segunda-feira, 3 de junho de 2013

Controle biológico das cigarrinhas das pastagens


Por Marcos Gusmão
postado em 29/05/2013

A intensificação da produção de leite requer o cultivo de forrageiras de elevada capacidade de produção de matéria seca e boa qualidade nutricional. Contudo, no Brasil, existem diferentes espécies de cigarrinhas infestando as pastagens, causando perdas significativas tanto no valor nutricional quanto na produtividade. As principais espécies das cigarrinhas das pastagens e suas características estão descritas na Tabela 1 e Figura 1.

As cigarrinhas são insetos sugadores de seiva na planta. Os adultos vivem nas folhas das pastagens, enquanto que as formas jovens (ninfas) vivem na região do colo da planta (região entre o colmo e a inserção das raízes), protegidas por uma espuma branca (Figura 2A). Os ovos são ovipositados pelos adultos no solo ou em restos vegetais. Estes insetos, principalmente os adultos, ao sugarem a seiva da planta injetam toxinas que levam ao amarelecimento das pontas das folhas e posterior secamento e morte (Figura 2B). Os prejuízos médios são de 20% na redução de produção de biomassa. Porém, há registro de redução de 30% na produção de matéria seca de Urochloa (Brachiaria) decumbens, infestada por 25 adultos/m2 de Zulia entreriana durante 10 dias (Valério e Nakano, 1988). Além disso, há reduções significativas na produção de raízes de U. decumbens, o que afeta a persistência da gramínea. Quanto à qualidade nutricional, gramíneas severamente atacadas apresentam forragem com aumento no teor de fibra, redução na digestibilidade in vitro, reduções nos teores de proteína bruta, fósforo, magnésio, cálcio e potássio. Os danos à produção e qualidade da forragem determinam redução temporária a capacidade de suporte das pastagens.





Figura 1. Principais espécies de cigarrinhas das pastagens de ocorrência no Brasil

Dentre as forrageiras cultivadas no Brasil para produção de leite, destacam-se as espécies: Pennisetum purpureum cultivares napier, cameron e pioneiro; Panicum maximum cultivares tobiatã, tanzânia e mombaça; Setaria sphacelata, Cynodon spp. cultivares estrela, coast-cross, tifton e a Brachiaria brizantha cultivar marandu. Estas forrageiras apresentam níveis diferenciados de resistência às cigarrinhas das pastagens (Tabela 2).




A densidade populacional de cigarrinhas das pastagens deve ser determinada através da amostragem de espumas e adultos. As espumas são amostradas através da contagem do número presente em área delimitada por quadrado, feito de vergalhão, de 0,5 m de lado. Os adultos são amostrados por dez batidas de rede de varredura sobre as folhas, ou pela observação visual do número de insetos pousados em dez plantas ou touceiras de pastagem. Devem ser coletadas cinco amostras/ha, de forma aleatória. Baseado na densidade de espumas ou adultos toma-se as decisões descritas na Tabela 3.


Figura 2. Presença de espumas de cigarrinhas na base das plantas (A) e amarelecimento das pontas das folhas pela sucção de seiva dos adultos (B).



Controle biológico natural de cigarrinhas

Entre as formas de controle das cigarrinhas das pastagens temos o biológico natural, que se baseia na ação de inimigos naturais que ocorrem nas pastagens. Portanto, para maior efetividade deste tipo de controle o produtor rural deve estabelecer medidas para aumentar as populações de inimigos naturais.
Na Tabela 4 estão descritos os principais inimigos naturais responsáveis pelo controle biológico das cigarrinhas das pastagens. As populações dos inimigos naturais, principalmente pássaros, aranhas e insetos benéficos, podem ser aumentadas através das seguintes medidas: diversificação dos pastos com três ou mais tipos de gramíneas e a consorciação com leguminosas, p. ex. calopogônio ou estilosantes; preservação das áreas de mata próximas às pastagens; uso de inseticidas; drogas veterinárias seletivas ou de baixo impacto aos inimigos naturais. Além disso, o manejo adequado do resíduo pós pastejo, entre 20 a 25 cm (gramíneas estoloníferas) e 40 cm (gramíneas cespitosas) propiciará um microclima desfavorável ao desenvolvimento das cigarrinhas.



