O país ingressa num ciclo de transição do modelo de crescimento que o poupou até agora da desordem neoliberal.
Mudanças pontuais, a curto prazo, e estruturais, de médio e longo prazos, terão que ser feitas para calibrar a máquina da economia rumo a um novo estirão expansionista.
Uma dúzia de variáveis desafiam a coerência e o dinamismo da marcha.
Cada uma tem um custo e nem sempre – ou melhor, quase nunca – combina com a outra.
Incentivar as exportações para, entre outras coisas, fortalecer o emprego industrial, por exemplo.
Implica desvalorizar o real, o que encarece os produtos importados, eleva a inflação e rebate no aumente dos juros, que comprime a demanda e ... derruba o emprego.
Que se pretendia preservar.
Quem decide o que é coerente na macroeconomia do desenvolvimento é a correlação de forças de cada época.
Não é um dado da natureza.
A exemplo das ‘vantagens comparativas’ (que o conservadorismo credita a um dom divino das nações), a correlação de forças é construída nas lutas históricas de cada povo.
Quem vai liderar a travessia para o novo ciclo de desenvolvimento?
Como e quando a CUT, o MST e demais organizações sociais vão intervir nessa dobra do caminho?
O conservadorismo, como aconteceu em 32, em 54, em 64 e na década de 90 apressa-se em atualizar o seu roteiro eterno de futuro.
Editoriais, como o da ‘Folha’, deste domingo (‘Um plano Dilma’), listam os requisitos do cardápio.
Tudo para o Brasil ‘voltar a crescer de forma saudável’, diz o epíteto martelado sobre a lápide das conquistas sociais.
Entre as sugestões, o diário preconiza: ‘conter o gasto público’ (adivinhem como...); ‘desamarrar’ a Petrobras para deslanchar o pré-sal (adivinhem como...); ‘baixar o centro da meta’ da inflação (adivinhem como...); ‘rever a política de comércio exterior’ e buscar acordos fora do Mercosul e dos Brics (adivinhem como...).
Em resumo, trata-se de um ‘Plano Dilma’ de rendição à pauta derrotada em 2002, 2006 e 2010.
Algo não bate.
Pela via eleitoral dificilmente a pasta de dente marchará assim, resignada, para dentro do tubo conservador.
Nos últimos dez anos, o país não fez tudo o que poderia ter feito.
Mas ampliou o investimento social do Estado; recuperou o poder de compra popular; gerou um novo ator político e um novo mercado de consumo; retomou o papel indutor do setor público na economia; reservou a maior descoberta de petróleo do século 21 à regulação soberana da sociedade; afrontou a lógica da Nafta em busca de uma nova ordem internacional; fortaleceu a agenda progressista latino-americana.
O país mudou: uma coisa não cabe dentro da outra.
O tubo desenhado pela Folha requer uma crise terminal ou a sangria do ‘excesso’ a golpes de machete para comportar o novo volume ao invólucro anacrônico.
Se o velho figurino não abarca o novo, nem por isso a sociedade pode prescindir de um trilho que injete coerência e impulso à engrenagem em construção.
Os gargalos da infraestrutura e a atrofia do investimento industrial terão que ser equacionados.
A industrialização brasileira está emparedada.
O desarranjo cambial barateia importações; favorece o consumo.
Mas destrói empregos locais, desmonta cadeias produtivas, desencoraja o investimento fabril e ressuscita, perigosamente, a vulnerabilidade externa.
Será de US$ 60 bi o déficit do setor manufatureiro este ano. Quase 18% das reservas.
Ele corrói aquilo que distingue o desenvolvimento brasileiro entre os demais emergentes: a singular conquista de uma planta industrial sofisticada e completa – ainda que desatualizada.
O país tem uma cola poderosa para recuperar as trincas e fendas do seu sistema fabril.
Não necessariamente reconstituindo-o nas mesmas bases, o que a essa altura talvez seja até impossível.
Mas revigorando o que importa: empregos de qualidade, inovação, tecnologia, equilíbrio nas contas externas etc.
O nome desse ‘super-bonder’ estrutural é encomendas cativas do ciclo do pré-sal.
Há etapas de maturação exploratória a vencer, ademais de ajustes macroeconômicos (desvalorização cambial) a serem negociados para que esse trunfo não se perca.
Há, ademais, que resistir à cobiça externa.
O mencionado editorial da ‘Folha’, a exemplo dos grunhidos sobre a alegada ‘pré-insolvência da Petrobrás’, ilustra o olho gordo.
A corrosão da base manufatureira nacional é boa para a industrialização da China e dos países ricos.
O Brasil agregou uma Argentina às filas dos supermercados e das lojas de departamento na última década.
