quarta-feira, 5 de junho de 2013

França acusa governo sírio de usar armas químicas


França acusa governo sírio de usar armas químicas

A França acusou de maneira detalhada e formal o governo sírio de Bachar Al-Assad de utilizar armas químicas na guerra contra os rebeldes. É a primeira vez que um governo ocidental evoca sem ambiguidade a existência de armas químicas no conflito sírio. A reação de Washington foi moderada e defendeu que é "preciso aumentar o nível das provas". ONU vê crimes de guerra e contra a humanidade cometidos pelos dois lados em conflito. Por Eduardo Febbro.

Paris - A guerra tem leis implacáveis, quaisquer que sejam seus protagonistas. Ao fim de vários meses de ambivalências, insinuações e impugnações veladas, a França acusou de maneira detalhada e formal o governo sírio de Bachar Al-Assad de utilizar armas químicas na guerra contra os rebeldes. É a primeira vez que um governo ocidental evoca sem ambiguidade a existência de armas químicas no conflito sírio. Até agora, as potências ocidentais falavam de “indícios” ou “suspeitas”, mas não de provas. Desta vez não. À espera do informe da Comissão da ONU presidida pelo diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, a França colocou sobre a mesa argumentos sólidos que tendem a provar o uso real dessas armas.

O ministro francês de Relações Exteriores, Laurent Fabius, disse no canal 2 da televisão francesa que Paris não tinha “nenhuma dúvida sobre o fato de que os gases foram utilizados (...) A conclusão do laboratório é clara: há gás sarín”. O chefe da diplomacia francesa citou duas mostras distintas que permitiram encontrar a prova: a primeira foi trazida pelos jornalistas do Le Monde Jean-Philippe Rémy e Laurent Van der Stock. Ambos passaram dois meses na Síria e há uns dez dias publicaram uma extensa e minuciosa reportagem sobre o emprego de armas químicas por parte do governo de Damasco na localidade de Jobar, situada nos arredores da capital síria. A segunda mostra foi obtida pela França e provém da localidade de Sarageb, ao sul de Homs, onde ocorreram vários ataques no final de abril.

A chancelaria francesa emitiu um comunicado afirmando que “doravante, a França tem certeza de que o gás sarín foi empregado várias vezes na Síria e de forma localizada”. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, havia definido o uso de armas químicas como uma “linha vermelha” que não deveria ser atravessada. No entanto, ao contrário de Paris, a reação de Washington foi moderada. Jay Carney, o porta-voz de Obama, disse em Washington que antes de se tomar uma decisão era “preciso aumentar o nível das provas”.

Em Paris, Laurent Fabius teve um discurso menos consensual. O ministro de Relações Exteriores disse que “todas as opções estão sobre a mesa, incluindo uma reação armada em relação aos depósitos de gás”. No entanto, Fabius esclareceu que ainda não se havia chegado a esse ponto e que era necessário que essa “reação não impeça a conferência de paz”. Está prevista, para o final de julho, a realização de uma conferência internacional sobre a Síria em Genebra, Suíça, para tentar alavancar um processo de negociações entre o regime sírio e a oposição.

No momento, a França é o único país ocidental a apontar aberta e diretamente a responsabilidade do regime sírio no uso de armas químicas. Nesta terça-feira, a Comissão das Nações Unidas que investiga o que está ocorrendo na Síria revelou em um informe que existiam “motivos razoáveis para pensar que foram usados agentes químicos como armas”. No entanto, a Comissão acrescentou que “a natureza precisa desses agentes, seus meios de transmissão e seus utilizadores não foram identificados”. A Comissão atua sob mandato do Conselho de Direitos Humanos da ONU desde setembro de 2011 e é presidida pelo diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro.

No citado informe, a Comissão da ONU apontou também os atos de barbárie cometidos na guerra na Síria: “os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade se converteram em uma realidade cotidiana na Síria”, diz o texto. 

Os investigadores da ONU não inocentam ninguém: as forças governamentais e as milícias rebeldes aparecem como responsáveis por assassinatos, torturas, violações, desaparecimentos e deslocamentos forçados. O chefe da diplomacia francesa informou que os resultados das análises realizadas pela França foram transmitidos a ONU. Essas análises das amostras obtidas na Síria foram realizadas por um laboratório francês designado pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (OIAC). 

Produzido em grandes quantidades pela União Soviética e pelos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial, o gás sarín é uma poderosa arma química. Trata-se de uma substância sem cheiro, sem cor e volátil que entra rapidamente nos pulmões, é absorvido pela pele e circula logo pelo sangue. 

Esta substância ataca o sistema nervoso humano. A inalação ou o simples contato com este gás organofosfórico bloqueia a transmissão do fluxo nervoso e chega até a provocar a morte por parada cárdio-respiratória. O gás sarín foi utilizado em Tóquio, em 1995, durante o atentado perpetrado no metrô pela seita japonesa Aum, com um saldo de 13 mortos e 6 mil feridos.

A posição francesa muda a configuração atual. Como recorda em seu último editorial o jornal Le Monde: “tratando-se de armas químicas na Síria, daqui para frente não poderemos mais dizer que não sabíamos”. Haverá aqueles que, em nome de posições ideológicas, persistirão em não acreditar ou ver nestas provas uma nova tentativa de repetir os desastrosos intervencionismos ocidentais. 

Ninguém decente pode estar de acordo nem com as bombas da OTAN nem com a metodologia armada pela qual os Estados Unidos exportam a democracia a força de mísseis, mas tampouco pode se estar de acordo com um regime que, para salvar a si mesmo, assassina seu próprio povo com armas que causam estragos espantosos.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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