Controle microbiano de cigarrinhas das pastagens

O controle microbiano é outra forma de controle biológico de cigarrinhas das pastagens, a qual se baseia na aplicação do fungo Metarhizium anisopliae. O fungo funcionará como um bioinseticida, com a vantagem de não contaminar os animais e seus produtos (carne e leite). O M. anisopliae penetra através do tegumento da cigarrinha e coloniza seu interior, de onde extrai os nutrientes para seu desenvolvimento e reprodução, resultando na morte do inseto, cujo corpo se torna mumificado e coberto por hifas e esporos do fungo que irão contaminar outros insetos. Entretanto, a ação dos bioinseticidas é lenta, se comparada à ação dos inseticidas de choque, a morte do inseto ocorre num período superior a 48 horas.

Este método de controle, assim como o controle químico deve ser empregado observando os critérios técnicos para o seu melhor desempenho. As principais características que devem ser consideradas para a escolha e o uso do bioinseticida são as seguintes:
  • Virulência da raça do fugo M. anisopliae;
  • Formulação do produto e forma de aplicação;
  • Concentração de esporos viáveis do fungo;
  • Dosagem recomendada;
  • Condições climáticas para aplicação do bioinseticida;
  • Condições de armazenamento e transporte do bioinseticida.
A não observância das recomendações técnicas do fabricante do produto poderá incorrer em resultados indesejáveis de desempenho de controle, desobrigando o fabricante de ressarcir ao produtor dos eventuais prejuízos econômicos por falha de controle da praga. Desta forma, a recomendação e o acompanhamento da aplicação do produto deverão ser feitas por profissional habilitado.

A formulação pó molhável tem registro para o controle da cigarrinha N. entreriana em pastagens, sendo eficiente nas doses de 200 a 500 g/ha, que correspondem à aplicação de 2 x 1012 a 5 x 1012 conídios/ha. A pulverização deve ser feita através de pulverizador costal ou barra tratorizada com bico cônico, utilizando-se de 200 a 300 litros de água/ha, sendo atingida a base da gramínea, onde as ninfas se alojam. Tem-se a formulação concentrada emulsionável que é mais estável que a formulação pó molhável, porém é registrada apenas na cultura da cana-de-açúcar para o controle de cigarrinha do gênero Mahanarva.

As variações dos elementos climáticos radiação solar (ultravioleta), temperatura e umidade relativa do ar são importantes fatores no desempenho dos bioinseticidas à base de M. anisopliae. As condições favoráveis para o fungo incitar a doença são: temperatura entre 26 a 27 ºC; umidade relativa do ar acima 75%; baixa radiação ultravioleta, priorizando as pulverizações do bioinseticida no final do dia.

Verifica-se que em regiões com alta precipitação e temperatura, como o Centro-Norte do país, têm sido constatados danos severos de cigarrinhas do gênero Mahanarva e o bioinseticida à base de M. anisopliae apresentou eficiência de 80% no controle da praga. Entretanto, em função dos efeitos dos fatores ambientais e da qualidade e virulência dos ingredientes ativos nas formulações bioinseticidas de M. anisopliae, a eficiência média de controle das cigarrinhas das pastagens é muito variável, oscilando entre 10 e 60% nas diferentes regiões brasileiras.

O controle eficiente de cigarrinhas das pastagens por M. anisopliae exige um posicionamento correto das aplicações. Recomendamos aplicar o inseticida biológico a partir de 25 ninfas/m2 para que o fungo tenha como se estabelecer na área. Porém, em áreas com histórico de ocorrência de cigarrinhas no período chuvoso anterior, pode-se iniciar a aplicação a partir do surgimento das primeiras massas de espumas no início da nova estação chuvosa, para que a população da praga não cresça na segunda geração. Não são recomendadas aplicações preventivas de M. anisopliae, sem a ocorrência da praga. No período de outono-inverno os ovos das cigarrinhas permanecem em “dormência” (quiescência), não ocorrendo ninfas (espumas) nem adultos, nesta fase a aplicação do fungo não é recomenda, pois irá perder muitos esporos e a eficiência de controle será baixa.

