquanto em 2003 a compra de máquinas e equipamentos representava 25% dos contratos de investimento agrícola (com um montante de R$ 95,6 milhões), em 2011 ela passou a dominar mais de 50% desta modalidade de crédito (com um volume superior a R$ 1,5 bilhão) [2]. Também foi importante neste equilíbrio a aquisição de animais, que passou de 4,44% dos contratos e 10,03% dos recursos totais do PRONAF em 2003 para, respectivamente, 21,81% e 17,81% em 2011.
Em termos de custeio agrícola, cabe notar que de 2003 até 2011 dois produtos (milho e soja) são responsáveis por mais de 50% do custeio agrícola aplicados pelo Programa – no Paraná esse valor chega a 80%. Segundo o Anuário Estatístico do Crédito Rural, somando café a estes produtos, os três respondem por 65-70% dos valores totais neste período, com redução na participação do milho e incremento na de soja e café.
Este conjunto de dados do PRONAF chama a atenção para as características da agricultura familiar que tem acessado o Programa. Como visto, não raro diz respeito a um agricultor familiar mais capitalizado, localizado no Sul do Brasil e produtor de commodities agrícolas. É preciso refletir sobre o papel da principal política pública para a agricultura familiar no fortalecimento do conjunto desta categoria social.
No evento de lançamento do Plano Safra 2012/13, outras duas políticas públicas foram recorrentemente destacadas por gestores públicos e representantes de movimentos sociais e sindicais rurais. Trata-se do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), para os quais foram disponibilizados, respectivamente, R$ 1,2 bilhão e R$1,1 bilhão (sendo R$ 148 milhões oriundos do MDA e R$ 1,08 bilhão do MDS). No caso do PNAE, também foi ampliado o limite de compras por agricultor/ano, passando de R$ 9 mil para R$ 20 mil.
Esta mudança, por um lado, permite o fortalecimento dos agricultores inseridos no Programa e, por outro, limita a inclusão de um número maior de agricultores familiares neste mercado institucional. Enquanto o valor por agricultor/ano anterior poderia beneficiar cerca de 130 mil estabelecimentos, admitindo o uso do limite máximo permitido, o novo limite de compras pode atender menos da metade deste número (60 mil).
Além da ampliação de recursos para o PAA, que em 2003 recebeu quase R$ 145 milhões e em 2011 aproximadamente R$ 775 milhões, o novo Plano Safra institucionalizou mais uma modalidade denominada Compra Institucional que permite aos estados e municípios comprar com seus próprios recursos os produtos de agricultores familiares no valor de até R$ 8 mil por fornecedor, podendo destinar estes alimentos para, por exemplo, restaurantes de órgãos públicos, universidades e hospitais públicos.
Ademais, no mesmo evento o governo assinou o Decreto nº. 7.775 de julho de 2012 explicitando, entre outros elementos, a nova gestão do Programa a partir de Termos de Adesão com estados, municípios e consórcios de municípios.
Estas mudanças, somadas às alterações que aconteceram desde a implementação do PAA (criação de modalidades, aumento dos recursos e do número de agricultores e organizações/pessoas beneficiadas, articulação com o Plano Brasil Sem Miséria), contribuíram para dar maior visibilidade e notoriedade ao Programa, o qual é considerado modelo para vários países da África e das Américas do Sul e Central. Nestas mudanças, é importante não perder de vista o papel que o PAA vem desempenhando na construção, estruturação e regulação de mercados para o conjunto da agricultura familiar e na criação e fortalecimento das organizações de produtores, contribuindo, assim, no âmbito da política agrícola e no empoderamento destes atores sociais.
Para a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), o novo Plano Safra disponibilizou R$ 542 milhões, valor bem acima dos R$ 40 milhões aplicados em 2003, mas próximo dos recursos ofertados em anos recentes. Desde 2003, um conjunto de mudanças vem ocorrendo com a ATER, envolvendo a ampliação dos recursos, a promulgação da Lei Geral de ATER em 2010, a realização da I Conferência Nacional sobre Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (CNATER) e a publicação de chamadas públicas diferenciadas para segmentos da agricultura familiar, regiões ou produtos/sistemas específicos. Conforme o Plano Safra 2012/13, todas as novas contratações exigirão ações para melhorar a gestão ambiental da propriedade e reduzir o uso de agrotóxicos, visando promover a “Rota da Sustentabilidade”.
