Deputada Hanin Zoabi questiona uma democracia em que os cidadãos não têm direitos iguais
Breno Altman
Breno Altman
No distrito norte de Israel, perto do Mar da Galileia, está plantado o principal centro habitacional árabe do país, a cidade de Nazaré. Aproximadamente 75% dos 185 mil habitantes de sua região metropolitana são palestinos. Mas carregam o registro de cidadãos israelenses. Podem votar e serem votados, como o 1,5 milhão de árabes que vivem no país.
Centro de peregrinação cristã, pois ali teria nascido Maria e Jesus vivido sua infância, Nazaré não estava incluída, pela partilha de 1948, no território destinado ao Estado judeu. O exército israelense, no entanto, avançou rumo à cidade, para derrotar integrantes da resistência palestina que a haviam controlado.
A cidade de Nazaré é um centro de peregrinação que não estava incluído no plano original do território israelense
Depois de dez dias em combate, os líderes do município se renderam diante de Ben Dunkelman, comandante da 7ª Brigada, que lhes deu garantias contra represálias e assumiu o compromisso de não evacuar a população árabe, apesar das ordens de seu superior, o general Chaim Laskov. Dunkelman, judeu canadense, bateu o pé e acabou convencendo Ben-Gurion, o principal líder israelense, a apoiar sua decisão.
Famílias árabes continuaram a viver nas ruas curvas, ladeiras íngremes e casas amareladas. Entre essas, a de Areen Shahbari, 28 anos, filha de um casal muçulmano, moderadamente religioso, de classe média, que continuou vivendo em Nazaré. “Meus pais nunca falavam comigo sobre a guerra,não contavam a história de nosso povo”, relata Areen. “O Nakba [o dia da catástrofe, como os palestinos se referem à independência de Israel] provoca medo nas casas e está proibido nas escolas, que devem obedecer o currículo oficial do Estado de Israel.”
Aos 19 anos, Areen terminou o ensino médio e foi fazer o curso de psicologia e comunicação na Universidade de Tel Aviv. “Somente na faculdade fui aprender sobre a história dos palestinos”, conta. “A autonomia dos professores era maior e alguns deles debatiam distintos pontos de vista sobre a criação de Israel.”
Areen pretende morar em Boston após seu casamento, em outubro, e teme pelo futuro de seus descendentes
Formada, arranjou trabalho em uma das principais estações de televisão, em um momento que a empresa estava estimulando maior diversidade étnica em sua equipe. Começou como produtora e logo passou a apresentadora de seu próprio programa, voltado para mulheres palestinas. “Fui a primeira árabe a ser contratada como âncora, fora do departamento de jornalismo”, conta. “Mas também fui a única de minha equipe, enquanto trabalhei na emissora.”
Areen manteve seu emprego por quatro anos, depois foi estudar em Boston, nos Estados Unidos. “Cansei de viver em um país no qual somos vistos como os outros e o governo trabalha contra você”, desabafa. Mas voltou a Nazaré para passar um ano. Criou uma pequena empresa que ajuda palestinas a abrir e gerenciar seus próprios negócios, além de trabalhar como assessora da Prefeitura para a questão feminina.
Irá se casar em outubro. O matrimônio civil será nos EUA. A festa, em Nazaré. “Minha tristeza é que os parentes dos territórios ocupados dificilmente virão”, lamenta. “Apenas com autorização especial podem ingressar em Israel, depois de passar pela burocracia.” Depois do casamento, seu plano é voltar a viver em Boston. Teme, no entanto, pelo futuro de seus descendentes. “Qualquer geração de judeus que se mudem para o exterior continuam a ser cidadãos israelenses, mas esse direito vale apenas para os filhos dos palestinos”, afirma. “Meus netos talvez só possam retornar como turistas.”
O chefe de Areen na administração municipal, Ramiz Jaraisy, pertence ao Hadash, aliança política dirigida pelo Partido Comunista. A esquerda comanda a cidade desde 1973, quando Tawfik Ziad, um laureado poeta palestino, assumiu o posto de prefeito. Morto em 1994, Jaraisy o substituiu e tem sido seguidamente reeleito.
