terça-feira, 4 de junho de 2013

Memórias da Escola Islâmica do Paraná



O conceito de família para os árabes se dá em três níveis, sendo o primeiro a família conjugal, formada pelo casal e seus filhos; o segundo, formado pela família grande, constituída por avós, pais e filhos, e considerada como a mais importante unidade familiar por ter, entre outras atribuições, a de controlar o comportamento e o matrimônio de seus membros. E o terceiro, é baseado no confessionalismo religioso das famílias, representado por uma instituição religiosa, conduzida por um líder que detém o controle das leis e do destino de todas as famílias, com base nos ensinamentos sagrados do alcorão. 

Os primeiros árabes de fé islâmica, que chegaram a Curitiba, instalaram-se no centro da cidade, onde já havia intenso comércio, e tornaram-se autônomos na criação de seu próprio negócio, ainda que fosse o de mascate, pelas zonas rurais. Porém, fixaram-se na capital, inicialmente, em cortiços, moradias populares com cômodos para alugar, onde se aglomeravam famílias inteiras, em um espaço reduzido. A frente era destinada a loja, e os fundos, servia de casa para toda a família.  

No início, os imigrantes organizaram sociedades beneficentes e centros de juventude, e posteriormente, locais de culto. A intenção era promover formas de solidariedade entre os membros e compartilhar suas tradições, com as novas gerações. Para a prática da religião não havia, a principio, um ambiente propício durante a chegada dos primeiros imigrantes, em virtude da ausência de templos. 

A Sociedade Beneficente Muçulmana de São Paulo, criada em 1929, serviu durante os primeiros anos de sua fundação, como centro de celebração religiosa em seu salão, quando mais tarde, tal responsabilidade passou a ser da Mesquita Brasil, a primeira do país. 

Entre o final da Primeira Guerra Mundial, e o início da década de 20, os imigrantes muçulmanos vindos especialmente do Líbano, começaram a se instalar em Curitiba, em pequena quantidade, não constituindo uma significativa leva de imigrantes, mas foram muito importantes na fundação da primeira sociedade islâmica da cidade, formando uma estrutura étnica muçulmana, que recepcionou e inseriu todos os outros imigrantes, que chegaram 20, 30 anos depois.   

O marco institucional da presença islâmica em Curitiba se deu, com a criação da “Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná”, fundada em 1957. O primeiro presidente da Sociedade foi Hussein Omairy. 


Segundo a ATA da fundação da Sociedade, ela tinha como fim: 

a) Unir os muçulmanos brasileiros e seus descendentes ajudando os necessitados, previamente julgados pela comissão nomeada pela Diretoria, em relação a conveniência desse auxílio, ou não;
b) Fundar e administrar uma escola que ensine árabe e português, inclusive religião muçulmana;
c) Construir uma Mesquita em Curitiba, e mantê-la; 
d) Adquirir terreno num dos cemitérios da Capital, para os muçulmanos e seus descendentes;
e) Estabelecer pelo convívio social e fraternal, a aproximação entre os sócios; e adapta-los ao ambiente, especialmente, àqueles oriundos dos países árabes, e muçulmanos, como nações amigas que são;
f) Estabelecer relações de sociabilidade e cooperação, bem como correspondência com sociedades congêneres do país e exterior;
g) Proporcionar aos seus sócios e familiares destes, diversões sociais e desportivas, bem como reuniões de caráter cultural, artístico e literário;
h) Criar e manter uma biblioteca científica e literária notadamente de assuntos árabes e brasileiros;
i) Promover ou patrocinar exposições de arte ou concertos musicais ou outras iniciativas que correspondem com seus fins culturais, recreativos e beneficentes;
j) Promover ou participar de solenidades, de caráter cívico e patriótico, por ocasião das datas festivas do país e acontecimentos dignos de serem festejados.  

As festividades religiosas e as orações eram realizadas nas residências de um dos membros da colônia. Nos três primeiros anos de funcionamento, a sede da Sociedade era utilizada apenas para reuniões sociais. A precariedade das instalações mobilizou a comunidade, a coletar recursos em Curitiba e de comunidades muçulmanas de outras regiões, como Paranaguá e Ponta Grossa. A inauguração da nova sede aconteceu em 1964, na Rua Kellers, no Alto do São Francisco. No local havia uma casa de madeira, onde foi instalada a secretaria da Sociedade, onde começaram a serem realizados, os ritos religiosos. Mais tarde, em 1972 a Mesquita foi inaugurada, em um imóvel maior, porém, na mesma rua.

Para os imigrantes muçulmanos, a religião era tão importante, quanto sua identidade nacional, e os chefes religiosos, exerciam funções seculares, onde eram os principais responsáveis pela manutenção da união da comunidade. A instituição religiosa teve um papel central na vida do imigrante, já que mantinha a ligação com a pátria, sendo um refúgio dos problemas da vida no Brasil. Na celebração dos cultos, a comunidade se reunia para conversar e trocar experiências. A comunidade aumentava cada vez mais, e o nascimento dos filhos e netos, em um ambiente não islâmico, despertou entre os mais velhos, o receio de que a cultura árabe muçulmana se perdesse. No estatuto da Sociedade, e na planta arquitetônica do edifício da sede, em 1963, já estava prevista a abertura de uma escola, com o objetivo de manter a tradição islâmica e a língua árabe, para os filhos e netos dos imigrantes que moravam na cidade. 