As encomendas do pré-sal – um cliente abençoado, cujo atendimento reverte automaticamente em capacidade de pagamento – figuram como o maior mercado de plataformas de petróleo dos sete mares.
Sem falar das peças de precisão, pesquisa, serviços, embarcações, refino etc., etc., etc.
O mundo rico cobiça o apetite brasileiro num planeta cujo principal problema é justamente a falta de demanda.
Vista desse ângulo, a travessia em curso adquire contornos semelhantes à grandeza das escolhas feitas por Getúlio nos anos 50.
Hoje, como ontem, o udenismo cogita o sacrifício final do parque manufatureiro, com um tranco de misericórdia nas proteções tarifárias.
O mesmo se dá em relação ao destino do petróleo nacional.
A industrialização ocupa, de novo, o centro da disputa sobre o passo seguinte do desenvolvimento.
As linhas de passagem para manter o controle endógeno dessa variável tem um custo.
O ajuste cambial e a modulação do consumo formam o par mais delicado.
Se calibrados exclusivamente sob a batuta do BC e da orquestra mercadista, a fatura será paga em espécie.
Devolvendo-se um pedaço dos empregos, das políticas sociais e do poder de compra criados nos últimos anos.
Quem sabe, devolvendo-se até a regulação do pré-sal aos mercados (‘Vocês vão e voltam’, prometeu Serra ao emissário da Chevron, em 2010).
Os atores sociais que podem fazer o contraponto a essa espiral não tem mais tempo a perder.
Nos anos 50, um pedaço das forças progressistas só foi perceber o seu lado quando o povo já estava nas ruas apedrejando os carros do jornal O Globo.
Getúlio, isolado, deu um cavalo de pau na história com um único tiro.
O mesmo que ecoa até hoje como divisor da política nacional.
Ontem, como hoje, a inércia e o acanhamento estratégico pavimentam o caminho do projeto regressivo.
Não bastam discursos. Salvaguardar interesses corporativos é pouco mais que miopia nos dias que correm.
A hora reclama propostas críveis.
Propostas de desenvolvimento para o Brasil.
Que guarneçam a travessia em curso com as salvaguardas e pactos capazes de preservar não apenas as conquistas do passado.
Mas o ‘direito de ter o comando sobre o próprio destino’.
Era assim que Celso Furtado definia desenvolvimento.
Mudanças pontuais, a curto prazo, e estruturais, de médio e longo prazos, terão que ser feitas para calibrar a máquina da economia rumo a um novo estirão expansionista.
Uma dúzia de variáveis desafiam a coerência e o dinamismo da marcha.
Cada uma tem um custo e nem sempre – ou melhor, quase nunca – combina com a outra.
Incentivar as exportações para, entre outras coisas, fortalecer o emprego industrial, por exemplo.
Implica desvalorizar o real, o que encarece os produtos importados, eleva a inflação e rebate no aumente dos juros, que comprime a demanda e ... derruba o emprego.
Que se pretendia preservar.
Quem decide o que é coerente na macroeconomia do desenvolvimento é a correlação de forças de cada época.
Não é um dado da natureza.
A exemplo das ‘vantagens comparativas’ (que o conservadorismo credita a um dom divino das nações), a correlação de forças é construída nas lutas históricas de cada povo.
Quem vai liderar a travessia para o novo ciclo de desenvolvimento?
Como e quando a CUT, o MST e demais organizações sociais vão intervir nessa dobra do caminho?
O conservadorismo, como aconteceu em 32, em 54, em 64 e na década de 90 apressa-se em atualizar o seu roteiro eterno de futuro.
Editoriais, como o da ‘Folha’, deste domingo (‘Um plano Dilma’), listam os requisitos do cardápio.
Tudo para o Brasil ‘voltar a crescer de forma saudável’, diz o epíteto martelado sobre a lápide das conquistas sociais.
Entre as sugestões, o diário preconiza: ‘conter o gasto público’ (adivinhem como...); ‘desamarrar’ a Petrobras para deslanchar o pré-sal (adivinhem como...); ‘baixar o centro da meta’ da inflação (adivinhem como...); ‘rever a política de comércio exterior’ e buscar acordos fora do Mercosul e dos Brics (adivinhem como...).
Em resumo, trata-se de um ‘Plano Dilma’ de rendição à pauta derrotada em 2002, 2006 e 2010.
Algo não bate.
Pela via eleitoral dificilmente a pasta de dente marchará assim, resignada, para dentro do tubo conservador.
Nos últimos dez anos, o país não fez tudo o que poderia ter feito.