“Ramiz está colocando Nazaré no mapa”, afirma a venezuelana Mariana Materon, 38 anos, há 18 vivendo na cidade. “Israel é maravilhoso para os judeus, mas não dá as mesmas oportunidades aos árabes-israelenses. Os melhores empregos vão para quem serve o exército, por exemplo. Mas como meus filhos poderiam se alistar nas forças armadas se o principal inimigo do país é nosso próprio povo, do outro lado do muro?”
Ramiz Jaraisy tem sido elogiado por melhorar os serviços públicos de Nazaré
O prestígio do prefeito é reforçado por ser bom gerente, ter desenvolvido o turismo na cidade e construído serviços públicos de melhor qualidade. Suas credenciais de maior peso, no entanto, parecem ser as de porta-voz da angústia palestina. “Nós lutamos para que sejam reconhecidos nossos direitos coletivos de minoria nacional”, declara Jaraisy. “Não queremos apenas votar, mas termos as mesmas garantias que os judeus, autonomia para nossas escolas, paridade na divisão orçamentária. Israel é um país binacional, não pode haver um povo de primeira classe e outro de segunda.”
A deputada Hanin Zoabi, do Balad, vai mais longe. Também moradora de Nazaré, não hesita em enfatizar que “há uma contradição insanável entre o caráter judaico do Estado e o regime democrático.” Por sua participação, em 2010, na flotilha que tentou furar o bloqueio israelense e desembarcar em Gaza, Haneen quase perdeu o mandato parlamentar. Um comitê do Knesset chegou a votar por sua cassação, alegando traição a Israel. A corte suprema, porém, acabou revogando a decisão.
“Quando se determina que um país pertence ou está subordinado a uma determinada etnia, a discriminação racial é inerente”, explica. “Os direitos passam a ser desiguais e a base para a democracia deixa de existir. É verdade que os árabes-israelenses podem votar, mas não temos o mesmo acesso à terra, aos empregos , à educação e à moradia que os cidadãos de origem judaica. Mesmo nossas garantias políticas podem ser revogadas se as instituições considerarem que colocamos em risco a natureza do Estado.”
A cidade de Nazaré é um centro de peregrinação que não estava incluído no plano original do território israelense
Depois de dez dias em combate, os líderes do município se renderam diante de Ben Dunkelman, comandante da 7ª Brigada, que lhes deu garantias contra represálias e assumiu o compromisso de não evacuar a população árabe, apesar das ordens de seu superior, o general Chaim Laskov. Dunkelman, judeu canadense, bateu o pé e acabou convencendo Ben-Gurion, o principal líder israelense, a apoiar sua decisão.
Famílias árabes continuaram a viver nas ruas curvas, ladeiras íngremes e casas amareladas. Entre essas, a de Areen Shahbari, 28 anos, filha de um casal muçulmano, moderadamente religioso, de classe média, que continuou vivendo em Nazaré. “Meus pais nunca falavam comigo sobre a guerra,não contavam a história de nosso povo”, relata Areen. “O Nakba [o dia da catástrofe, como os palestinos se referem à independência de Israel] provoca medo nas casas e está proibido nas escolas, que devem obedecer o currículo oficial do Estado de Israel.”
Aos 19 anos, Areen terminou o ensino médio e foi fazer o curso de psicologia e comunicação na Universidade de Tel Aviv. “Somente na faculdade fui aprender sobre a história dos palestinos”, conta. “A autonomia dos professores era maior e alguns deles debatiam distintos pontos de vista sobre a criação de Israel.”
Areen pretende morar em Boston após seu casamento, em outubro, e teme pelo futuro de seus descendentes
Formada, arranjou trabalho em uma das principais estações de televisão, em um momento que a empresa estava estimulando maior diversidade étnica em sua equipe. Começou como produtora e logo passou a apresentadora de seu próprio programa, voltado para mulheres palestinas. “Fui a primeira árabe a ser contratada como âncora, fora do departamento de jornalismo”, conta. “Mas também fui a única de minha equipe, enquanto trabalhei na emissora.”
Areen manteve seu emprego por quatro anos, depois foi estudar em Boston, nos Estados Unidos. “Cansei de viver em um país no qual somos vistos como os outros e o governo trabalha contra você”, desabafa. Mas voltou a Nazaré para passar um ano. Criou uma pequena empresa que ajuda palestinas a abrir e gerenciar seus próprios negócios, além de trabalhar como assessora da Prefeitura para a questão feminina.
