Antes de deixar CNV, Fonteles sugere trabalho de investigação permanente
Primeiro coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles era o rosto mais conhecido e sempre procurou tornar públicos os resultados dos trabalhos da CNV. Foi exatamente essa exposição, internamente considerada exagerada por alguns outros membros da comissão, que teria alimentado as divergências que acabaram provocando a renúncia de Fonteles.
Maurício Thuswohl
Rio de Janeiro – Chegou nesta quarta-feira (19) às mãos da presidenta Dilma Rousseff o pedido de renúncia do ex-procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, ao lugar que ocupa na Comissão Nacional da Verdade (CNV) desde que o grupo encarregado de apurar informações sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) foi instituído em maio do ano passado. Primeiro coordenador da Comissão, Fonteles era o rosto mais conhecido e sempre procurou tornar públicos os resultados dos trabalhos da CNV. Foi exatamente essa exposição, internamente considerada exagerada por alguns outros membros da comissão, que teria alimentado as divergências que acabaram provocando a renúncia de Fonteles.
Há duas semanas, quando esteve no Rio de Janeiro para participar da cerimônia de abertura de um evento no Arquivo Nacional, Cláudio Fonteles teve uma conversa exclusiva com a Carta Maior, na qual fez um balanço de seu trabalho na CNV e das expectativas quanto aos próximos passos da comissão e falou sobre as recomendações que ela encaminhará ao governo como conclusão de seus trabalhos. Segundo Fonteles, a sociedade brasileira precisa se preparar para dar continuidade ao esforço de recuperação da memória e da verdade mesmo após o término do mandato da CNV, criando o que ele qualifica como uma “rede permanente de proteção à democracia”. Leia a seguir as palavras ditas naquele momento por Fonteles sobre diversos temas ligados à CNV:
Investigações permanentes - “A análise do material produzido no período da ditadura, sem dúvida, se estenderá para além do término do mandato da Comissão Nacional da Verdade. Nossa intenção é estimular todos nós brasileiros a criarmos uma grande rede permanente protetiva da democracia, incentivando a criação de comitês em universidades, sindicatos e entidades representativas. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por exemplo, já fizeram isso. Esses comitês não têm data para acabar, ao contrário da CNV e das Comissões Estaduais da Verdade”.
Investigações permanentes 2 - “A Comissão Nacional da Verdade sozinha não vai a lugar nenhum. As recomendações têm que ser medidas permanentes e concretas. Não podem ser só da CNV, têm que ser resultado de uma obra plural e coletiva. Todos os cidadãos precisam conhecer o que houve no período da ditadura. Nossos netos e os netos dos nossos netos precisam conhecer a verdade dos fatos. Somente isso garantirá a perenidade da democracia no Brasil”.
Documentos militares – “Tenho produzido textos, cerca de 150 páginas já estão no site da CNV. Tudo o que eu digo é comprovado com a documentação produzida pelo próprio estado ditatorial militar. Essa documentação hoje é aberta, mas antigamente era classificada como secreta, reservada ou confidencial. O estado ditatorial militar era como um polvo. A cabeça desse polvo era o Sistema Nacional de Informações (SISNI) e os tentáculos eram os órgãos de informação das corporações militares: o CIE do Exército, o Cenimar da Marinha e Cisa da Aeronáutica, o SNI e o Dops”.
Envolvimento da sociedade - “A revelação de casos está mexendo mais com as pessoas e fez também com que, desde outubro do ano passado, a imprensa começasse a se envolver fortemente. Isso é fundamental, pois se os jornalistas não se envolverem, podemos esquecer a CNV. Conseguir manter esse tema na pauta da imprensa será vital para que nunca mais tenhamos a experiência de um estado ditatorial militar”.
Lei de Anistia – “No tocante à Lei de Anistia, o que sair da CNV é tema certo para as recomendações que serão feitas ao governo. Nós não temos funções judiciais ou persecutórias, mas nada impede que, nas recomendações, nos posicionemos diante da decisão do STF, que não é definitiva. A anistia não está sacramentada pelo governo. A Suprema Corte tem de apreciar sobre o tema da anistia ainda um recurso de embargo do Conselho Federal da OAB. Portanto, a questão ainda não está decidida imutavelmente pelo STF. Nós podemos, nesse grande processo de reflexão, apresentar recomendações pela alteração da decisão do STF”.
