Para organização, o momento é de robustecer a democracia e os direitos humanos, não miná-los
Conectas
Conectas
A ONG Conectas – criada em São Paulo há 12 anos para defender os direitos humanos nos países do sul global – vem acompanhando de perto, nas ruas de São Paulo, todos os dias, as marchas e manifestações que se espalharam (17/06) para 12 capitais brasileiras, mobilizando mais de 200 mil pessoas esta semana, na maior onda de protestos no Brasil em mais de 20 anos.
Os protestos pacíficos são sinais inequívocos da vitalidade da democracia no Brasil. A ação da sociedade civil em torno de causas históricas de interesse coletivo mostra a importância de que estas bandeiras não estejam confinadas ao debate eleitoral a cada quatro anos e ganhem as ruas, indo além do debate permanente promovido por ONGs, partidos políticos e movimentos sociais organizados.
Para Conectas, o eixo central do que ocorre hoje no Brasil é a defesa dos direitos humanos em suas mais diversas expressões: direito à vida, à moradia, ao transporte, saúde, alimentação, opinião, movimento, associação, expressão etc. Neste sentido, o esforço da ampla maioria dos manifestantes coincide e reforça o trabalho que a organização realiza todos os dias, há mais de uma década, em favor dos direitos humanos.
Democracia e governo
O momento de enorme eletricidade política, incerteza e questionamento das estruturas formais de poder oferece à organização a oportunidade de reafirmar a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito e da democracia representativa, na qual os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – devem servir ao povo, como determina a Constituição, sob escrutínio rigoroso de uma imprensa livre, num contexto onde todas as correntes políticas têm o direito de expressar seus pontos de vista e de agremiar-se, seja na forma de partidos, seja na forma de movimentos sociais, sem constrangimentos de qualquer natureza, apresentando seu projeto de sociedade de maneira pacífica.
Polícia
Conectas acredita igualmente na subordinação das forças policiais e das forças armadas ao poder civil, como determina a Constituição. A organização denuncia há anos a falência do modelo de segurança pública vigente no País, construído sobre uma lógica perversa de discriminação social, econômica e racial, onde o recurso ao uso da força é feito de forma arbitrária e imprudente, muitas vezes sob impulsos de sadismo e crueldade, como verificado na marcha do dia 13 de junho, quando São Paulo viveu uma jornada especialmente violenta, na qual os abusos da polícia foram fartamente documentados. Os excessos das forças de segurança são novos na região central, mas velhos conhecidos da população da periferia e, em maior medida, da população carcerária brasileira – a quarta maior do mundo – submetida à superlotação, maus tratos, tortura e à ação de grupos criminosos organizados, além da violência inadmissível do próprio Estado.
Ao dizer isso, Conectas esclarece que não se opõe à existência da força pública. Isso significaria se opor à própria Constituição. O esforço da organização está direcionado no sentido de evitar, coibir, denunciar e responsabilizar culpados por violações aos direitos humanos cometidas por agentes encarregados da aplicação da lei em nome do Estado. E, como dito anteriormente, aproveitar o momento para reforçar o pedido da organização sobre um necessário novo modelo de polícia e política de segurança pública no País.
Autoridades políticas
A chave para o bom término do processo iniciado com os protestos está em grande medida na mão das autoridades políticas brasileiras, a quem se dirigem as mensagens carregadas por milhares de cidadãos nas ruas.
É inadmissível qualquer declaração de autoridade que possa encorajar a repressão violenta das manifestações. É também inadmissível o silêncio frente às demandas populares. A tensão que envolve este momento requer mensagens claras – especialmente do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Secretário de Segurança Pública, Fernando Grella – para impedir violações de direitos humanos por parte da polícia nas ruas. Igualmente, é fundamental a fluidez de canais de diálogo com a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos.
Movimentos e organizações
Movimentos e organizações que historicamente lutam pela democracia e pelos direitos humanos no Brasil têm, neste momento, a responsabilidade e todas as condições para fazer-se ouvir numa mensagem que rechace o uso da violência como meio de luta política. Não está em questão se algum movimento exerce hoje controle sobre todos os manifestantes. É ainda fundamental que mostrem de que lado estão na defesa das instituições democráticas, muito além de interesses partidários imediatos.
Depoimentos
“É surpreendente e alentador constatar que as causas de direitos humanos pelas quais a Conectas luta há mais de uma década estejam hoje entre as reivindicações da maioria dos manifestantes. O direito ao transporte, moradia, saúde, educação, alimentação, expressão, associação, circulação e muitos outros são o centro da agenda de direitos humanos. Nestes dias, temos nos sentido respaldados em nossa luta e acompanhados por milhares de brasileiros”, disse Lucia Nader, diretora executiva da Conectas. “No entanto, é mais do que nunca a hora de fincar o pé nas regras do jogo democrático, o que inclui ir às ruas e também fortalecer canais formais de participação. Esse é a melhor forma de lutar por tais direitos” completa Lucia.
"Além da questão da passagem, que é a de maior visibilidade, a população também está mostrando a sua revolta com os gastos e despesas desmedidos de uma Copa da qual poucos tirarão benefício. É uma queixa coletiva contra a apropriação privada de recursos públicos. Queremos hospitais e escolas padrão Fifa, para usar uma expressão das ruas. É importantíssimo dizer que isso tudo está acontecendo nas ruas, no coração do espaço público e, na esmagadora maioria das vezes, de maneira totalmente pacífica", disse Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas.
“A presença dos manifestantes, nas ruas, dá visibilidade a um submundo de violações dos direitos humanos que, até então, só frequentavam a pauta de organizações como a nossa e de certos jornalistas interessados no tema. Violência policial, tortura, discriminação e toda sorte de brutalidade e injustiças cometidas pelo Estado sempre foram familiares para nós, nosso objeto de trabalho cotidiano. Agora, gostaria que essas pessoas que hoje saem às ruas virassem suas cabeças na direção das amplas violações que há muitos e muitos anos são cometidas em maior medida contra a periferia, os negros e a população carcerária. São todas expressões do mesmo fenômeno”, disse Marcos Fuchs, diretor adjunto da Conectas.
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