Irá se casar em outubro. O matrimônio civil será nos EUA. A festa, em Nazaré. “Minha tristeza é que os parentes dos territórios ocupados dificilmente virão”, lamenta. “Apenas com autorização especial podem ingressar em Israel, depois de passar pela burocracia.” Depois do casamento, seu plano é voltar a viver em Boston. Teme, no entanto, pelo futuro de seus descendentes. “Qualquer geração de judeus que se mudem para o exterior continuam a ser cidadãos israelenses, mas esse direito vale apenas para os filhos dos palestinos”, afirma. “Meus netos talvez só possam retornar como turistas.”
O chefe de Areen na administração municipal, Ramiz Jaraisy, pertence ao Hadash, aliança política dirigida pelo Partido Comunista. A esquerda comanda a cidade desde 1973, quando Tawfik Ziad, um laureado poeta palestino, assumiu o posto de prefeito. Morto em 1994, Jaraisy o substituiu e tem sido seguidamente reeleito.
“Ramiz está colocando Nazaré no mapa”, afirma a venezuelana Mariana Materon, 38 anos, há 18 vivendo na cidade. “Israel é maravilhoso para os judeus, mas não dá as mesmas oportunidades aos árabes-israelenses. Os melhores empregos vão para quem serve o exército, por exemplo. Mas como meus filhos poderiam se alistar nas forças armadas se o principal inimigo do país é nosso próprio povo, do outro lado do muro?”
Ramiz Jaraisy tem sido elogiado por melhorar os serviços públicos de Nazaré
O prestígio do prefeito é reforçado por ser bom gerente, ter desenvolvido o turismo na cidade e construído serviços públicos de melhor qualidade. Suas credenciais de maior peso, no entanto, parecem ser as de porta-voz da angústia palestina. “Nós lutamos para que sejam reconhecidos nossos direitos coletivos de minoria nacional”, declara Jaraisy. “Não queremos apenas votar, mas termos as mesmas garantias que os judeus, autonomia para nossas escolas, paridade na divisão orçamentária. Israel é um país binacional, não pode haver um povo de primeira classe e outro de segunda.”
A deputada Hanin Zoabi, do Balad, vai mais longe. Também moradora de Nazaré, não hesita em enfatizar que “há uma contradição insanável entre o caráter judaico do Estado e o regime democrático.” Por sua participação, em 2010, na flotilha que tentou furar o bloqueio israelense e desembarcar em Gaza, Haneen quase perdeu o mandato parlamentar. Um comitê do Knesset chegou a votar por sua cassação, alegando traição a Israel. A corte suprema, porém, acabou revogando a decisão.
“Quando se determina que um país pertence ou está subordinado a uma determinada etnia, a discriminação racial é inerente”, explica. “Os direitos passam a ser desiguais e a base para a democracia deixa de existir. É verdade que os árabes-israelenses podem votar, mas não temos o mesmo acesso à terra, aos empregos , à educação e à moradia que os cidadãos de origem judaica. Mesmo nossas garantias políticas podem ser revogadas se as instituições considerarem que colocamos em risco a natureza do Estado.”
Um dos exemplos que a deputada apresenta é a chamada Lei de Nakba, aprovada em 2012, que autoriza o governo a cortar recursos de qualquer entidade que realize atividades contra a versão oficial acerca da independência de Israel. “Essa é uma evidente ameaça à liberdade de expressão dos palestinos e à equidade na apresentação de narrativas históricas que se contrapõem”, destaca.
Outro perigo indicado por Hainin é a Lei sobre os Comitês de Admissão, que estabelece uma espécie de regra da bola preta para quem quiser ingressar em qualquer comunidade de Israel “Os moradores podem rejeitar qualquer família, alegando que ferem o estilo de vida e a harmonia do local”, explica. “Não está formalizado que é uma medida contra árabes-israelenses, mas é evidente o risco de filtro racial.”
Deputada Zoabi quase perdeu o mandato por ter participado, em 2010, da flotilha que tentou furar o bloqueio israelense
Esse tema também é abordado por intelectuais judeus, como a corrente dos novos historiadores, liderada pelo professor Ilan Pappe, atualmente lecionando na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Há sete anos ele escreveu um livro intitulado “A limpeza étnica da Palestina”, que causou grande reboliço.