Integração de medidas visando maior eficiência do controle biológico

Considerando que grande parte das pastagens está em desequilíbrio ecológico, os resultados iniciais da ação do controle biológico sobre as pragas serão modestos, quando comparado com a ação de choque dos inseticidas químicos. Os resultados do controle biológico serão evidentes à medida que as áreas de pastagens propiciem condições de microclima favorável ao estabelecimento de entomopatógenos e haja um equilíbrio entre as populações de inimigos naturais e cigarrinhas das pastagens. Isto será alcançado ao longo da aplicação de medidas que favoreçam a população de inimigos naturais e evitem o crescimento das populações das pragas. Para isso o controle biológico deve estar integrado a outras práticas, tais como: o plantio de forrageiras mais tolerantes e resistentes; a fertilização (calagem e adubação) e irrigação adequada das pastagens; o manejo adequado do resíduo pós pastejo – de modo a evitar a formação de macegas e sobra de pasto; a diversificação de pastagens com leguminosas; o uso de defensivos agrícolas e produtos veterinários seletivos aos inimigos naturais e microorganismos entomopatogênicos.

Pesquisas têm demonstrado a compatibilidade entre inseticidas e o fungo M. anisopliae, o que propicia maior controle das cigarrinhas das pastagens em todas as suas fases de desenvolvimento, haja visto que os bioinseticidas à base de M. anisopliae são mais eficientes no controle de ninfas, enquanto que os adultos estão mais expostos às aplicações inseticidas. Informações sobre a compatibilidade entre inseticidas e formulações à base de M. anisopliae podem ser obtidas pelo fabricante do bioinseticida.

Abaixo se propõe um modelo de integração de medidas, visando o equilíbrio ecológico das áreas de pastagem, com o aumento das populações de agentes de controle biológico natural, redução da suscetibilidade das forrageiras ao ataque dos insetos praga e redução das populações de cigarrinhas das pastagens.


Figura 3. Integração de medidas visando o manejo integrado de cigarrinhas das pastagens.

Referência Bibliográfica
Cosenza, G.W. 1981. Resistência de gramíneas forrageiras à cigarrinha-das-pastagens, Deois flavopicta (Stal 1854). Brasília. Embrapa Cerrados, 16p. Boletim de Pesquisa n. 7.
Fernandes, F.D.; Marthe Jr., G.B.; Faleiro, F.G.; Gomes, A.C. 2005. Produção e valor nutritivo da forragem de clones de capim-elefante no Distrito Federal. Planaltina: Embrapa Cerrados, (Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 158).
Souza, J.C.; Silva, R.A.; Reis, P.R.; Queiroz, D.S.; Silva, D.B. 2008. Cigarrinhas-das-pastagens: histórico, bioecologia, prejuízos, monitoramento e medidas de controle. Circular técnica n.42 EPAMIG.
Valério, J.R.; Nakano, O. 1988. Danos causados pelo adulto da cigarrinha Zulia entreriana na produção e qualidade de Brachiaria decumbens. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.23, p.447-453.
Valério, J.R.; Koller, W.W. 1993. Proposição para manejo integrado das cigarrinhas-das-pastagens. In: Curso Sobre Pastagens Para Sementeiros, Campo Grande. Campo Grande: EMBRAPA-CNPGC, p.31-46.
Vieira, A.C.; Haddad, C.M.; Castro, F.G.F.; Heisecke, O.R.P.; Vendramini, J.M.B.; Quecini, V.M. 1999. Produção e valor nutritivo da grama bermuda Florakirk (Cynodon dactylon L.) em diferentes idades de crescimento. Sci. agric. vol.56 n.4.

*Marcos Rafael Gusmão é Pesquisador de Entomologia Aplicada da Embrapa Pecuária Sudeste
 

Saiba mais sobre o autor desse conteúdo:

Marcos Gusmão    Ribeirão Preto - São Paulo

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