Assim, diante da crescente necessidade de um sistema educacional, voltado à cultura árabe, destinado à comunidade, e após 12 anos da fundação da Sociedade, foi criada a “Escola Islâmica do Paraná”, em Curitiba, em 1969. Formada pelos imigrantes, a escola visava na contínua divulgação de suas tradições, religião, e elementos culturais, que lhes representasse, e também, um dos centros de sua sociabilidade, onde os imigrantes tentavam manter suas raízes, e preservar sua identidade cultural. A escola constituiu, ao lado da família, em um espaço de afirmação e preservação da cultura dos antepassados, no qual foi transmitida a tradição islâmica, ao longo das gerações futuras. A Escola Islâmica do Paraná foi fundada com cerca de 60 alunos da comunidade. Sua mantenedora era a Sociedade, que arrecadava dinheiro de seus sócios, além de cobrar uma taxa mensal dos alunos. A escola atraiu alunos oriundos de Curitiba, Rio Negro, Ponta Grossa, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Santos, Toledo e Antonina. Havia também alunos do Líbano, Egito, Jordânia, e do Paraguai, que chegaram durante o ano letivo, e ingressavam nas turmas, mesmo com idades superiores à média da classe. 

Dentre as disciplinas ministradas, o ensino da Língua Árabe aparece nos documentos oficiais, somente no em 1971, mas o idioma sempre foi ministrado. Por serem filhos de imigrantes, pressupõe-se que os alunos já dominassem o árabe, porém o idioma era difícil de ser aprendido, por mais que em casa, fosse o idioma dos pais. Os pais foram e elo entre o que se aprendia na escola, e o que se via em casa, como forma de perpetuar suas origens, e ele mostravam-se presentes nas festividades e reuniões escolares. Além do árabe, os imigrantes acreditavam que as aulas de religião também serviriam como uma ligação com a terra natal, e as aulas de Religião, voltada para o ensino do Islamismo, a base da criação da Sociedade, e da vida social da comunidade, o que constava inclusive no nome da escola. 

Em 1971 as disciplinas ministradas eram: Português, Matemática, Estudos Sociais, Árabe, Conhecimentos Gerais e Ciências Naturais. A Escola Islâmica do Paraná estava apta para oferecer ensino primário, e também em 1971, foi criado o Ginásio Muçulmano Nossa Senhora de Fátima, com atividade no ensino secundário. O ginásio permaneceu em funcionamento por dois anos, apresentando somente turmas de quintas séries, que eram chamadas de 1º série ginasial. As disciplinas do ginásio eram divididas em: Português, Matemática, História, Ciências, Educação Moral e Cívica, Geografia, Educação Física, Inglês, e Organização Comercial. Talvez essa disciplina tenha surgido com o objetivo de encaminhar os alunos para a vida comercial, atividade principal de seus pais e familiares.  

O nome do ginásio chama a atenção pelo fato de sincronizar duas tradições religiosas: cristã e muçulmana. Fátima é a quinta filha do Profeta Maomé com Khadija, tida como exemplo de pureza e moral. Sua adoração é grande especialmente entre os xiitas, já que era a mãe de Hussein Ibn Ali – um dos líderes do xiismo. A Senhora Fátima é, para os muçulmanos, uma das principais autoridades divinas, porque ela recebeu a visita do Arcanjo Gabriel, que é quem Deus escolheu, purificou e engrandeceu toda a nação islâmica. A primeira turma da 5º série ginasial era pequena, com apenas dois meninos e sete meninas. A escola, nessa época, já apresentava sinais das primeiras crises, com a diminuição de alunos e discussões entre os membros da Sociedade, criando dois grupos distintos: os que queriam manter a escola funcionando mesmo com problemas financeiros e estruturais; e os que não viam na escola uma realização concreta da comunidade.  

Em 1972 a escola encerrou suas atividades, juntamente com o término do ano letivo. Levantaram-se três hipóteses sobre as possíveis causas do fechamento da escola: 

1. Dificuldade na adaptação à lei 5692/71; 
2. Fundação da Mesquita, local onde a comunidade poderia reunir-se e praticar a sua religião; 
3. Desentendimentos entre a comunidade. 

Essa terceira hipótese foi muito evidenciada pelos ex-alunos. Desentendimentos entre os membros da comunidade levaram a escola à ruína, e o ar de tristeza, quando isso é relembrado, é nítido. 
Havia um sonho de manter a instituição de ensino, até os dias atuais, e visando futuramente, até mesmo a inserção do ensino superior. Tais lembranças permearam entre os ex-alunos, durante décadas, com o desejo de uma nova chance, de criarem uma nova escola. 

Chocantemente, não há registros na imprensa curitibana ou nos grandes jornais do estado, sobre os eventos dos anos de 1957, (fundação da Sociedade), de 1968, (período da construção da escola), de 1969, (inauguração da escola), e de 1972 (fechamento da escola), revelando o isolamento da comunidade árabe na cidade, fazendo com que a divulgação da escola ocorresse apenas para o pequeno grupo formado pelos imigrantes. 

Apesar de estar inserida em um contexto maior como a cidade de Curitiba, a comunidade árabe não se fez perceber como parte integrante do funcionamento do município. Tais informações se encontram apenas nos documentos e registros da Sociedade, além de depoimentos de ex-alunos e funcionários da escola, daquela época, fazendo com que o passado seja resgatado pela memória, pelos lugares de memória, e pela identidade do grupo. 

A escola tornou-se um lugar de memória, que construiu e fortaleceu o vínculo daqueles que por ali passaram e, reforçou as características coletivas de seus participantes, bem como auxiliou na construção da História da Educação desses imigrantes. 
  

Claudinha Rahme
Gazeta de Beirute


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