No mesmo dia do lançamento do Plano Safra também foi ressaltada a criação futura de uma Agência Nacional de Extensão Rural, que será um tema importante de discussão no próximo período. Apesar dos avanços realizados para recuperar o papel da ATER em âmbito nacional, é preciso refletir sobre a institucionalidade e as metodologias predefinidas que embasam as chamadas públicas e sua adequação às diferentes realidades locais.
Desde 2003, dois instrumentos foram criados visando à proteção dos estabelecimentos familiares em relação ao clima, preço e renda: Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) e Programa de Garantia de Preço da Agricultura Familiar (PGPAF), os quais se somam ao Programa Garantia Safra criado em 2002. Com o novo Plano Safra, o SEAF aumentou a renda assegurada de R$ 3,5 mil para R$ 5 mil, o PGPAF passou a proteger o preço de 46 produtos, incluídos produtos da cesta básica e da sociobiodiversidade, e ambos os programas estenderam suas ações para os pronafianos do Grupo B que contratarem financiamento de custeio. No que concerne ao Garantia Safra, a partir deste ano agrícola o Programa estendeu suas ações para agricultores e municípios de todo o país, anteriormente restrito aos produtores do semiárido.
Antecipando algumas medidas previstas para 2014, o novo Plano Safra dá sequência às ações que vinham sendo desenvolvidas no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria, cujo foco é promover a inclusão socioprodutiva do segmento em extrema pobreza. Destacam-se entre as ações a política de ATER, o PAA, o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural (PNDTR) e o Programa de Fomento a Atividades Produtivas Rurais, que distribui aos agricultores recursos não reembolsáveis (R$ 2.400,00) e insumos.
É pertinente destacar que no lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar 2012/13 os movimentos sociais e sindicais rurais ressaltaram a importância da criação e da expansão de programas inovadores para a agricultura familiar. Contudo, cobraram maior atenção e aperfeiçoamento das políticas públicas existentes e reforçaram a necessidade de retomar a política de reforma agrária no país. Como argumentaram as organizações, a acesso ao conjunto de programas destacados no documento passa primordialmente pelo acesso a terra.
É importante ressaltar ainda a dualidade da agricultura brasileira. Na semana anterior ao lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, o governo divulgou o Plano Agrícola e Pecuário 2012/2013, vinculado ao MAPA e direcionado aos produtores não familiares, os quais, segundo o último Censo Agropecuário, representam 15,6% dos estabelecimentos brasileiros. Neste Plano, o valor oferecido pelo MAPA para o financiamento da produção é seis vezes maior do que aquele da agricultura familiar (o montante chega a R$ 115 bilhões); além disso, enquanto os recursos disponibilizados para agricultura familiar cresceram na ordem de 233% desde 2003, o crédito para os produtores não familiares aumentou 325%.
Nestes dez anos de Plano Safra da Agricultura Familiar, este boletim faz um convite à reflexão sobre os rumos da agricultura familiar e do desenvolvimento rural a partir da contribuição das políticas públicas diferenciadas. Observamos a ampliação nos recursos disponibilizados, a criação de novas políticas públicas, o aperfeiçoamento das já existentes e o reconhecimento político e institucional cada vez maior da categoria social. Em paralelo aos avanços importantes que podem ser notados, há muitos desafios e demandas em curso.
(*) Os autores são pesquisadores do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA) do CPDA/UFRRJ.
NOTAS
[1] No Plano Safra 2010/11 foi autorizado o acesso ao PRONAF pelos agricultores familiares com renda bruta anual familiar de até R$ 220 mil, desde que fossem produtores de milho, feijão, soja, arroz, trigo, bovinocultura de corte ou que estivessem em processo de reconversão produtiva do fumo.
[2] Conforme o Anuário Estatístico do Crédito Rural, em termos de recursos para o financiamento de máquinas e equipamentos agrícolas, o Rio Grande do Sul recebeu 44% e a região Sul ¾ do volume total aplicado no país.
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