Mas ampliou o investimento social do Estado; recuperou o poder de compra popular; gerou um novo ator político e um novo mercado de consumo; retomou o papel indutor do setor público na economia; reservou a maior descoberta de petróleo do século 21 à regulação soberana da sociedade; afrontou a lógica da Nafta em busca de uma nova ordem internacional; fortaleceu a agenda progressista latino-americana.
O país mudou: uma coisa não cabe dentro da outra.
O tubo desenhado pela Folha requer uma crise terminal ou a sangria do ‘excesso’ a golpes de machete para comportar o novo volume ao invólucro anacrônico.
Se o velho figurino não abarca o novo, nem por isso a sociedade pode prescindir de um trilho que injete coerência e impulso à engrenagem em construção.
Os gargalos da infraestrutura e a atrofia do investimento industrial terão que ser equacionados.
A industrialização brasileira está emparedada.
O desarranjo cambial barateia importações; favorece o consumo.
Mas destrói empregos locais, desmonta cadeias produtivas, desencoraja o investimento fabril e ressuscita, perigosamente, a vulnerabilidade externa.
Será de US$ 60 bi o déficit do setor manufatureiro este ano. Quase 18% das reservas.
Ele corrói aquilo que distingue o desenvolvimento brasileiro entre os demais emergentes: a singular conquista de uma planta industrial sofisticada e completa – ainda que desatualizada.
O país tem uma cola poderosa para recuperar as trincas e fendas do seu sistema fabril.
Não necessariamente reconstituindo-o nas mesmas bases, o que a essa altura talvez seja até impossível.
Mas revigorando o que importa: empregos de qualidade, inovação, tecnologia, equilíbrio nas contas externas etc.
O nome desse ‘super-bonder’ estrutural é encomendas cativas do ciclo do pré-sal.
Há etapas de maturação exploratória a vencer, ademais de ajustes macroeconômicos (desvalorização cambial) a serem negociados para que esse trunfo não se perca.
Há, ademais, que resistir à cobiça externa.
O mencionado editorial da ‘Folha’, a exemplo dos grunhidos sobre a alegada ‘pré-insolvência da Petrobrás’, ilustra o olho gordo.
A corrosão da base manufatureira nacional é boa para a industrialização da China e dos países ricos.
O Brasil agregou uma Argentina às filas dos supermercados e das lojas de departamento na última década.
As encomendas do pré-sal – um cliente abençoado, cujo atendimento reverte automaticamente em capacidade de pagamento – figuram como o maior mercado de plataformas de petróleo dos sete mares.
Sem falar das peças de precisão, pesquisa, serviços, embarcações, refino etc., etc., etc.
O mundo rico cobiça o apetite brasileiro num planeta cujo principal problema é justamente a falta de demanda.
Vista desse ângulo, a travessia em curso adquire contornos semelhantes à grandeza das escolhas feitas por Getúlio nos anos 50.
Hoje, como ontem, o udenismo cogita o sacrifício final do parque manufatureiro, com um tranco de misericórdia nas proteções tarifárias.
O mesmo se dá em relação ao destino do petróleo nacional.
A industrialização ocupa, de novo, o centro da disputa sobre o passo seguinte do desenvolvimento.
As linhas de passagem para manter o controle endógeno dessa variável tem um custo.
O ajuste cambial e a modulação do consumo formam o par mais delicado.
Se calibrados exclusivamente sob a batuta do BC e da orquestra mercadista, a fatura será paga em espécie.
Devolvendo-se um pedaço dos empregos, das políticas sociais e do poder de compra criados nos últimos anos.
Quem sabe, devolvendo-se até a regulação do pré-sal aos mercados (‘Vocês vão e voltam’, prometeu Serra ao emissário da Chevron, em 2010).
Os atores sociais que podem fazer o contraponto a essa espiral não tem mais tempo a perder.
Nos anos 50, um pedaço das forças progressistas só foi perceber o seu lado quando o povo já estava nas ruas apedrejando os carros do jornal O Globo.
Getúlio, isolado, deu um cavalo de pau na história com um único tiro.
O mesmo que ecoa até hoje como divisor da política nacional.
Ontem, como hoje, a inércia e o acanhamento estratégico pavimentam o caminho do projeto regressivo.
Não bastam discursos. Salvaguardar interesses corporativos é pouco mais que miopia nos dias que correm.
A hora reclama propostas críveis.
Propostas de desenvolvimento para o Brasil.
Que guarneçam a travessia em curso com as salvaguardas e pactos capazes de preservar não apenas as conquistas do passado.
Mas o ‘direito de ter o comando sobre o próprio destino’.
Era assim que Celso Furtado definia desenvolvimento.
Postado por Saul Leblon às 17:58
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