quarta-feira, 5 de junho de 2013

O estigma carcerário de Israel

Estado admite que a lei tem um impacto negativo sobre a liberdade dos imigrantes africanos ilegais, mas acredita que seja por "uma boa causa".

Laurent Zecchini
Ademais, essa emenda para a legislação de 1954 sobre a "prevenção da infiltração" está conforme "os valores do Estado de Israel como Estado judaico e democrático". Em uma palavra, ele é constitucional e "razoável". A "razão" é o fato de que o país não conseguia mais suportar o fato de estar se tornando um "polo de atração" para os milhares de africanos, homens, mulheres e crianças, que chegavam a cada mês do Sinai.
A resposta, introduzida em 2012 através dessa emenda, foi amontoá-los no centro de detenção de Saharonim, situado a 3 quilômetros da fronteira egípcia,  perto de Nitzana, na fornalha do deserto de Neguev. Durante um "período ilimitado", mas que não seria menor que... três anos. Sem julgamento. A menos, é claro, que eles aceitassem voltar para o lugar de onde vieram. Passado esse tempo, sua soltura poderia ser "considerada" por um juiz. É uma lei que as associações humanitárias consideram perversa, mas ela tem sua lógica: a ideia é dissuadir, através desse tratamento punitivo, outros candidatos atraídos pelo eldorado econômico que o Estado judaico representa para eles.
A legislação israelense é como um monstro frio: ela não quer ouvir falar em "refugiados" e não saberia distinguir entre os africanos que são originários de países onde correm o risco de perseguições, como a Eritreia e o Sudão, e os outros. É claro, os cerca de 2.400 prisioneiros de Saharonim podem fazer um pedido de asilo em Israel, mas o fato é que nenhuma requisição foi aceita desde que a prisão abriu suas portas em julho de 2007.
O Ministério Público, ao aconselhar em meados de março que o Supremo Tribunal negasse o recurso apresentado por diferentes organizações de defesa dos direitos humanos contra essa emenda nefasta, enfatizou a necessidade de se preservar a soberania do Estado judaico. Para isso, o governo israelense tem feito todo o possível. Saharonim é um exemplo disso, não o único: restam somente poucos quilômetros de obras para concluir a barreira metálica de cinco metros de altura, com arame farpado, que corre sobre os 240 quilômetros da fronteira com o Egito.
Amostras de DNA
E isso funciona: a imigração ilegal desapareceu quase que totalmente. A consequência é que milhares de migrantes africanos permanecem presos no Sinai, zona sem lei onde as tribos beduínas atacam muitos deles, fechados em verdadeiros campos de tortura, abusos e estupros, às vezes durante meses, para obter um resgate. Duzentos e cinquenta desses sobreviventes foram parar em Saharonim. A mobilização das associações humanitárias, que condenam essa confusão carcerária entre solicitantes de asilo e criminosos, não foi em vão: no dia 6 de maio, nove eritreus e seus dez filhos, com idades entre 18 meses e 7 anos, foram libertados depois de terem sido detidos por até um ano.
Foi a organização de defesa dos direitos humanos Hotline for Migrant Workers, cuja corajosa representante é Sigal Rozen, que conduziu essa luta vitoriosa contra a Justiça israelense: esta acabou reconhecendo que o fato de ser menor de idade pode constituir "uma razão humanitária especial" que justifica deixar o universo carcerário de Saharonim, onde permanecem presas cerca de 15 crianças com menos de 10 anos e cerca de 150 mulheres. Não se sabe o número das demais --crianças e adolescentes de 10 a 18 anos.
Seria possível acreditar que, com a nova impermeabilidade da fronteira egípcia, Saharonim não teria mais razão de existir. Ledo engano: entre os 55 mil africanos ilegais que vivem em Israel, várias centenas deles foram presos nos últimos anos por serem considerados "infiltrados que colocam em risco a segurança nacional". Em abril, a Knesset aprovou em primeira leitura uma lei que lhes proíbe transferir dinheiro para o exterior, que evidentemente seria destinado a suas famílias.
Em maio, descobriu-se que a polícia israelense havia reunido cerca de mil amostras de DNA de imigrantes africanos que entraram ilegalmente em Israel desde o início de 2012. Nada de grave: somente decorrências da política de dissuasão contra imigrantes clandestinos. É por isso que Saharonim, o estigma carcerário de Israel, está longe de fechar suas portas.
Tradutor: UOL

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