Conceito de punição – “O reconhecimento pode representar já uma punição e, para serem punidas, as pessoas não precisam necessariamente ir para a prisão. O sentimento da vingança, embora não seja um bom sentimento, é coisa nossa, do ser humano. Acho que o grande significado para os que tombaram e morreram, e também para os que aqui estão, não é tanto saber quem foram os responsáveis, mas saber que a causa pela qual tombaram tornou-se uma causa eterna, que os brasileiros terão sempre democracia e nunca mais ditadura. Isso para mim tem muito mais sentido, vai além de saber que deu o tiro de misericórdia”.
Araguaia – “Encontramos relatórios secretos do general Antônio Bandeira, comandante do Exército naquela ocasião, descriminando todas as operações realizadas em 1972. Ainda teremos 1973 e 1974. Somente em 72, o Exército e a Marinha mobilizaram na região do Araguaia 2.437 militares contra 66 guerrilheiros do PCdoB. Mataram pessoas a título de manobra de exercício. Massacraram cidadãos brasileiros armados com armas de caça e mosquetões e com uma quantidade ínfima de munição”.
Audiência Pública com o coronel Brilhante Ustra – “O coronel Ustra, não falando, falou. E muito. O confrontamos com um documento secreto, produzido pelo DOI-CODI do 2º Exército, que ele comandava, e endereçado ao general-comandante do 2º Exército. O documento traz a descriminação detalhada de quantos presos foram liberados, encaminhados ao DOPS ou outros órgãos e mortos. O documento, que é de novembro de 1973, aponta 47 mortos. A ditadura diz que estas pessoas foram mortas com arma em punho. Como estavam presos, isso seria impossível. Confrontado com essa contradição, Ustra se calou. Para futuras audiências, vamos questionar essa coisa de o intimado poder permanecer calado”.
Perícia - “Vamos aprofundar o leque do trabalho pericial. Tivemos essas revelações dos últimos dias e também já tínhamos apontado as contradições no caso do assassinato de Carlos Marighela, onde demonstramos que ele foi morto quando já estava dentro do carro e sem a menor chance de defesa e não em pé, como sustentava a versão da ditadura. Vamos manter essas linhas”.
Próximas revelações - “Estamos trabalhando com a Comissão Estadual de Pernambuco para esclarecer a morte do padre Antônio Henrique, que era assessor especial de Dom Hélder Câmara. Documentos que obtivemos mostram a intervenção do então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, para mudar o destino de todo o inquérito, dizendo que o padre fora morto por um dependente químico com quem trabalhava e não pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), apesar de o próprio Secretariado Nacional de Informação (SNI) fazer essa avaliação. Também teremos em breve novidades esclarecedoras sobre a morte de Dom Lucas Alves em Minas Gerais e de Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz no Rio de Janeiro”.
Há duas semanas, quando esteve no Rio de Janeiro para participar da cerimônia de abertura de um evento no Arquivo Nacional, Cláudio Fonteles teve uma conversa exclusiva com a Carta Maior, na qual fez um balanço de seu trabalho na CNV e das expectativas quanto aos próximos passos da comissão e falou sobre as recomendações que ela encaminhará ao governo como conclusão de seus trabalhos. Segundo Fonteles, a sociedade brasileira precisa se preparar para dar continuidade ao esforço de recuperação da memória e da verdade mesmo após o término do mandato da CNV, criando o que ele qualifica como uma “rede permanente de proteção à democracia”. Leia a seguir as palavras ditas naquele momento por Fonteles sobre diversos temas ligados à CNV:
Investigações permanentes - “A análise do material produzido no período da ditadura, sem dúvida, se estenderá para além do término do mandato da Comissão Nacional da Verdade. Nossa intenção é estimular todos nós brasileiros a criarmos uma grande rede permanente protetiva da democracia, incentivando a criação de comitês em universidades, sindicatos e entidades representativas. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), por exemplo, já fizeram isso. Esses comitês não têm data para acabar, ao contrário da CNV e das Comissões Estaduais da Verdade”.
Investigações permanentes 2 - “A Comissão Nacional da Verdade sozinha não vai a lugar nenhum. As recomendações têm que ser medidas permanentes e concretas. Não podem ser só da CNV, têm que ser resultado de uma obra plural e coletiva. Todos os cidadãos precisam conhecer o que houve no período da ditadura. Nossos netos e os netos dos nossos netos precisam conhecer a verdade dos fatos. Somente isso garantirá a perenidade da democracia no Brasil”.