Analisando documentos até então reservados, ele afirma que o Plano Dalet, aprovado pelo comando sionista em março de 1948, visava evacuar os palestinos à força de suas casas e cidades, além da aplicação de um conjunto de leis que alterasse tanto a composição demográfica quanto a propriedade da terra. No prefácio de sua obra, ele cita uma frase de Ben-Gurion: “Sou favorável à transferência compulsória. Nada vejo de imoral nessa medida.”
Vários outros historiadores negam essa interpretação, como Benny Morris, pois entendem este plano como uma operação de contingência para se contrapor à invasão de Israel pelo países árabes. A historiografia oficial rechaça a denúncia de evacuação, afirmando que os palestinos abandonaram voluntariamente moradias por orientação de sua liderança, que confiava em um ataque vitorioso das nações aliadas à sua causa.
Venezuelana Mariana Materon questiona o fato dos melhores empregos serem de quem serve o exército
Qualquer que seja a verdade sobre estes fatos históricos, constam da legislação israelense certas providências sobre o direito de propriedade que suscitam forte polêmica. As casas dos palestinos que fugiram ou foram evacuados passaram, sem indenização, ao controle do Estado, através da chamada Lei das Ausências. O governo também está obrigado a manter o nível de estoque imobiliário do Fundo Nacional Judaico, uma entidade pública não-estatal fundada em 1909. Esta organização, detentora de 13% das terras aquém da Linha Verde (excluídos os territórios ocupados), não pode vender ou alugar propriedades, por seus estatutos, a não-judeus.
“Não se pode dizer que vive plenamente em democracia uma nação no qual seus povos não têm os mesmos direitos e oportunidades”, reitera Hainin. “A história nos fez israelenses, afinal. Por que somos tratados com desigualdade?”
Outro perigo indicado por Hainin é a Lei sobre os Comitês de Admissão, que estabelece uma espécie de regra da bola preta para quem quiser ingressar em qualquer comunidade de Israel “Os moradores podem rejeitar qualquer família, alegando que ferem o estilo de vida e a harmonia do local”, explica. “Não está formalizado que é uma medida contra árabes-israelenses, mas é evidente o risco de filtro racial.”
Deputada Zoabi quase perdeu o mandato por ter participado, em 2010, da flotilha que tentou furar o bloqueio israelense
Esse tema também é abordado por intelectuais judeus, como a corrente dos novos historiadores, liderada pelo professor Ilan Pappe, atualmente lecionando na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Há sete anos ele escreveu um livro intitulado “A limpeza étnica da Palestina”, que causou grande reboliço.
Analisando documentos até então reservados, ele afirma que o Plano Dalet, aprovado pelo comando sionista em março de 1948, visava evacuar os palestinos à força de suas casas e cidades, além da aplicação de um conjunto de leis que alterasse tanto a composição demográfica quanto a propriedade da terra. No prefácio de sua obra, ele cita uma frase de Ben-Gurion: “Sou favorável à transferência compulsória. Nada vejo de imoral nessa medida.”
Vários outros historiadores negam essa interpretação, como Benny Morris, pois entendem este plano como uma operação de contingência para se contrapor à invasão de Israel pelo países árabes. A historiografia oficial rechaça a denúncia de evacuação, afirmando que os palestinos abandonaram voluntariamente moradias por orientação de sua liderança, que confiava em um ataque vitorioso das nações aliadas à sua causa.
Venezuelana Mariana Materon questiona o fato dos melhores empregos serem de quem serve o exército
Qualquer que seja a verdade sobre estes fatos históricos, constam da legislação israelense certas providências sobre o direito de propriedade que suscitam forte polêmica. As casas dos palestinos que fugiram ou foram evacuados passaram, sem indenização, ao controle do Estado, através da chamada Lei das Ausências. O governo também está obrigado a manter o nível de estoque imobiliário do Fundo Nacional Judaico, uma entidade pública não-estatal fundada em 1909. Esta organização, detentora de 13% das terras aquém da Linha Verde (excluídos os territórios ocupados), não pode vender ou alugar propriedades, por seus estatutos, a não-judeus.
“Não se pode dizer que vive plenamente em democracia uma nação no qual seus povos não têm os mesmos direitos e oportunidades”, reitera Hainin. “A história nos fez israelenses, afinal. Por que somos tratados com desigualdade?”
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