quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Círculos Conservadores ameaçam tendências incipientes de melhoria na distribuição de renda



Recebo algumas indicações editoriais, às vezes freqüentes, para comparar a situação econômica do Brasil com países do Centro em crise - Europa e Estados Unidos. Há nessas indicações uma pergunta, sugestão ou afirmação indireta, de que o Brasil vai bem ou melhor que o resto do mundo. Agora a sugestão que recebo, após divulgação dos dados da PNAD-2011, é de explicar ‘por que o desemprego diminuiu e a renda média do trabalho aumentou'.

GUILHERME C. DELGADO
Vou enfrentar essa sugestão editorial, desde logo fazendo duas pequenas emendas - tratemos do mundo do trabalho, e não apenas do mercado de trabalho, e de um período maior que o último ano, confrontando o que se passou na última década com o que está por vir. Tudo evidentemente tratado de forma ultra-sintética, de maneira a caber nos limites de um artigo jornalístico.

Na primeira década deste século, a que o ano de 2011 se agrega por similaridade, o emprego cresceu (e o desemprego diminuiu) de maneira muito mais significativa do que os próprios protagonistas da política econômica poderiam suspeitar. Basta lembrar um fato eleitoral significativo da campanha presidencial de 2002. Serra e Lula anunciavam, respectivamente, metas ambiciosas de 7,0 e 10,0 milhões de empregos a serem criados no período do mandato em disputa (2003-2006). Mas os resultados do quadriênio e, principalmente, da década foram substancialmente mais elevados que a meta mais ambiciosa.

Dobra o número de segurados contribuintes do INSS, atingindo no final da década 60,0 milhões de pessoas. E a remuneração da base da pirâmide (salários de um a três salários mínimos), sobre a qual se concentram pouco mais de 80% dos empregos criados, melhorou por duas razões: o mercado de trabalho foi expansivo e os direitos sociais, sob a forma de ‘benefícios sociais monetários' e salário mínimo, exerceram o papel mais relevante na expansão da renda do trabalho. De 2000 a 2009, a renda do trabalho pula de 45,85% para 51,7 % da Renda Interna Bruta (que é igual ao PIB), segundo os dados já publicados pelo IBGE - Contas Nacionais. No mesmo período, o agregado "Salários e Ordenados" vai de 32,2% a 35,6 % da Renda Interna Bruta.

Observe o leitor o peso significativo da política social na determinação da renda do trabalho e ainda o caráter concentrado na base da pirâmide para o fenômeno da expansão do emprego. Isto é de certa forma uma boa notícia, mas também é problemático, porque, para os níveis de escolaridade mais altos e níveis de remuneração também mais elevados (maior que três até seis salários mínimos e maior que seis até dez salários mínimos), o ritmo da expansão dos empregos foi bem menor.

Como o espaço de um artigo é restrito para me alongar explicativamente sobre as causas do desempenho recente, vou direto ao segundo ponto. E daqui para frente, quais são as tendências mais prováveis do emprego e da renda do trabalho.

Responder a esta segunda indagação, também de forma muito sintética, requer que nos concentremos em três vetores codeterminantes: demografia, crescimento econômico e política social, com função distributiva.

O fator demográfico conta pontos em favor do ‘pleno emprego' e até mesmo da ampliação do leque de inclusão em faixas salariais mais altas, porque o incremento de população em idade ativa (dos 16 aos 60 ou 65 anos) deve se reduzir, ainda que lentamente na atual década.
O sistema econômico criando cerca de l,5 milhão de empregos novos ao ano, que é relativamente pouco, se considerarmos o tamanho da População Economicamente Ativa atual - pouco mais de 100,0 milhões de trabalhadores -, daria conta de manter o nível de emprego alto, como o temos no momento.

Mas precisamos ter a atenção voltada para políticas que são muito importantes para perscrutar as tendências futuras do mercado de trabalho e das remunerações dos trabalhadores: a) o crescimento econômico que se projeta e persegue para o futuro próximo; b) a política de imigração de mão de obra que se venha a adotar, preventivamente à alegada escassez demográfica; e c) o financiamento da política social. Essas determinações de política econômica e social estão sendo miradas em certos círculos conservadores, como vias de reversão das tendências muito incipientes de melhoria da distribuição funcional da renda. Este é o jogo político em curso, nitidamente de caráter distributivo, mas que infelizmente jamais será tratado de maneira objetiva nos grandes veículos de comunicação de massa.

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

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