Documentos militares – “Tenho produzido textos, cerca de 150 páginas já estão no site da CNV. Tudo o que eu digo é comprovado com a documentação produzida pelo próprio estado ditatorial militar. Essa documentação hoje é aberta, mas antigamente era classificada como secreta, reservada ou confidencial. O estado ditatorial militar era como um polvo. A cabeça desse polvo era o Sistema Nacional de Informações (SISNI) e os tentáculos eram os órgãos de informação das corporações militares: o CIE do Exército, o Cenimar da Marinha e Cisa da Aeronáutica, o SNI e o Dops”.
Envolvimento da sociedade - “A revelação de casos está mexendo mais com as pessoas e fez também com que, desde outubro do ano passado, a imprensa começasse a se envolver fortemente. Isso é fundamental, pois se os jornalistas não se envolverem, podemos esquecer a CNV. Conseguir manter esse tema na pauta da imprensa será vital para que nunca mais tenhamos a experiência de um estado ditatorial militar”.
Lei de Anistia – “No tocante à Lei de Anistia, o que sair da CNV é tema certo para as recomendações que serão feitas ao governo. Nós não temos funções judiciais ou persecutórias, mas nada impede que, nas recomendações, nos posicionemos diante da decisão do STF, que não é definitiva. A anistia não está sacramentada pelo governo. A Suprema Corte tem de apreciar sobre o tema da anistia ainda um recurso de embargo do Conselho Federal da OAB. Portanto, a questão ainda não está decidida imutavelmente pelo STF. Nós podemos, nesse grande processo de reflexão, apresentar recomendações pela alteração da decisão do STF”.
Conceito de punição – “O reconhecimento pode representar já uma punição e, para serem punidas, as pessoas não precisam necessariamente ir para a prisão. O sentimento da vingança, embora não seja um bom sentimento, é coisa nossa, do ser humano. Acho que o grande significado para os que tombaram e morreram, e também para os que aqui estão, não é tanto saber quem foram os responsáveis, mas saber que a causa pela qual tombaram tornou-se uma causa eterna, que os brasileiros terão sempre democracia e nunca mais ditadura. Isso para mim tem muito mais sentido, vai além de saber que deu o tiro de misericórdia”.
Araguaia – “Encontramos relatórios secretos do general Antônio Bandeira, comandante do Exército naquela ocasião, descriminando todas as operações realizadas em 1972. Ainda teremos 1973 e 1974. Somente em 72, o Exército e a Marinha mobilizaram na região do Araguaia 2.437 militares contra 66 guerrilheiros do PCdoB. Mataram pessoas a título de manobra de exercício. Massacraram cidadãos brasileiros armados com armas de caça e mosquetões e com uma quantidade ínfima de munição”.
Audiência Pública com o coronel Brilhante Ustra – “O coronel Ustra, não falando, falou. E muito. O confrontamos com um documento secreto, produzido pelo DOI-CODI do 2º Exército, que ele comandava, e endereçado ao general-comandante do 2º Exército. O documento traz a descriminação detalhada de quantos presos foram liberados, encaminhados ao DOPS ou outros órgãos e mortos. O documento, que é de novembro de 1973, aponta 47 mortos. A ditadura diz que estas pessoas foram mortas com arma em punho. Como estavam presos, isso seria impossível. Confrontado com essa contradição, Ustra se calou. Para futuras audiências, vamos questionar essa coisa de o intimado poder permanecer calado”.
Perícia - “Vamos aprofundar o leque do trabalho pericial. Tivemos essas revelações dos últimos dias e também já tínhamos apontado as contradições no caso do assassinato de Carlos Marighela, onde demonstramos que ele foi morto quando já estava dentro do carro e sem a menor chance de defesa e não em pé, como sustentava a versão da ditadura. Vamos manter essas linhas”.
Próximas revelações - “Estamos trabalhando com a Comissão Estadual de Pernambuco para esclarecer a morte do padre Antônio Henrique, que era assessor especial de Dom Hélder Câmara. Documentos que obtivemos mostram a intervenção do então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, para mudar o destino de todo o inquérito, dizendo que o padre fora morto por um dependente químico com quem trabalhava e não pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), apesar de o próprio Secretariado Nacional de Informação (SNI) fazer essa avaliação. Também teremos em breve novidades esclarecedoras sobre a morte de Dom Lucas Alves em Minas Gerais e de Eduardo Collier e Fernando Santa Cruz no Rio de Janeiro”.
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